[AGÊNCIA DC NEWS]. A data de 14 de julho faz referência à queda da Bastilha, na França. Mas tem um viés ítalo-brasileiro: a inauguração da Padaria 14 de Julho, na rua de mesmo nome, em São Paulo. Basta trocar dois algarismos: 1789 remete à revolução francesa e 1879, à abertura do estabelecimento por Rafaelli Franciulli, oriundo de Santa Maria di Castellabate, a 120 quilômetros de Nápoles, sul da Itália. Ele era “da segunda remessa” de italianos no Brasil, como diz o neto Alexandre. O negócio surgiu apenas seis dias antes da criação da Academia Brasileira de Letras (ABL). Traz no DNA resiliência e busca de novos conhecimentos. O precursor era mecânico e chegou ao Brasil pensando em abrir uma oficina, mas os pães de Rafaelli ganharam fama e fregueses. Também não havia tantos carros circulando. O jeito foi abrir uma padaria. A 14 de Julho está na terceira geração dos Franciulli, agora com o chef Alexandre – aliás, Master Chef, título concedido em 2013 pela Federazione Italiana Cuochi. E a geração seguinte já chegou, literalmente, à cozinha. A padaria se desdobrou em cantina (com o mesmo nome), em 2003, porque a demanda crescia. Foi uma precursora do rodízio de massas. Uma ao lado da outra, padaria e cantina continuam no endereço de 1879, onde as carroças ficavam estacionadas à espera dos pães para entregar. A meio quarteirão de outro local histórico da Bela Vista, o Bixiga: a Casa de Dona Yayá (Sebastiana de Mello Freire), patrimônio cultural do município e do estado. Em outros tempos, artistas do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), fundado em 1948, andavam 350 metros, da rua Major Diogo até a 14 de Julho, para comer e beliscar na padaria.
Diante do estabelecimento, uma tradição: jogar farinha na calçada. Era uma espécie de aviso a quem passava, que ali se vendia pão. Wilson Franciulli, filho de Rafaelli, pai de Alexandre, mantinha esse hábito. Aí entram as contingências e as reviravoltas da vida: Wilson sofreu acidente em um cilindro e, algum tempo depois, perdeu o braço direito. O desgosto fez com que a padaria fosse vendida, passasse por outras mãos, até ficar sob o comando de Alexandre Franciulli, em 1994. Menino nascido na Barra Funda, outro bairro de influência italiana, que morava em frente à sede da escola de samba Camisa Verde e Branco, que apesar do nome não foi criada por palmeirenses. Mas caiu bem para os Franciulli, todos torcedores do alviverde. Não eram só italianos: Alexandre e seus irmãos – eram seis no total – ajudavam a avó materna, espanhola, que mantinha uma pensão na rua Conselheiro Brotero, bairro de Santa Cecília. A Cantina 14 de Julho tem as bandeiras da Itália e da Espanha, homenagem aos antepassados. Flâmulas de várias equipes do calcio, o futebol italiano. E preserva um pé de carambola de quase 60 anos, que ainda dá frutos. São 30 funcionários, entre padaria e cantina. A conta inclui os filhos de Alexandre, o chef Lucca e o funcionário administrativo Fernando, além de Flávia, sua mulher. A tradição familiar está garantida: os rapazes não podem nem ouvir falar em passar o negócio adiante.
Assim como o avô, Alexandre tem outra profissão. Formou-se em Direito, no início dos anos 1990, e mantém escritório de advocacia com um primo. Mas não aconteceu uma mudança como a de Rafaelli, que passou de mecânico a dono de padaria. No caso de Alexandre, ele frequenta a cozinha desde criança – aprendeu os segredos com o pai e com a avó. Fazer um curso universitário foi conselho do tio Domingos Franciulli Neto, que foi ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e desembargador do Tribuna de Justiça de São Paulo, além de professor. Ele morreu em 2005, aos 70 anos. Hoje, dá nome a um viaduto na Vila Maria, Zona Norte da capital paulista. “Sempre gostei de estudar. Eu gosto de aprender.”

O mesmo ano de 2005 mudou a vida dos Franciulli, no sentido pessoal e profissional. Em fevereiro, um dos irmãos de Alexandre, Wilson (mesmo nome paterno), 41 anos, foi morto quando fechava a padaria Italianinha, também no Bixiga. Naquele momento, a família tinha 12 unidades espalhadas pela cidade e atendia de 4 mil a 5 mil pessoas por dia. A escolha foi diminuir. O jogo mudou, como comenta Alexandre, 54. Só ficaram duas das 12: a 14 de Julho e a própria Italianinha, que hoje é administrada por Sandra, sua irmã. As demais foram vendidas. Por que a 14 de Julho? A resposta é simples: “Era o local onde eu ficava diariamente”. Onde está sua vida e a da família. E onde ele gosta de ficar. “Sempre gostei de atender o público. Desde maloqueiro até desembargador.”
A escolha por “diminuir”, conforme explica Alexandre, foi também para priorizar um atendimento mais próximo do cliente e o varejo. A 14 de Julho produz perto de 1,8 mil pães por dia, mas chegou a 12 mil, quando fornecia para várias redes. E quem vai comer na cantina vê o próprio chef e proprietário circular pelas mesas para conversar. Ele conta que 90% dos clientes não são do bairro. Queixa-se da falta de mão de obra. “Ninguém quer trabalhar. E não é salário.” (Seu pai, Wilson, dizia: Um país que não produz não vai pra frente. Ou: Nunca dependa do governo.) E considera a comida algo sagrado. “As pessoas jogam muita coisa fora. Uma hora o mundo cobra.” E a receita do pão italiano? A fermentação mudou, conta Alexandre. “Lembro como se fosse hoje. Ficava [a massa] num caixote. Depois tinha que refrescar. Ficava um gostinho de azedo. E era duro mesmo.” Talvez não fosse aprovado pelos paladares de hoje. “Gosto de fazer o pão e assar no mesmo dia. Não gosto de pôr em câmara fria”, disse Alexandre, com orgulho do caminho que percorreu, derrubando Bastilhas diárias. “Faço parte da história desta cidade.” E essa história fez com que a 14 de Julho tenha sido um dos dez primeiros contemplados com o prêmio Comércio Histórico – Estabelecimentos Tradicionais de São Paulo, criado pela Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e sua agência de notícias, a DC NEWS.
Sempre gostei de atender o público. Desde maloqueiro até desembargador

E aí vem à tona o que talvez seja o principal ensinamento herdado na família. “O conselho do meu pai era acordar todo dia e ir trabalhar.” Alexandre faz sua oração. E espalha farinha na calçada.
14 de julho
R. Quatorze de Julho, 90
Segunda-feira das 12:30 às 20:00, de terça a quarta-feira das 07:00 às 20:30, na quinta-feira das 07:00 às 20:30, na sexta-feira das 07:00 às 22:00, aos sábados das 07:00 às 22:00 e aos domingos das 07:00 às 18:00
(11) 3105-3215
14dejulho.com.br
Instagram: @franciulli14

Rafaelli Franciulli perdeu o braço após acidente com o filho Wilson Franciulli na padaria

A 14 de Julho continua no mesmo lugar em que foi fundada em 1897

O site da 14 de Julho apresenta receitas da família de pratos tradicionais, como o porpetone de pão italiano