(Andre Lessa)

Bar Guanabara: 115 anos de história e um futuro em construção

  • Com o mesmo dono (que todos chamam de Dr. Nelson) desde 1968, o atual administrador, Fabio Candido de Almeida, é visto como sucessor natural
  • Mesmo com mudanças e desafios, o Guanabara mantém sua tradição, receitas icônicas e atendimento clássico, para conquistar novas gerações de clientes
Por Letícia Franco 20 de Março, 2025 - 18:23
Atualizada às 20 de Março, 2025 - 19:16

[AGÊNCIA DC NEWS]. Com 115 anos de história, o Guanabara, o mais antigo bar de São Paulo, já está com seu futuro em construção. À frente da administração da casa há 20 anos, Fabio Candido de Almeida, 48, começou a trabalhar com o empresário Nelson de Abreu Pinto, proprietário do bar, desde os 13. A relação entre os dois vai além do trabalho – é uma história de confiança e legado. O bar passava por dificuldades administrativas, financeiras e até no relacionamento com os clientes quando Dr. Nelson, como é conhecido, chamou Fabio, que não tinha experiência no setor, para assumir a gestão. Durante esses anos, Fabio padronizou processos, liderou a reforma da casa e foi atrás de estratégias de marketing. Agora, com Nelson aos 93 anos e saúde comprometida, e seus quatro filhos focados em outras áreas de sua empresa, a NAP Empreendimentos, a sucessão parece levar a Fabio. Tornar-se sócio é o primeiro passo. “Já há conversas nesse sentido. Na prática, não muda nada”, disse. O respeito ao legado de Nelson mantém a transição em ritmo natural, sem pressa, mas com destino certo.

Para chegar até aqui, é preciso entender o passado. Fundado em 1910 por Ângelo Martinez, o bar teve seu primeiro endereço na rua Boa Vista, onde ficou até 1968, quando o imóvel foi desapropriado para a construção da estação São Bento do metrô. No mesmo ano, o estabelecimento, que já tinha sido vendido para a extinta Companhia Antarctica Paulista (atual Ambev), foi comprado por Nelson. Desde então, ocupa uma esquina do Vale do Anhangabaú, na avenida São João. Sob novo comando, o bar atravessou por transformações, que acompanharam as mudanças no Centro. No início, o local funcionava a todo vapor durante à noite, em uma São Paulo mais boêmia e com menos preocupação com a segurança. Hoje, o funcionamento é das 9h às 17h. Também foram criados pratos clássicos, como a parmegiana de filé-mignon com borda de purê (R$ 135) e o lanche batizado de Psicodélico – rosbife, queijo roquefort, salsa e tomate (R$ 36).

Nos anos 2000, enfrentando crises financeiras e ao mesmo tempo as mudanças no Centro da cidade, Fabio foi chamado para reerguer a casa. Não aceitou de imediato. “Eu trabalhava no setor administrativo dos negócios do Dr. Nelson, não sabia como cuidar de um restaurante. Mas ele insistiu muito, estava triste com o rumo do bar, e confiou que eu mudaria aquele cenário”, disse. As primeiras mudanças foram básicas, segundo ele: implementar regras dentro da cozinha, definir a quantidade de ingredientes em cada prato e aperfeiçoar o atendimento aos clientes. Foi um ano de reconstrução e desafios, entre eles o relacionamento entre ele e os funcionários de longa data da casa. “Existia uma desconfiança natural da parte deles que estavam ali há muito tempo, mas nos adaptamos e hoje somos muitos amigos, uma família.” Uma das principais transformações aconteceu em 2014, quando o Guanabara passou por reforma antes da Copa do Mundo disputada no Brasil. Com as novas instalações e decoração mais moderna, a casa hoje comporta 350 pessoas sentadas.

TRADIÇÃO – A tradição e resistência dos colaboradores são parte importante da história do Guanabara. Muitos deles estão ali há 30, 40 anos e viram de tudo, todas as transformações no Centro e as diversas gestões. O jeito de servir não mudou em mais de um século: os garçons cortam os pratos na frente do cliente, os clássicos vêm à mesa do mesmo jeito há décadas e a fartura ainda é regra. Serviço à moda antiga. A parmegiana com borda de purê, a coxa creme e o Psicodélico continuam entre os carros-chefe. “Dá muito trabalho, mas não é uma hipótese abrir mão desse tipo de atendimento”, afirmou Fabio.

Entre os 27 funcionários do Guanabara, um deles chama a atenção – e não é de hoje: Edivalson Ferreira da Silva, ou melhor, o Vavá do Bixiga. Seu apelido veio do bairro onde cresceu em Uauá (BA), mas sua identidade está ligada ao Guanabara tanto quanto a madeira escura das paredes ou o piano de cauda no meio do salão. Vavá, 71 anos, é o carisma por trás do estabelecimento há mais de 40 anos. Ele iniciou sua trajetória lá em 1984, depois de 16 anos na cantina La Tavola. O restaurante, na rua 13 de Maio, na Bela Vista (Bixiga), pertencia aos mesmos donos do Guanabara, que na época ficava na Boa Vista. Ele começou como faxineiro, foi lavador de pratos, copeiro, garçom, caixa e gerente, até assumir a posição que mantém até hoje: abrir a casa diariamente às 5h30, receber mercadorias, supervisionar tudo e atender no caixa. A jornada vai até as 14h30. 

Foi preciso se adaptar aos novos tempos e usar a tradição do Guanabara para mantê-lo vivo e relevante

Fabio Candido de Almeida

Vavá do Bixiga, que poderia ser Vavá do Guanabara, conhece o local como ninguém. E carrega histórias que ajudaram a moldar o bar ao longo de mais de um século. “Cresci aqui ouvindo que Santos Dumont já rabiscou projetos de avião em um guardanapo do Guanabara durante um jantar”, disse. Com sua veia artística e comunicadora – Vavá também é ator, cordelista, comunicador e jornalista –, ele lembra que o radialista Zé Bettio serviu chope ali antes de se tornar famoso. Ele também conta que foram os próprios clientes que ajudaram a criar pratos clássicos, como o Filet à Dr. Mimi (R$ 104), empanado com arroz à grega e molho branco gratinado. O nome veio de um advogado que sempre pedia esse prato e brincava que a carne deveria ser de “mimi”, um gato. “Acredito que são histórias e a nossa relação com a clientela que fazem do Guanabara um pedaço da história da cidade” afirmou. 

FUTURO – Quando completou 110 anos, em 2020, a história do Guanabara quase chegou ao fim com a pandemia de covid. Durante esse período, o negócio fechou as portas por dois anos, pois trabalha apenas com atendimento no local. Nesse período, Nelson manteve as despesas e todo os funcionários, pagando seus salários e garantindo que ninguém ficasse desamparado. “Sempre existiu um laço familiar e de companheirismo por parte dele”, disse Fabio. 

“Vale a pena voltar?” Essa era a pergunta que Fabio se fez durante esses meses. A volta era incerta, mas a pressão dos clientes e a vontade de Fabio de reerguer o Guanabara garantiram sua reabertura. Ao longo dos anos, a clientela mudou. Se antes eram empresários, políticos e frequentadores dos antigos cinemas da avenida São João, e durante a reabertura, em 2022, Fabio visualizou o novo público: turistas, jovens e novos paulistanos redescobrindo o charme do Centro. Com isso, o Guanabara consolidou-se como “o bar mais antigo de São Paulo” nas redes sociais para atrair o novo perfil de clientes. Segundo o administrador, as redes sociais ajudaram a trazer esse público. “Foi preciso se adaptar aos novos tempos e usar essa tradição para manter o Guanabara vivo e relevante.” 

No entanto, manter um bar centenário não é tarefa fácil. Fabio sabe que sua missão vai além da administração. Ele carrega a responsabilidade de manter viva a essência do bar mais antigo de São Paulo. Mais do que um bar. É uma casa que viu São Paulo crescer e mudar, mas que permanece como um ponto de resistência. Entre uma garfada de parmegiana e um gole de chope, quem senta ali para almoçar faz parte dessa história. E, ao que tudo indica, essa história ainda tem muitos capítulos pela frente.

Bar Guanabara


Av. São João, 128
de segunda a sábado, das 09:00 às 17:00
(11) 3228-7400
Instagram : @barguanabara1910