BUENOS AIRES E VICENTE LÓPEZ, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Javier Milei havia prometido colocar o “último prego no caixão do peronismo” antes das eleições da província da Buenos Aires, que ocorreram neste domingo (7). Quando foram divulgados os resultados preliminares da votação, não poderiam ser mais distintos para o presidente.
Com cerca de 80% dos votos apurados, a coalizão peronista Força Pátria, sob comando do governador Axel Kicillof, obteve 46,93%, enquanto o partido de Milei, A Liberdade Avança, teve 33,85% do total dos votos. Os números foram divulgados pelo ministro de Governo, Carlos Bianco.
Na província que concentra 40% dos eleitores argentinos, o governo Milei esperava no mínimo um empate técnico ou que a diferença em relação aos peronistas fosse de cinco pontos percentuais.
Mais de 60% dos eleitores registrados foram votar neste domingo. A província é dividida em oito distritos eleitorais, sendo os mais populosos o terceiro (onde o peronismo é mais forte) e o primeiro (que estava sob uma disputa acirrada). Milei mostrava mais força no interior da província.
O peronismo ganhou em 6 dos 8 distritos da província. O governo Milei esperava um empate técnico ou que a diferença em relação aos peronistas fosse de cinco pontos percentuais, mas não de quase 14 pontos.
Quando Javier Milei decidiu nacionalizar a disputa eleitoral na província de Buenos Aires, que em outros momentos estaria abaixo do radar dos argentinos, o cenário político era bem mais favorável ao presidente há alguns meses. Os mileístas haviam emplacado o primeiro colocado nas eleições legislativas da cidade de Buenos Aires, em maio.
Com a inflação sob controle e o peronismo combalido após a prisão domiciliar da ex-presidente Cristina Kirchner, após engolir o PRO, que competiu sob o nome do grupo de Milei, A Liberdade Avança), o presidente chegou a dizer que o pleito seria a oportunidade de “esmagar o kirchnerismo” em seu bastião.
Tudo mudou nas últimas semanas, quando estourou o escândalo dos áudios atribuídos ao ex-funcionário do governo Diego Spagnuolo, contando uma suposta rede de corrupção na compra de medicamentos para pessoas com deficiência que beneficiaria com propinas de 3% o braço direito e irmã de Milei, Karina.
O escândalo dos áudios também veio à tona quando a economia dava sinais mais claros de estagnação, com a atividade travando, alta de juros e o governo intervindo abertamente no câmbio, por meio do Tesouro.
A popularidade de Milei caiu para mínimos históricos de 39%, de acordo com uma medição da empresa de pesquisas Trespuntocero, e 9 de cada 10 argentinos dizem ter conhecimento do caso, que a imprensa batizou de “karinagate”.
Karina Milei foi votar na manhã deste domingo em um colégio na localidade de Vicente López, na parte norte, a mais rica da faixa de municípios que circundam a cidade de Buenos Aires. Entrou escoltada por militantes e se limitou a dizer aos jornalistas que era importante que os bonaerenses fossem votar.
“Banalizar e vandalizar o ‘Nunca Mais’ que representa o período mais sombrio e trágico da história argentina, não é de graça. Rir da morte e da dor dos seus oponentes também não é de graça. Além disso, você deveria se preocupar com as pessoas com deficiência, roubando 3% dos seus medicamentos”, escreveu a ex-presidente Cristina Kirchner em seu perfil no X.
Os mercados financeiros fecharam a semana passada em tensão, aguardando o resultado das eleições e lidando com acusações de corrupção no governo, além de uma queda na popularidade de Milei e conflitos sociais devido ao seu rígido plano econômico. O índice Merval, principal indicador do mercado de ações da Argentina, caiu mais de 14% em agosto.
Foi a primeira vez que a província vota separadamente das legislativas nacionais desde o retorno da democracia e por uma decisão de Kicillof.
“As preferências são expressas nas urnas, mas também uma vocação e um futuro que é desejado, então acho que o governo tem que estar atento e ouvir e nós, sendo o governo também, temos que ouvir as urnas”, disse o governador, ao votar na capital da província, La Plata.
As pesquisas mais recentes antes das eleições apontavam uma vantagem ou empate para o partido do governador, que foi ministro de Cristina e seu afilhado político, até entrar em uma disputa interna com o grupo da ex-presidente pelo comando do campo político.
Mesmo sendo uma eleição provincial, o pleito que acaba de acontecer antecipa a principal batalha de Milei este ano –as eleições nacionais de 26 de outubro, onde o partido do governo busca ganhar cadeiras no Congresso.
Milei acumula derrotas este ano no Parlamento nacional, o que coloca em risco a continuidade de sua agenda de cortes orçamentários.
Às vésperas das eleições na província, a oposição no Senado conseguiu anular um veto de Milei contra um projeto de lei que buscava aumentar o orçamento para atender pessoas com deficiência. Os parlamentares também aumentaram as verbas para saúde e educação, o que se choca com a política de cortes do governo.