[AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DC NEWS]
Segunda-feira, 14h05. O Trio Elegante – Cacau Galvão (voz), Danilo Oliveira (violão) e Renato Soares (baixo acústico) – se posiciona, liga o som e começa a apresentação em meio ao burburinho da hora paulistana de almoço. O cenário é um palco que acaba de ser montado no salão do Bar Guanabara, o mais antigo da cidade. São 115 anos, 57 anos na avenida São João. A pernambucana Cacau abre um repertório só de clássicos da música brasileira: Adoniran Barbosa, Dorival Caymmi, Ivan Lins, João Bosco, Alcione, Elis Regina, Maria Rita, Benito Di Paula. Desde novembro, o Guanabara, 115 anos, passou a oferecer música ao vivo. A curadoria está sob responsabilidade do músico, produtor e pesquisador Guga Stroeter, que integrou a banda Nouvelle Cuisine e a Orquestra Heartbreakers, conhecidas na cena paulistana dos anos 1980 e 1990. Ele divide a tarefa com a atriz, cantora e produtora Priscila Dias. Para Guga, a música – no caso do Guanabara – “deve respirar junto com a casa, com a arquitetura, a comida e as pessoas”.
Segundo ele, a ideia vem de Edson Pinto, que assumiu o Guanabara após a morte de Nelson de Abreu Pinto, em junho. Eles já foram sócios no mercado entretenimento. “Era um bar de notívagos, mas com a decadência do Centro passaram a servir só almoço”, disse Guga. Agora, se vislumbra “certo renascimento” da região. “A ideia é que volte a ser um lugar que tenha ao mesmo tempo gastronomia e cultura.” E sem abrir mão das características do bar, que está na São João desde 1968, no lugar onde funcionava outro estabelecimento icônico, o Pinguim. “O Guanabara faz parte de uma das poucas coisas que restam do que a gente pode chamar de São Paulo antiga.” Não significa que a música será necessariamente “antiga”, diz o curador. “Mas ela tem um aspecto tradicional, digamos.”
Assim, no salão central – no lado oposto ao do painel que ocupa uma parede e mistura imagens de São Paulo e do Rio de Janeiro e em meio a telas da pintora Nilda Luz –, fica o palco onde se apresenta o Trio Elegante, em horário de almoço e na happy hour. Nestas primeiras semanas também se apresentaram os músicos Luiz Maranhão, Lucas França, Criss Cris Oliveira e Cacá Lima, um especialista em Clube da Esquina. “A gente está privilegiando, num primeiro momento, o samba, a Bossa Nova e a MPB”, afirmou Guga. “Para dar as boas-vindas a quem está visitando São Paulo também.” Com a instalação do palco definitivo, surge o que ele chama de novo desafio: “Podemos fazer uma plataforma para novos artistas da MPB.”
A programação pode remeter a uma “experiência nostálgica”, imagina Guga. Talvez rodas de choro. Ou tango, bolero, jazz tradicional, “vertentes acústicas com um pé na modernidade mas respeitam muito a tradição e a questão artesanal”. Ele também pensa, adiante, em programações mais noturnas. “Antes, a ideia é fazer experiência de happy hour.” Além de um “corpo a corpo” com a plateia” e alguns “craques de voz e violão”.
Um deles é Cacá Lima, que toca na noite há 40 anos. “É uma tentativa de voltar a ser [o Centro] um lugar habitado por pessoas que gostam de gastronomia, lazer, música”, afirmou. Durante anos, a região tornou-se “um lugar inabitável”, mas aos poucos está voltando a ser uma área de lazer. Na cena musical, ele cita locais como a Casa de Francisca e, mais recentemente, a Formosa Hi-Fi, aberta em julho pelo empresário Facundo Guerra, em uma galeria sob o Viaduto do Chá. “É um lugar [Guanabara] bem à moda antiga. Tem um potencial imenso. Tomara que cresça.” Sua primeira experiência no Guanabara foi animadora: “Tinha pessoas que estavam passando, ouviram e entraram”. Cacá também aponta melhorias na questão da segurança, lembrando de um episódio com o Língua de Trapo, do qual é integrante – formado no início dos anos 1980, é um dos mais longevos grupos brasileiros. “Em 2013, com o Língua, tive que pedir [a policiais] escolta para chegar ao palco.”
Ex-estudante da Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco – frequentou o curso até o segundo ano –, Guga Stroeter andou bastante pelo Centro. “E era habitué de outros lugares com a família, como o Ponto Chic, o Morais (o atual Rei do Filet) e a Galeria do Rock.” Tempos atrás, lembra, ele chegou a organizar uma campanha para eleger São Paulo como capital mundial da música. “Alguns acharam superlativo, mas eu não acho”, disse. “São Paulo a gente conhece pelos bancos, pelas avenidas, pelos prédios – no aspecto mais duro, até pelo trânsito”, afirmou. “Mas não existe lugar com maior diversidade musical. Inclusive se a gente contar Londres e Nova York. Falta fixar essa imagem.” Guga enumera: rock, punk rock, bebop, jazz, banda de pífanos na Zona Leste, música do Maranhão no Morro do Querosene (Zona Sul), forrós, capoeiras, grupos folclóricos, samba, choro. E o Guanabara.