SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – No mesmo dia em que colheu louros do acordo com o grupo terrorista Hamas para a libertação de reféns ainda mantidos na Faixa de Gaza, o premiê de Israel, Binyamin Netanyahu, voltou a lidar com ameaças de ruptura na coalizão que sustenta o governo vindas de seus próprios aliados.
O ministro de Segurança Nacional, o extremista Itamar Ben-Gvir, afirmou nesta quinta-feira (9) que o seu partido, o Poder Judaico, vai pressionar pela derrubada do governo caso o plano acordado permita ao Hamas continuar existindo em Gaza.
Dias antes, o ministro das Finanças, o também extremista Bezalel Smotrich, da legenda Sionismo Religioso, afirmou que suspender os ataques em Gaza foi um erro grave. Segundo ele, a trégua enfraquece a posição de Israel e compromete os objetivos de eliminar a facção e desmilitarizar o território palestino.
Os dois ministros integram a ala mais radical do governo. Juntos, seus partidos sustentam a coalizão mais à direita da história de Israel, que tem maioria apertada no Knesset, o Parlamento. Caso eles decidam abandonar Netanyahu, o premiê perderia a maioria, e novas eleições poderiam ser convocadas.
Especialistas, contudo, dizem ser improvável um colapso do governo, ao menos no curto prazo, a despeito da retórica dura dos ministros extremistas. As declarações, dizem, buscam apaziguar a base mais inflamada de seus apoiadores, contrários a qualquer acordo com o Hamas.
“Embora tenham sinalizado que não estão satisfeitos, [Ben-Gvir e Smotrich] não manifestaram a intenção de uma ruptura imediata com o governo. Existe forte esperança de que a primeira fase do acordo dê certo e, caso isso aconteça, eles querem ficar ao lado dos vencedores. É um cálculo político”, afirma Revital Poleg, que atuou por quase 20 anos como diplomata e assessora parlamentar em Israel.
Ainda assim, ela manifesta cautela quanto ao futuro político de Netanyahu e enfatiza que as negociações devem ser analisadas por etapas. A primeira delas prevê a libertação de todos os reféns israelenses pela facção palestina, iniciativa em que há consenso em todos os setores da sociedade, da esquerda à direita. “Depois, ao discutir a situação política de Gaza, quem vai lidar com isso e se vai existir uma força internacional no território, aí o Bibi [como Netanyahu é conhecido] poderá ter problemas.”
Além da chance de êxito na soltura de reféns, a diplomata diz que os ministros extremistas estão desgastados. Ao longo do conflito, eles pressionaram por uma ofensiva total contra Gaza e fizeram declarações preconceituosas contra os palestinos. As falas geraram desconforto dentro do gabinete de Netanyahu, motivaram críticas da comunidade internacional e ampliaram divisões na sociedade israelense.
“Todas as pesquisas mostram que Smotrich não teria um assento no Knesset caso as eleições fossem amanhã. Já Ben-Gvir vem demonstrando queda [de popularidade]”, diz ela, que também é colaboradora do Instituto Brasil-Israel (IBI).
Mesmo se os ministros extremistas decidirem desembarcar do governo, a chance de o governo colapsar, por ora, permanece remota. Na semana passada, o líder da oposição, Yair Lapid, ofereceu a Netanyahu o apoio parlamentar necessário para que o acordo com o Hamas pudesse ser fechado sem risco à coalizão.
Juntos, os partidos de Ben-Gvir e Smotrich somam 13 cadeiras no Knesset. Já o centrista Há Futuro, a legenda de Lapid, tem 24 assentos novas eleições podem ser convocadas com o apoio da maioria dos parlamentares (ao menos 61 dos 120 deputados).
Por esses motivos, Yochanan Tzoref, pesquisador do Instituto de Estudos de Segurança Nacional, da Universidade de Tel Aviv, também diz não acreditar que o acordo com o Hamas possa provocar o colapso do governo. Ele afirma, contudo, que a implementação de uma trégua no conflito aumenta as chances de eleições antecipadas.
“Primeiro, este governo está perdendo sua legitimidade desde que a guerra começou. Segundo, há muitos outros problemas em Israel que este governo não pôde resolver. Muitas pessoas acreditam que Netanyahu não pode continuar no poder como se nada tivesse acontecido”, afirma ele, mencionando os protestos contra a reforma judicial que se espalharam pelo país antes dos atentados do Hamas em 7 de outubro de 2023 e o controverso projeto de lei que pretende acabar com a isenção do alistamento militar obrigatório para os judeus ultraortodoxos.
Tzoref acredita que o acordo entre Israel e Hamas foi resultado de maior pressão sobre o grupo terrorista após o ataque israelense à lideranças da facção em Doha, a capital do Qatar, um dos mediadores do conflito. “Países árabes e islâmicos foram até Trump e disseram: ‘Não podemos confiar em Israel’. E para impedir mais ataques, Trump conseguiu recrutar todos esses países para aumentar a pressão sobre o Hamas, para que aceitasse suas condições”, diz.
O Knesset está em recesso até o próximo dia 27. Enquanto o Parlamento não volta às atividades, Netanyahu terá tempo para negociar com os extremistas de seu governo. “Ele vai tentar dar a esses partidos outras coisas como mais espaço na Cisjordânia, áreas possivelmente anexadas. São possibilidades para tentar apaziguar esses partidos”, diz Karina Calandrin, assessora do IBI e doutora em Relações Internacionais.