SÉRIE Desafios 2026. Marcos Nascimento: "O jovem precisa ter coragem. Assim o país avança"

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"Viajar, errar, tentar de novo – tudo isso ensina mais do que qualquer manual"
(Andre Lessa/Agência DC News)
  • Engenheiro e pioneiro no setor de energia limpa, ele defende que o progresso nasce quando experiência e juventude caminham lado a lado
  • A renovação, diz o vice-presidente da ACSP, começa quando os jovens são provocados – e têm liberdade para desafiar o estabelecido
Por Naiara Magalhães

[AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DC NEWS]
Na série especial Desafios 2026, iniciativa da AGÊNCIA DC NEWS, da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), as histórias de quem move a economia real ajudam a compor um retrato do empreendedorismo brasileiro em um momento de transição e busca por novos rumos. A reportagem começou ouvindo Roberto Mateus Ordine, presidente da entidade, e segue com conversas com seus oito conselheiros e com o presidente do Conselho Superior, Rogério Amato. Agora é a vez de Marcos Nascimento, vice-presidente da ACSP e integrante de seu Conselho Deliberativo, revisitar a própria trajetória e defender a força da juventude como motor de mudança. “Se o jovem é apenas uma cópia do que os velhos dizem, então não precisa de um grupo de jovens”, provoca. A frase sintetiza a inquietação que o acompanha desde 1984, quando ingressou na Associação e descobriu, entre debates e divergências, que o progresso nasce da coragem de pensar diferente.

Marcos Nascimento reúne a trajetória de um empresário que fez da curiosidade um método e da inovação, uma forma de permanência. Formado em Engenharia Civil, iniciou a carreira nos anos 1980 e logo percebeu que o futuro dos negócios passaria pela energia e pela sustentabilidade. À frente da Tecniplan, foi um dos primeiros a investir em geração eólica e em projetos de biomassa, além de assinar, em 2002, o primeiro contrato brasileiro de venda de créditos de carbono – operação inédita conduzida em parceria com o Banco Mundial, em um tempo em que o tema ainda soava distante da agenda nacional. A ousadia o levou a empreender no exterior – com sócios portugueses, chegou a desenvolver um projeto de geração de energia no Paquistão, em meio a um cenário de guerra. De volta à Associação Comercial de São Paulo (ACSP), em 2019, colaborou com a revisão do estatuto e, aos 68 anos de idade, tenta estimular nas próximas gerações, o que ele diz que a entidade estimulou nele quando era um empreendedor cheio de anseios. “O jovem tem que ser aquele que desafia, que traz coisa nova – outra vivência, outra visão de futuro”, afirma, em tom de conselho e provocação, como quem sabe que o progresso só acontece quando alguém decide questionar o caminho dado.

Afastado da vice-presidência da ACSP entre 2005 e 2019, em função de viagens de negócios, Marcos Nascimento voltou à casa que conhece desde menino. Filho do “velho Nascimento”, comerciante que também frequentava a entidade e lhe apresentou o valor da convivência entre empresários, ele provou que a fruta nunca cai tão distante do pé. Retornou à diretoria durante a gestão de Alfredo Cotait Neto para colaborar com a revisão do estatuto da entidade. Desde então acumula conselhos (e boas histórias para compartilhar com os mais jovens). No meio da conversa, inclusive, ele revive o episódio em que foi encapuzado e levado para uma reunião secreta com o presidente do Paquistão, durante a guerra – um episódio que ele trata com naturalidade, mesmo entendendo o risco. “Eu só pensava que minha mãe ia me matar se soubesse onde eu estava”, afirma, divertido. A lembrança, contada entre risadas, revela um traço constante: o gosto pelo desafio e a disposição de seguir adiante, mesmo quando o caminho parece improvável. Confira a entrevista.

Escolhas do Editor

AGÊNCIA DC NEWS – Para começar, poderia falar um pouco sobre seu início de vida?
MARCOS NASCIMENTO Eu nasci em Pinheiros, na casa onde é hoje a Livraria da Vila. Na minha infância, ainda passava carroça no bairro, na Estrada da Boiada. Fiz o primário e o ginásio na [Escola Estadual] Fernão Dias, na Avenida Pedroso de Moraes, depois vim para o Objetivo, na Avenida Paulista, e fiz Poli [Escola Politécnica] na USP. Meu pai é português, veio para o Brasil quando tinha 23 anos. Minha mãe é brasileira, filha de pai português e mãe espanhola. Eles se conheceram aqui no Brasil.

AGÊNCIA DC NEWS E você tem uma relação de trabalho com Portugal, certo? 
MARCOS NASCIMENTO Eu sempre tive uma relação com Portugal. Fiz negócios com portugueses e tenho muitos amigos lá. O curioso é que eles não vieram diretamente pelo meu pai. 

AGÊNCIA DC NEWS Como se deu a sua escolha por atuar no setor de energia?
MARCOS NASCIMENTO A minha empresa, Tecniplan, que faz 40 anos no ano que vem, nasceu como uma empresa de construção civil. Daí, nos anos 90, houve uma mudança de legislação no Brasil e criou-se a figura do Produtor Independente de Energia. Então, eu me associei a uma empresa portuguesa chamada HLC e entrei no mercado.

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Quem empreende precisa ter um pouco de loucura – e muita serenidade

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Marcos Nascimento

AGÊNCIA DC NEWS Você se refere ao Mercado Livre de Energia? 
MARCOS NASCIMENTO Foi o início do Mercado Livre. 

AGÊNCIA DC NEWS Então, você foi pioneiro nesse setor, que agora está em alta… 
MARCOS NASCIMENTO A HLC estava fazendo [energia] eólica e começando a fazer biomassa, em Portugal e na Inglaterra, e queriam vir para o Brasil. Aqui era tudo novidade. Entramos no primeiro leilão de eólica, ganhamos três plantas no Ceará. E assinamos o primeiro contrato de venda de crédito de carbono do Brasil, em 2002. Tínhamos uma usina de biomassa que queimava resíduos de madeira, no Rio Grande do Sul, em Piratini, e vendemos créditos de carbono para o governo do Canadá, com contrato feito pelo IFC [International Finance Corporation, membro do Grupo Banco Mundial]. Quando o governo do Canadá mandou a primeira ordem de pagamento, a gente não conseguia receber aqui. A Receita Federal não aceitava porque não tinha legislação para calcular o imposto. A Receita perguntava: ´Mas o que vocês venderam é produto ou é serviço?’. Eu mandei tirar uma cópia da ordem de pagamento e colocar num quadrinho porque eu pensei: ‘Esse dinheiro a gente não vai ver nunca’. Demorou um ano. 

AGÊNCIA DC NEWS Que interessante… Como resolveram? 
MARCOS NASCIMENTO Criamos uma norma interna para justificar. A gente não estava inventando a roda, era um contrato com o Banco Mundial. A Receita Federal aceitou e conseguimos receber. 

AGÊNCIA DC NEWS E como foi participar da criação de um mercado novo? 
MARCOS NASCIMENTO Foi interessante. O fato de eu ter sócios que já viviam isso lá fora me ajudava. A gente já poderia estar num outro patamar no setor de energia, no Brasil, mas aqui as coisas acontecem muito por moda – a moda da eólica, a moda da fotovoltaica [energia solar]… Deveria haver incentivo para essas energias como um todo porque elas são complementares – biomassa, diesel, hidrelétrica… 

AGÊNCIA DC NEWS Falta uma visão mais estrutural?
MARCOS NASCIMENTO Falta. É difícil fazer negócio no Brasil, conseguir financiamento… 

AGÊNCIA DC NEWS E, hoje, qual o foco da Tecniplan? 
MARCOS NASCIMENTO A Tecniplan é uma empresa pequena, a gente vai onde os grandes não estão. Hoje, toda água que vem do Sistema Cantareira da Sabesp, que abastece 9 milhões de pessoas, passa por turbinas nossas, 24 horas por dia. Fizemos a implantação há cerca de três anos, mas foi um projeto que demorou quase 10 anos para ficar de pé, porque era uma coisa nova: ‘Poxa, vai mexer numa estação de tratamento de água – e se faltar água?’. A engenharia resolveu esse problema pra gente aproveitar essa água que está aí, dia e noite passando. Quem controla a vazão é a Sabesp, em função do consumo da cidade. É o conceito da economia circular.

AGÊNCIA DC NEWS Já existia algo assim no Brasil? 
MARCOS NASCIMENTO No Brasil é o primeiro. Lá fora existe em vários países, na Europa e nos Estados Unidos. Foi uma quebra de paradigma. E o que a gente fez não foi um protótipo, foi um projeto implantado na segunda maior estação de tratamento de água do Brasil. Na hora de interligar a nossa usina com a estação de tratamento, a Sabesp nos deu 12 horas: a estação ia parar sábado às seis da tarde e voltar no domingo às seis da manhã. E o diretor falou o seguinte: ‘Quero a sua assinatura aqui. Se o abastecimento não voltar às seis horas da manhã, é você que vai ao Jornal Nacional explicar que 9 milhões de pessoas estão sem água e o governador vai te matar!’ [risos]. Deu tudo certo e estamos discutindo [projetos semelhantes] com outros estados.

AGÊNCIA DC NEWS E a sua entrada na Associação Comercial, como se deu? 
MARCOS NASCIMENTO Eu entrei na Associação em 1984 como membro do Conselho de Jovens Empresários. Na época, o presidente [da ACSP] era o Guilherme Afif Domingos. Depois, em 1991, eu virei coordenador do conselho e vice-presidente da entidade. Fiquei fora da diretoria executiva alguns pares de anos porque viajei muito a negócios e voltei na gestão do Alfredo Cotait [2019-2023]. 

AGÊNCIA DC NEWS E, nesses anos todos, que episódio ou conquista você gostaria de destacar? 
MARCOS NASCIMENTO Eu gostei muito desse momento jovem. Participava o Kassab, que hoje é uma referência, mas também uma série de empresários que criaram seus negócios, cresceram, têm sua vida empresarial. Eu sempre falei o seguinte: o jovem tem que ser aquilo que ele é; tem que ser aquele que desafia, que traz coisa nova – outra vivência, outra visão de futuro. Se for para ser uma cópia dos velhos, não precisa de um grupo de jovens. O Guilherme [Afif] tinha muito essa cabeça também; ele criou o grupo de jovens para arejar a entidade.  Quando houve a [Assembleia] Constituinte [de 1988], a gente fez um grupo de trabalho para apresentar o projeto dos jovens em Brasília. O Romeu Trussardi, presidente da Associação, na época, me chamou e disse: ‘Vocês têm que passar isso pelos nossos comitês’.

AGÊNCIA DC NEWS E qual foi sua reação?
MARCOS NASCIMENTO – Eu falei: ‘Se passar pelos comitês, vai pasteurizar. Eu acho que tem que ter uma visão diferente, uma visão do jovem’. Até o direito de errar tem que ter. Faz parte do jogo…. E o Romeu, na época, respondeu: ‘Desculpa, não pode’. Eu disse: ‘Então tá bom, a gente vai nas pessoas físicas, não vamos mais como grupo, não tem problema’. Aí ele falou: ‘Já vi que não tem jeito, né? Tá bom, vai, apresenta, depois a gente vê como resolve isso’.  N’outra ocasião, ali por 1988-1989, a gente trouxe aqui o Zé Dirceu para um almoço com o conselho de jovens empresários. Quase me mataram na reunião da diretoria. “Marcos, é verdade?”, me questionaram. Eu falei: ‘É verdade, a gente veio discutir, escutar o que ele tem a dizer’. ‘Mas é um absurdo você expor os nossos jovens a isso, você vai levá-los para um outro caminho…’, disseram. Eu argumentei: ‘A intenção é justamente saber o que o outro lado pensa e argumentar.

AGÊNCIA DC NEWS Isso faz parte de um sistema republicano…
MARCOS NASCIMENTO – Sim, e se o outro lado for tão bom que vai nos convencer, então a culpa é nossa. Se a gente tem que ficar trancado e não pode falar com ninguém, então alguma coisa está errada’. A gente tem que discutir – no final, a gente pode dar as mãos e dizer: ‘Eu não concordo com o que você pensa, você não concorda com o que eu penso – e tudo bem’.

AGÊNCIA DC NEWS A gente está num momento em que essa capacidade de divergir está complicada, não está? 
MARCOS NASCIMENTO Está complicada. Ou você é A ou você é B. Eu acho que tem que escutar os dois lados. Não adianta ir para o extremo. E eu acho que o jovem tem que ter essa visão de discussão. 

AGÊNCIA DC NEWS E como essa vivência de questionar e propor outros pontos de vista contribuiu para a sua trajetória? 
MARCOS NASCIMENTO A gente aprende a pensar, a ver o diferente. Eu sou um engenheiro civil, a minha formação é construir, aí de repente eu fui montar negócios numa área de energia que eu não fazia ideia como funcionava…

AGÊNCIA DC NEWS Uma mentalidade de inovação? 
MARCOS NASCIMENTO Sim… Na época do apagão [2001-2002], num final de tarde, tomando um chope no Rio de Janeiro, um amigo me falou de uma oportunidade no Paquistão. Junto com meu sócio, estudamos e estruturamos um projeto de geração de energia lá. Sabe aquela coisa assim “nada é impossível”?

AGÊNCIA DC NEWS E, para além da sua experiência pessoal, como você vê a relevância da Associação Comercial? 
MARCOS NASCIMENTO A Associação Comercial tem uma relevância muito grande porque ela foi se adequando aos tempos, nesses 130 anos da entidade. E hoje nós estamos vivendo uma fase muito interessante, na qual tem o viés institucional e o viés empresa. A gente chegou nesse ponto com a questão financeira da Associação resolvida. Estamos vivendo um momento excelente. Eu acho que a entidade tem que ser um think thank, trazer pessoas para discutir o pensamento, tanto no nível municipal, quanto estadual e federal. E ter algo mais. 

AGÊNCIA DC NEWS O que seria esse ‘algo mais’? 
MARCOS NASCIMENTO Eu não sei exatamente, acho que a gente tem que estudar isso e discutir internamente. Mas, talvez, abrir as portas para uma participação maior. Antigamente, o nosso conselho de jovens tinha 50-60 membros e o cara vinha para as reuniões no final de tarde, no centro da cidade, e ainda tinha que pôr uma gravata. Ele fazia um sacrifício porque achava que tinha aqui alguma coisa importante para ele. Se ele queria escutar um empresário famoso, ele vinha. Hoje, para um jovem frequentar a Associação, tem que ter um pouco mais, porque são muitas as formas de acesso, a concorrência é grande. Acho que nós temos que trazer gente aqui não só para vir e escutar, nós temos que ter o posicionamento da entidade. Hoje, o conselho político já faz isso, vários conselhos têm essa missão, então, eu acho que é continuar isso e ir aprimorando, porque a entidade abre muitas portas… Mesmo hoje em dia, as relações ainda são muito pessoais, o olho no olho ainda faz muito sentido.

AGÊNCIA DC NEWS Sim, porque uma coisa é você ver alguém falar no YouTube e outra é ter a chance de estar olho no olho, fazer perguntas…
MARCOS NASCIMENTO Sim. As reuniões virtuais são importantes para você ganhar tempo, mas na hora de contratar é olho no olho, tem que ter essa interação com a pessoa… A nossa entidade tem uma coisa de futuro muito legal. Essa mudança de ter um Conselho Superior que dá o tom da entidade, eu acho muito importante, justamente para preservar a Associação, não aparecer um maluco aí, que, de repente, consegue se eleger e só quer usar a entidade em benefício próprio. O nosso negócio é o pequeno e o médio empresário. Acho que as distritais estão fazendo um excelente trabalho, com toda a remodelação que foi feita com a prestação de serviços, trazendo os empresários, trazendo o que está acontecendo nos bairros… 

“O Conselho Superior garante que a entidade se mantenha fiel ao seu propósito – o pequeno e o médio empresário”
(Andre Lessa/Agência DC News)

AGÊNCIA DC NEWS Para finalizar, gostaria de saber um pouco da sua visão sobre São Paulo. O que é importante hoje para a vida na cidade?
MARCOS NASCIMENTO –Hoje nós estamos num grande momento para São Paulo pelo fato de termos o governador e o prefeito alinhados. Eu acho que isso é uma vantagem imensa, há muito tempo a gente não vive isso. E acho que a renovação do centro da cidade é fundamental – trazer as pessoas para morarem no centro, ter vida à noite… O [presidente da ACSP] Ordine respira isso 24 horas por dia. O fato de o governo do estado trazer toda a sua estrutura para os Campos Elíseos também é uma coisa ótima. Lá no Palácio dos Bandeirantes ficava longe, difícil de falar com as pessoas… Acho positivo concentrar a estrutura, como funciona em outros lugares do mundo, e desenvolver essa região. Tem que olhar a cidade como um todo.

Ao final da conversa, percebi que Marcos Nascimento fala dos jovens com a serenidade de quem já aprendeu a respeitar o tempo – e com o entusiasmo de quem ainda acredita no novo. Em sua trajetória, o passado e o futuro parecem coexistir, como se a experiência e o impulso dividissem o mesmo espaço. “Há que se cuidar do broto pra que a vida nos dê flor e fruto.” Essa frase, que facilmente poderia ser dita por Marcos, na verdade foi cantada milhares de vezes por um outro Nascimento – o Milton, na canção Coração de Estudante, lançada curiosamente perto da entrada de Marcos na ACSP, enquanto ele ainda guardava muitos traços do seu período universitário. A coincidência de sobrenome não parece mero acaso: ambos acreditam que o vigor da juventude precisa ser cultivado, não substituído. Entender que cada geração floresce melhor quando alguém se dispõe a regar o que vem depois parece aproximar os dois Nascimentos aqui coligados.

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