Motim bolsonarista fragiliza Motta, exige intervenção de Lira e põe em risco controle na Câmara

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BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A ocupação do plenário da Câmara dos Deputados pelos bolsonaristas, só resolvida após o ex-presidente da Casa Arthur Lira (PP-AL) intervir, expôs publicamente o presidente Hugo Motta (Republicanos-PB).

Parlamentares avaliam que sua liderança saiu fragilizada e põe em risco a condução dos trabalhos e os planos de reeleição para o cargo em 2027.

Aliados admitem que Motta chegou muito perto de perder a governabilidade da Casa, ao quase não conseguir ocupar a cadeira da presidência da Câmara.

Ele ameaçou suspender o mandato de quem não o deixasse presidir e marcou a sessão para as 20h30. Mas só saiu para o plenário depois das 22h, passou seis minutos para conseguir sentar e desistiu no meio do caminho, diante da resistência de Marcel van Hattem (Novo-RS) a se levantar. Só tomou assento quando empurrado pelos colegas.

Interlocutores de Motta ponderam que não faria sentido ele bater boca publicamente com parte da Câmara e que o objetivo foi cumprido, com a retomada da cadeira de presidente e a abertura dos trabalhos.

Não houve, contudo, votação, já que dois importantes partidos da sua base de apoio, o PP e o União Brasil, também estavam em obstrução.

Ao chegar à Câmara nesta quinta (7), Motta contemporizou a atuação de Lira. “É um amigo, uma pessoa que tem colaborado muito com o país. […] É natural que, em momentos de tensão, todos aqueles que querem o bem da casa se unam para construir as soluções. O presidente Arthur participou de alguns diálogos ontem, como todos os líderes participaram”, disse.

“Foi uma tensão que, acredito, a Casa não viveu na sua história recente, então é natural que todos possam se juntar e, sempre buscando através do diálogo, resolver.”

O entorno de Motta também contrapõe a situação à do Senado, onde o presidente Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) tinha aberto mão de retomar o plenário e faria a sessão desta quinta de forma remota, pela internet –artifício utilizado apenas na pandemia. Após Motta presidir a sessão do plenário da Câmara, Alcolumbre também conseguiu convencer os bolsonaristas a desocuparem a mesa do Senado nesta quinta.

Dois integrantes da cúpula da Câmara, no entanto, minimizam o episódio e se queixaram da postura de Alcolumbre. Segundo um deles, o presidente do Senado tem ficado à sombra da crise causada pela prisão de Bolsonaro e não atuado diretamente para dar uma resposta ao Judiciário.

Esse aliado de Motta diz que uma resposta ao Supremo deveria ser discutida no Senado, já que é a Casa que tem “os remédios para essa doença”.

Motta procurou os bolsonaristas à tarde, disse que não negociaria sob chantagem e que uma pauta poderia ser construída somente após eles desocuparem o plenário. Insistiu também que retomaria a cadeira e faria a sessão, mesmo sem acordo. A reunião foi cordial, mas ruim, na visão dos bolsonaristas.

O líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), saiu no meio da conversa, ao ouvir que a sessão seria realizada mesmo com o motim, e foi procurar diretamente Lira. As negociações só destravaram a partir daí, quando o ex-presidente da Casa tomou as rédeas para negociar o pacote de demandas do PL.

Os aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) protestam contra a prisão domiciliar dele, determinada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes na segunda-feira (4), por descumprimento de medidas cautelares.

Para desocuparem a cadeira, eles demandaram apoio para aprovação de mudanças no foro especial, para que os processos saiam da alçada do STF (Supremo Tribunal Federal), e uma anistia “ampla, geral e irrestrita” para todos os envolvidos nos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023, incluindo Bolsonaro, que está em vias de ser julgado.

Lira, o líder do PP, Dr. Luizinho Teixeira (RJ), e o deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA) passaram a tratar do pacote com os bolsonaristas, numa reunião tida como “mais promissora” por eles do que o encontro com Motta. Prometeram ajudar a construir esse pacote, em especial as mudanças no foro, que também interessam ao centrão.

Motta convocou aliados para a presidência da Câmara, para que juntos retomassem o plenário, mas o movimento não teve efeito. Líderes aliados, bolsonaristas e esquerda então voltaram a buscar o ex-presidente Arthur Lira, seu padrinho político, para resolver a situação.

O discurso geral, entre os deputados, foi de que isso demonstrou fraqueza por parte do atual presidente e que era um gesto muito ruim para o resto dos colegas e a sociedade.

O presidente da Câmara marcou sessão para esta quinta, com o objetivo de retomar os trabalhos. A tentativa é de mostrar força e evitar que uma medida provisória que agiliza a fiscalização em benefícios previdenciários caia na próxima semana por falta de votação.

O episódio, no entanto, fragilizou ainda mais a imagem de Motta, que já era contestado internamente por acordos não cumpridos, como a promessa de que o PT teria a relatoria do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2026 e a votação de surpresa do projeto que derrubava o decreto do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). Ambas arranharam a relação com o governo Lula (PT).

Dois aliados do presidente da República dizem que não caberia ao governo atuar para retomar os trabalhos no Congresso, já que essa é uma questão interna do Legislativo. Ao longo de quarta, monitoraram a situação por meio dos líderes do governo nas duas Casas, diante do interesse de destravar a votação de temas considerados prioritários.

Integrantes do governo que, inicialmente, haviam celebrado a postura de Motta de convocar a sessão, reconhecem, nos bastidores, que o presidente da Câmara não conduziu bem esse processo, por ter titubeado diante da pressão dos bolsonaristas.

Um aliado de Lula afirma que o episódio desta quarta mostrou que Motta dificilmente conseguirá retomar força e controle no plenário, e que a atuação de Lira nos bastidores deverá ser algo frequente.

Na manhã desta quinta (7), a ministra Gleisi Hoffmann (Secretaria de Relações Institucionais) elogiou a postura de Motta e Alcolumbre, afirmando que eles agiram “corretamente diante do motim da oposição”. “Retomaram o comando das Casas deixando claro que os interesses do país e do povo não podem ser submetidos às chantagens dos aliados de Jair Bolsonaro”, escreveu numa rede social.

Havia também contestações à dificuldade dele de manobrar as divergências entre esquerda e direita, que o apoiaram na eleição. Motta, segundo seus aliados, tem perfil mais conciliador do que Lira. Busca evitar embates, dialogar mais e conciliar os interesses da maioria, o que o torna alvo de críticas de ambos os lados.

Aliados também apontam uma fraqueza em relação à gestão anterior: a falta de recursos das emendas parlamentares para que ele possa administrar o plenário.

Lira tinha em suas mãos as emendas de relator, com as quais ele direcionava dinheiro para as bases eleitorais de quem o apoiasse. Motta até agora não conseguiu costurar o acordo para destravar as emendas de comissão, que as substituíram, mas são alvo de escrutínio do STF.

As críticas ao estilo do atual presidente da Câmara fazem com que deputados ponham em xeque atualmente sua capacidade de se reeleger para o cargo em fevereiro de 2027, quando assume um novo governo. Já estar no comando da Casa o torna favorito, mas as recentes fragilidades, dizem seus adversários e até aliados, podem abrir espaço para outros nomes se posicionarem.

No episódio do motim, por exemplo, um dos mais atuantes para destravar as negociações foi o deputado Elmar Nascimento, que era até então o favorito de Lira para substituí-lo, mas acabou preterido após veto do presidente Lula.

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