[AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DC NEWS]
Marcos Troyjo tem duas convicções. A primeira é a de que o cenário mundial está propício como nunca ao avanço-chave para que o Acordo União Europeia (UE)-Mercosul efetivamente ocorra – a despeito de disparos midiáticos extemporâneos, o acordo ainda não vigora. A segunda é que somente a abertura econômica fará o Brasil ter ganhos de produtividade e criar condições de prosperidade. “O que determina milagre econômico é a abertura”, afirmou Troyjo na quinta-feira (9), na Associação Comercial de São Paulo (ACSP). A convite do Comitê de Avaliação de Conjuntura, ele deu uma palestra sobre o potencial papel do Brasil nesse novo ambiente internacional.
Economista, cientista político, diplomata e professor, entre 2020 e 2023 Troyjo foi presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), o chamado banco do Brics – hoje comandado por Dilma Rousseff. É das personalidades brasileiras que mais conhecem o universo da geopolítica e da economia global e com essa bagagem destacou a brecha de oportunidade que o Acordo com a União Europeia pode trazer ao país. “Taxa de câmbio, nível inflacionário, política de juros é tudo muito importante. Mas nada supera o acordo com a UE”, disse. “Será um dos eventos mais transformadores para a economia brasileira e da nossa região nos próximos anos.”
Ele enxerga o momento atual como uma janela de oportunidade muito rara. E afirma que o Brasil deve estar preparado. Para exemplificar, faz uma analogia com alguém que procura emprego e no fim da entrevista a diretora de recursos humanos pergunta onde o candidato à vaga se vê daqui a cinco anos. “A nova ordem internacional está recrutando quem serão as próximas potências do século 21”, disse. “E a pergunta é: ‘Onde o Brasil quer estar nos próximos 25 anos?’ ” Para respondê-la, ele diz, será preciso que o Brasil faça sua análise SWOT (sigla em inglês para avaliar as próprias forças e fraquezas e os cenários de oportunidades e ameaças).
PROTECIONISMO – E um dos dedos na ferida é o protecionismo. Uma praga bem típica do Brasil. Mas não apenas. “Fechar-se para o mundo é receita espetacular para o fracasso”, disse. “Todos os milagres de crescimento após a Segunda Guerra são milagres turbinados pela abertura comercial.” E cita Alemanha, Espanha, Japão, Cingapura, Coreia do Sul, China, Chile… Para Troyjo, a cultura protecionista que sempre imperou no Brasil e ainda mais na Argentina – “Fechar-se é uma receita tão argentina quanto o chimichurri” – impediu que o acordo UE-Mercosul brotado nos anos 1990 só tivesse uma situação favorável na segunda metade da década passada. Porque houve, segundo ele, o governo mais reformista da América Latina no milênio, Michel Temer, que fez o tema avançar. “E em 2019 [estava, no Brasil, no time de Paulo Guedes], havia na Argentina um presidente liberal, Mauricio Macri.”
Por que o acordo não saiu, então? Porque no momento da revisão jurídica e de tradução o mundo foi paralisado por dois anos e meio com a Covid-19. A reviravolta acontece em novembro de 2024. A ascensão de Donald Trump (e sua plataforma mais protecionista) fez os europeus se sentirem acuados e tiraram o acordo da gaveta. O mesmíssimo que foi fechado em dezembro de 2024. “O governo atual tirou apenas a parte de compras governamentais. Deve ter suas razões.” Para avançar e se tornar efetivo, ele precisa sair da Comissão Europeia para o Conselho Europeu (formado por representantes dos 27 países). Isso porque a negociação em questão trata-se de um Acordo Misto (amplo), e não apenas de um acordo de comércio. Nesse tipo de negociação, além das relações comerciais, são tratados temas como geopolítica e cooperação, o que exige empenho maior das partes. O fatiamento dele, deixando apenas a parte comercial para agora, teria rito mais acelerado.
De acordo com Troyjo, o momento é propício porque “um dos principais oponentes do acordo, o governo francês, está num momento fragilizado”, afirmou. Para ele, hoje, há muita gente na França que quer o acordo. Ele enumera como se fosse uma equação. A favor, a indústria automobilística, os bancos, os investidores do setor de energia, as grandes consultorias. Contra, os agricultores, parte da mídia e parte da intelligentsia francesa. “Haverá uma conjuntura nos próximos meses em que o primeiro grupo estará mais forte que o segundo grupo.”
VACA NA AIR FRANCE – O acordo é uma novela porque o protecionismo não está apenas de um lado. Da parte do Mercosul, segundo ele, é natural que entre os objetivos ofensivos esteja encontrar mais espaços para os produtos do agronegócio e ao mesmo tempo se resguardar da competição no setor de manufatura, que interessa aos europeus. Para mostrar o quanto a proteção destrói valor e o crescimento econômico, Troyjo cita o embaixador Jorio Dauster (1937). Dauster afirmava que seria mais barato para um supermercado francês comprar uma passagem de classe executiva da Air France e embarcar uma vaca de São Paulo até Paris do que se o governo francês subsidiasse a produção dessa vaca por lá. “São absurdos protecionistas”, disse.
“E nós temos também nossos absurdos.” Ele exemplifica com o vinho. “É mais barato comprar um bom vinho argentino em Hong Kong do que descer aqui e comprar o mesmo vinho.” A liberação do vinho era tema-chave aos europeus nas costuras conduzidas em 2019 e que estão mantidas no texto de hoje. Troyjo afirma que argentinos e uruguaios estavam de acordo, os paraguaios não tinham muito a defender e apenas “os nossos irmãos gaúchos” eram contra. “Uma preocupação infundada.” Ele diz que a liberação comercial tem como uma das consequências aumentar o consumo per capita do produto. No caso do vinho, segundo ele, sete de cada dez taças consumidas no Brasil são da produção nacional. “Então, tem muito espaço.” E acrescenta que acordos de liberalização trazem outros benefícios à cadeia. Derruba preço dos insumos, aumenta o consumo, gera a economia: mais garçons, sommeliers, vendedores… “Aumenta até a formação de joint ventures.” Foi o caso da chilena Concha y Toro e a francesa Baron Philippe de Rothschild, parceria criada em 1997 e que originou a série icônica Almaviva.
Ele acredita que o Brasil e, consequentemente, o Mercosul estão após a chegada da onda Trump numa posição privilegiada. Em 2001, ele cita, último ano em que o PIB nominal do Brasil era igual ao da China, o fluxo comercial entre Brasília e Pequim era equivalente a US$ 1 bilhão por ano. “Hoje é de US$ 1 bilhão a cada 50 horas”, disse. “Se os europeus estão se fazendo de difíceis, fiquem aí com seu mercado, eu tenho a China, a Ásia.” E enumera: hoje o Brasil exporta mais para Coreia do Sul do que para a Espanha, mais para Malásia do que para a Itália, mais para Cingapura do que para a Alemanha, mais para Tailândia do que para a França, mais para Índia do que para o Reino Unido e mais para China do que para os Estados Unidos e a UE juntos.
NECESSIDADE – Por um lado, isso coloca o Brasil de maneira não tão dependente dos europeus, mas bastante vulnerável em relação aos asiáticos, e à China em especial. “Qualquer estrategista vai dizer para diminuir a dependência relativa desse mercado [asiático]”, afirmou. O que reforça a necessidade estratégica de fechar o acordo com a UE. “Não é fácil. Mas é preciso tentar.” Até porque, afirma ele, a UE é um mercado com o dobro da população brasileira e com renda média três vezes e meia maior. Em resumo, um mercado de escala e alta renda e que mesmo após a saída britânica é maior que a China. “Do ponto de vista das exportações, nós podemos aproveitar bem mais.”
Paralelamente a isso, ele elenca que há outras vantagens nessa relação, além do comércio exterior. E a principal é amplificar o investimento direto europeu no Brasil. A presença desse investimento aqui já é elevada. “O que é incoerente. Porque em termos relativos nosso comércio com eles caiu, mas o investimento direto é alto”, afirmou. “E no âmbito de um acordo comercial um dos efeitos colaterais positivos é exponenciar o investimento direto.” Troyjo diz que também os europeus ganharão. “Eles têm os chineses e americanos fungando no cangote deles”, afirmou. “Pense na indústria francesa de carros, por exemplo”. Instalada no Brasil, vai vender apenas no mercado regional. “Se tivermos o acordo, venderá aqui, na Romênia, na República Tcheca ou na França. O escopo do investimento aumenta.”
Troyjo ressalta, ainda, que a maior de todas as oportunidades será a necessidade de transformação interna. Porque um acordo vai exigir do Brasil, para tirar plenos benefícios, reformas internas. Do ambiente de negócios ao de tributos, passando pela produtividade com o treinamento e a capacitação de pessoas. “Cria uma situação em que é obrigatório melhorar.” Porque, segundo ele, as grandes corporações, como Embraer, JBS e Vale vão estar preparadas. “A grande lição desses tratados é que os mais impactados, pro mal e pro bem, são pequenas e médias empresas.” E encerra afirmando que num acordo como esse a maioria ganha e uma minoria perde. “O problema é que a maioria é silenciosa, e a minoria é barulhenta.”