Toninho Laurenti, na Basilicata há 38 anos: antepassados deixaram como legado "a vontade de vencer na vida" (André Lessa)

Basilicata preserva a receita, mas administra padaria como empresa e pensa em ter CEO

  • Nos primeiros tempos, em 1914, local era mais um armazém de secos&molhados. Hoje, entrega pães a 600 estabelecimentos
  • Casa mudou de endereço, na mesma rua, no tradicional Bixiga, ampliou seu espaço e profissionalizou a gestão
Por Vitor Nuzzi 20 de Março, 2025 - 19:27
Atualizada às 23 de Março, 2025 - 10:29

[AGÊNCIA DC NEWS]. Em 2017, a Basilicata mudou de endereço. Para a mesma calçada, bem ao lado: do 614 para o 596 da 13 de Maio, a rua das cantinas da Bela Vista, o Bixiga, e também da Paróquia Nossa Senhora Achiropita. Entre a cantina Roperto e o café Sabelucha, outros endereços clássicos do bairro. O bairro dos italianos, mas também dos espanhóis, portugueses, dos negros, desde os tempos do córrego Saracura. Não foi só uma mudança de número e prateleiras: a padaria multiplicou por oito seu espaço – de 30 para 250 metros quadrados –, ampliou a oferta de produtos, organizou o fluxo e, especialmente, criou seu próprio restaurante, no piso superior. Mudança física e de gestão. Um primeiro passo para um novo patamar da Basilicata, criada em 1914 por Filippo Ponzio, pequeno agricultor vindo do sul da Itália que cedo aprendeu os segredos do pão. Ele aplicaria esse conhecimento a partir de abril daquele ano, assando pães em um forno de oito metros de diâmetro – que continua lá. A história prosseguiu e chegou à quarta geração. A família preserva o forno e a receita, mas implementou uma gestão profissional e passou a ver a padaria como empresa. “Não é um pequeno negócio”, afirmou Antonio Laurenti Neto, um dos atuais administradores.

Toninho, como é chamado por todos, entrou na empresa da família em 1987, aos 23 anos. O ano do Plano Cruzado e da instalação da Assembleia Nacional Constituinte. Ele quis fazer Medicina, cursou Administração de Empresas e acrescentou a persistência ao método de trabalho. Foi assim que a Basilicata passou a fornecer pães a 600 estabelecimentos em todas as regiões da cidade, com 12 carros próprios circulando nas ruas, além de terceirizados. Isso exigiu um bater de porta em porta. Literalmente. Toninho pesquisava os locais (restaurantes, supermercados) e ia até lá oferecer seu produto. “Fomos captando clientes.” E isso, certamente, incluía muitos “nãos”. Ele confirma com uma exclamação: “Pra caramba!”. Para completar: “Mas aí é que começa a negociação”. Foi o que aconteceu com um possível futuro cliente, que recebia, toda sexta, dois pães da Basilicata. “A gente sabia que ele gostava de pão da segunda fornada.” Era um pãozinho mais seco, mais tostado, explica. O “ele” era Sérgio, da Cantina do Piero, irmão do fundador, Luigi, que dá nome ao local – demorou um ano, mas o restaurante e a padaria tornaram-se parceiros.

A longevidade e a obstinação fizeram com que a Basilicata tenha sido um dos dez primeiros contemplados com o prêmio Comércio Histórico – Estabelecimentos Tradicionais de São Paulo, criado pela Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e sua agência de notícias, a DC NEWS.

A Basilicata foi da carroça para a frota própria e de um balcão de secos&molhados para uma padaria ampliada. Panetteria, Mercato & Cucina, como se apresenta. Hoje, são 105 funcionários. Vinte são padeiros, divididos em três turnos: das 15h às 23h30, das 23h às 7h e das 7h às 15h. Sim, a produção é contínua. São 6 mil pães que saem de lá diariamente. Muito mais do que imaginaria seu Filippo, que morreu em 1977, aos 91 anos. Ou mesmo Domingos (Domenico) Laurenti, que assumiu em 1926 e foi seguido, já na terceira geração, por Salvatore, Francesco e Orlando, da família Laurenti-Lorenti (há duas grafias). Até chegar na atual, com Angelo, Nicola, Toninho e Vittorio. E já existe uma quinta geração a caminho: o chef Rafael, filho de Angelo, criou o cardápio do restaurante após voltar da Itália.

O momento é de profissionalização. Com, por exemplo, cursos via Fundação Dom Cabral, que oferece inclusive oferece formação na área de Family Business. Os primos discutem, também, mudanças na formato jurídico da empresa, uma sociedade limitada – a divisão acionária atual é 43%, 43% e 14%. Criar a figura do CEO é uma possibilidade. Mas há também o dia a dia, que exige soluções. Poucos meses atrás, a Basilicata substituiu a lenha pelo forno a gás. Por uma questão de sustentabilidade, frisa Toninho, que ganhou um espaço extra (o depósito de lenha).

Todo mundo se conhece, um ajuda o outro

Antonio Laurenti Neto

Esse é também, por assim dizer, o lado racional dos empresários de origem italiana, ao planejar cada passo. Mas se o assunto resvalar para o futebol, Toninho Laurenti, com seus quase 61 anos, arregala os olhos e toma como absurda a pergunta se alguém da família não é palmeirense. E vem à tona uma história de 1975, quando um grupo de palestrinos viajou até a Espanha para ver o time disputar o Troféu Ramón de Carranza, naquele ano em sua 21ª edição. Não havia comida a bordo. Frequentador da Basilicata, Francisco Gervásio pegou as três roscas que levava na bagagem e distribuiu pelo avião. Até o comandante pediu um pedaço. Certamente valeu o aperto no estômago, porque em Cádis o time alviverde levou a taça, superando o Real Madrid. “Somos todos palmeirenses, graças a Deus”, afirmou Toninho, para não deixar dúvidas. Figuras como os ex-jogadores Emerson Leão (goleiro do time em 1975) e César Sampaio estão entre os frequentadores, além do ex-presidente do clube Paulo Nobre. O empresário Leonardo Senna também costuma aparecer por lá. Em uma das paredes há um quadro autografado pelo piloto Ayrton Senna, irmão de Leonardo. Por último, ma non meno importante, em 1914 não apenas saiu o primeiro pão da Basilicata, mas foi o ano de fundação do Palestra Itália, atual Palmeiras. A padaria é de abril e o time, de agosto.

Outra coisa fora de questão é sair do Bixiga. Toninho, que nasceu no antigo Hospital Matarazzo e passou a infância na rua Itapeva, até se surpreende com a ideia. “Todo mundo se conhece, um ajuda o outro.” É um bairro de mistura de povos e sons. Se os ritmos italianos seguem soando nas barulhentas cantinas, ali perto o samba toma conta da quadra da Vai-Vai, escola com maior número de títulos no principal grupo do Carnaval paulistano. O cantor Thobias da Vai-Vai, ex-presidente da agremiação, é outra presença comum na padaria. O Bixiga e a Basilicata também preservam tradições, como na receita. “Mesma gramagem [de farinha], mesmos quilos de fermento natural, água e tempo”, disse Toninho. Em meio a tantas transformações em um mercado competitivo, isso não muda. E o que ficou de seu Filippo?

“A vontade de vencer na vida. E de fazer as coisas bem feitas.”

Antes de ir embora, olhe para cima. Pás usadas para levar a massa ao forno forram o teto. Mais que um ornamento, a memória palpável do trabalho, de ontem e hoje.

Basilicata

R. Treze de Maio, 596
Segunda das 08:00 às 20:00, de terça a sábado das 08:00 às 22:30 e aos domingos das 08:00 às 17:00
(11) 3289-3111
basilicata.com.br
Instagram: @basilicata_oficial