SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Entre receio de judicialização, medo de adiamento e discussão sobre qual modelo de concessão será adotado, o leilão do Tecon 10, o megaterminal do porto de Santos vive uma disputa nos bastidores. Uma contenda que esbarra em política governamental, briga por influência, geopolítica e eleições de 2026.
A discussão é se o certame será em fase única, sem restrições de participantes, ou em duas rodadas, excluindo da primeira armadores que já sejam donos de terminais no porto santista.
Existem cobranças de partes interessadas no processo para que o governo federal tenha uma posição no tema. Em parte, porque um eventual leilão em duas fases tornaria mais provável a vitória de uma companhia do oriente, talvez da China, algo que poderia ser oportuno para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em momento de crise diplomática com os Estados Unidos.
Para esse grupo, que defende o leilão em duas fases, outro ganho seria derrotar a preferência do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), hoje um provável rival de Lula na eleição presidencial do próximo ano.
Tarcísio apoia o leilão em fase única: após relatório da Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) pelo leilão em duas fases -e a sinalização do Ministério de Portos e Aeroportos de que acataria a recomendação da agência-, o governo de São Paulo enviou ofício contestando a fórmula. A argumentação estadual é favorável à liberdade no leilão para qualquer participante.
As duas etapas tirariam da disputa Maersk, MSC (sócias no terminal BTP), DP World e CMA CGM (que comprou a Santos Brasil no ano passado). Quem mais tem brigado contra isso, até mesmo com pedido de liminar para parar o processo, é a Maersk.
Defensores das restrições a esses armadores lembram que executivos da multinacional trabalharam com o governador Tarcísio de Freitas quando ele era ministro da Infraestrutura no governo de Jair Bolsonaro (2018-2021).
Por outro lado, empresas como a própria Maersk e a MSC temem uma possível participação da JBS Terminais, que tem a concessão do porto de Itajaí, em Santa Catarina. A preocupação seria com uma possível influência política, o que é considerado uma fantasia por demais interessados, inclusive pela própria JBS.
No meio disso tudo, está o ministro Silvio Costa Filho (Republicanos), de Portos e Aeroportos. Ele tem tentado se manter afastado, em público, da polêmica. Mas chamou a atenção que, ao receber o parecer da Antaq pelo leilão em duas fases, o tenha encaminhado no mesmo dia para o TCU. Agora que foi questionado pelo órgão, pediu prazo até o próximo dia 26 para responder.
Costa Filho deve se desvincular do cargo no próximo ano para se candidatar ao Senado. Ele conta com o apoio de Lula, mas é do mesmo partido de Tarcísio. A sigla faz parte da base do governo na Câmara dos Deputados, mas tem postura de oposição no Senado. Um dos cotados para substituí-lo é Anderson Pomini, atual presidente da APS (Autoridade Portuária de Santos).
A discussão sobre o modelo do leilão está no TCU (Tribunal de Contas da União), sob a relatoria do ministro Antonio Anastasia. O órgão vai produzir uma recomendação (vista de forma equivocada por alguns envolvidos como uma “ordem”) sobre qual deveria ser adotado.
TCU PEDIU RELATÓRIOS PARA TODOS OS ENVOLVIDOS
Na teoria, para especialistas da área, Anastasia poderia “matar a bola no peito” (para usar a expressão de um executivo do setor portuário) e produzir sozinho o relatório sobre o leilão.
Em vez disso, ele tem pedido relatórios técnicos para todos os envolvidos. Para alguns, mais de um. O Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) é um exemplo. Em agosto deste ano, o órgão produziu a nota técnica 17/2025 para responder a questões do TCU “no âmbito do processo de desestatização do Terminal de Contêineres Tecon 10”. Antes disso, o presidente do órgão, Gustavo Augusto, esteve em painel de referência organizado pelo próprio tribunal para dar seu parecer sobre o assunto.
Há algumas semanas, Anastasia mandou novo pedido de parecer técnico ao Cade, desta vez à superintendência do conselho, não à presidência.
A depender do lado da disputa, a explicação para os diferentes pedidos varia. Para uma parte, a medida é lógica porque a superintendência seria a área capacitada para produzir um relatório técnico. Para outra, não faz sentido fazer a mesma solicitação ao Cade mais de uma vez.
O excesso de zelo do ministro, segundo essas pessoas, estaria de acordo com sua origem mineira.
Consultado, o TCU diz seguir as orientações do Ministério Público. O Cade não respondeu.
Anastasia já recebeu pareceres da área técnica do próprio TCU, do Ministério da Fazenda e da Antaq. Empresas interessadas no leilão, como a filipina ICTSI, defensora de dividir o leilão em fases, também encomendaram análises jurídicas para serem anexados ao processo e tentar influenciar a decisão.
Ministério da Fazenda e área técnica do TCU elaboraram relatórios citando que o leilão pode acontecer sem restrições, desde que sejam adotadas medidas para evitar concentração de mercado, a maior preocupação citada pela Antaq. No questionário, o Cade aborda esses remédios concorrenciais.
A Maersk defende que a questão concorrencial pode ser adotada depois pelo Cade e estaria disposta a se desfazer de sua parte na BTP, caso vença a disputa pelo Tecon 10.
Opositores, como a ITCSI, consideram que isso pode ser postergado na Justiça por muito tempo, criando a concentração de mercado que se deseja evitar. E que o Cade teria a atribuição legal de analisar a questão antes, não depois do fato.
O maior temor desses órgãos é uma possível judicialização do processo, o que levaria a um adiamento. Em entrevista nesta quinta-feira (18), Anderson Pomini disse que o leilão será em dezembro.
TERMINAL DEVE SER O MAIOR DO TIPO NO PAÍS
O Tecon 10 será instalado em uma área no bairro do Saboó, em Santos, de 622 mil metros quadrados. O projeto é que seja multipropósito, movimentando contêineres e carga solta. O vencedor do leilão será definido pelo modelo da maior outorga: ganha quem oferecer mais dinheiro pelo direito de construí-lo e operá-lo.
A capacidade vai chegar a 3,5 milhões de TEUs por ano (cada TEU representa um contêiner de 20 pés, ou cerca de 6 metros). Será o maior terminal do tipo no país.
Serão quatro berços (local de atracação do navio para embarque e desembarque). A previsão de investimento nos 25 anos de concessão pode chegar a R$ 40 bilhões.
A avaliação é que não haverá, pelo menos em Santos -o maior porto brasileiro-, outra concessão de tal envergadura, principalmente pela falta de espaço na região.
Empresas estrangeiras que planejam apresentar lance pelo Tecon 10 veem isso como uma cortina de fumaça. Serviria para criar um fantasma que só favoreceria as atuais incumbentes no porto que desejem participar do leilão. A visão é que a vitória da JBS seria improvável, mas citar constantemente o seu nome teria servido para plantar dúvida em alguns integrantes do governo federal.
A não ser que detecte alguma ilegalidade, Anastasia vai produzir relatório com recomendação de modelo de leilão à Antaq e ao governo federal. Não será uma determinação. A decisão final caberia aos órgãos. Mas mesmo ministros do Tribunal, como Benjamin Zymler, disseram à reportagem que o cenário normal é a visão do TCU seja acatada.
Há possibilidade, segundo pessoas ouvidas pela reportagem, que o ministro do Tribunal não diga que uma alternativa é certa e a outra errada. Pode ser que recomende uma delas, mas ressalte que se a escolha for por outro tipo de edital, não haveria problema.