[AGÊNCIA DC NEWS]. Alguns lugares resumem a memória histórica de uma cidade, uma região, de um país. Ali é possível sentir a passagem do tempo e as trajetórias de seus personagens. Seja onde for, o Centro é a identidade e o ponto de partida para quem quer mergulhar na história, na ponte do passado para o presente e o futuro. Assim se conhecem as civilizações. Como em São Paulo e seus 471 anos, a cidade de José de Anchieta, Manoel da Nóbrega, da pequena missão jesuíta erguida em 25 de janeiro de 1554, e dos Tibiriçás. Uma viagem para se conhecer as transformações urbanísticas, arquitetônicas e culturais que moldaram a maior cidade do Brasil, hoje com 11,9 milhões de habitantes (estimativa do IBGE para 2024). Para tornar essa experiência mais rica, organizamos um roteiro de alguns dos principais prédios históricos – em ordem cronológica – para que o visitante conheça cada trecho da história, assim como sua própria linha do tempo.
O nome da cidade foi escolhido porque o dia da fundação (25 de janeiro) é o mesmo que a Igreja Católica celebra a conversão do apóstolo Paulo de Tarso ao catolicismo. O padre Anchieta escreveu uma carta à Companhia de Jesus dizendo: “A 25 de Janeiro do Ano do Senhor de 1554 celebramos aqui a primeira missa, no dia da conversão do Apóstolo São Paulo, e por isso, à ele dedicamos nossa casa!”. Hoje, quem passa pela área conhecida como Pátio do Colégio, encontra uma placa que cita alguns de seus fundadores: Aqui/ Sob a cruz de Cristo/ Nasceu esta cidade/ Dedicada ao apóstolo Paulo/ Pelos jesuítas/ Padre Manoel da Nóbrega/ E o irmão José de Anchieta/ Entre outros/ 25 de Janeiro/A. D. 1554. (A.D.: Anno Domini, ou Ano do Senhor.) Ali perto, na área do atual largo São Bento, ficava a aldeia do cacique Tibiriçá.
“Ao conhecer São Paulo, nos conectamos com o passado. E uma pessoa que não conhece suas origens, tende a não compreender o presente, tampouco se preparar para o futuro”, afirmou Viviane Laje, historiadora e doutoranda pela USP em História de São Paulo. Segundo a especialista, a prefeitura ainda falha em levar a história da cidade para todos seus munícipes, que muitas vezes transitam diariamente pelas ruas do Centro e não fazem ideia de quanta representatividade, resistência, suor e sangue foram usados no processo de construção do local. “Sou uma entusiasta da história. Sempre que posso, multiplico o conhecimento”, afirmou. Acompanhe a seguir o roteiro de alguns dos locais mais famosos ou representativos, do ponto de vista histórico, dos séculos 15 a 20, e embarque na viagem pelas memórias da vila que virou metrópole.

Pátio do Colégio (1554)
O tour começa pelo Pátio do Colégio, o ponto de partida de São Paulo, ou Pateo do Collegio, “obra apostólica da Companhia de Jesus”. Foi neste local que, em 25 de janeiro de 1554, diante de uma casa simples, feita de barro e pau-a-pique, coberta de barro, que o padre jesuíta Manuel de Paiva celebrou uma missa que marcou a fundação da cidade de São Paulo. Nesse período, o espaço sagrado era também quarto, sala, cozinha, escola e ponto de encontro dos fieis que circulavam pela região. Tudo começou a mudar em 1556, quando, devido ao crescimento no fluxo de pessoas, foram inauguradas novas edificações para a Igreja e o Colégio dos Jesuítas.
A 25 de Janeiro do Ano do Senhor de 1554 celebramos aqui a primeira missa, no dia da conversão do Apóstolo São Paulo, e por isso, à ele dedicamos nossa casa!

No livro Patteo do Collegio, do jornalista e historiador Hernâni Donato, a nova edificação é descrita com oito cômodos de sobrado, um poço para água potável, além de um pomar. Foi neste período também que a recém nascida São Paulo ganhou seu primeiro espaço dedicado aos estudos. Aliás, vale lembrar que até o século XVIII este era o único local com este propósito bem definido. Foi em 1640 que aconteceu a primeira reviravolta ano local. Quando os jesuítas começaram a se mostrar contrários e combater a escravização de indígenas eles foram expulsos da igreja e do colégio. Voltaram a ocupar o espaço só 13 anos depois, e encontram as edificações danificadas e abandonadas, em alguns pontos, inclusive, impossíveis de reparar.
Em 1667 houve a determinação da coroa de reconstrução e ampliação do espaço, obras que ocorreram entre 1667 e 1671. Em 1745, uma nova reforma foi encomendada, desta vez pelos próprios jesuítas. O plano era incorporar uma grande ala perpendicular à direita no terreno direita. Essa ala teria um segundo andar e uma fachada com 18 vãos divididos entre portas e janelas. Segundo Donato em seu livro, detalha que a obra terminou com 44 novos cômodos no andar superior e 25 no térreo. Foi com essa nova roupagem que, em 1746, Dom Bernardo Rodrigues Nogueira, primeiro bispo da Diocese de São Paulo, instalou o Palácio Episcopal.

(Arquivo Nacional)
Mas a calmaria não durou muito. Em 1759, a Companhia de Jesus foi abolida em Portugal e nas suas colônias, e por isso os jesuítas deixaram o colégio em janeiro de 1760. Foi nesta virada, inclusive, que ficou determinado, em 1765, que o espaço fosse usado como Palácio do Governo e residência oficial dos Capitães-Generais Governadores de São Paulo. Com a proclamação da Independência do Brasil, o edifício continuou abrigando os presidentes da província paulista e várias repartições públicas.
Nos séculos seguintes a transformação mais significativa aconteceu no século XIX, quando foi determinada a demolição do espaço e reconstrução. O argumento é que a edificação continha problemas estruturais e irreversíveis. A nova obra tinha como objetivo espelhar os traços primordiais da construção, e foi finalizada em 1979 por Adolpho Lindenberg. O complexo é formado hoje por uma igreja, uma biblioteca, um museu e um café.

Horário de funcionamento: de terça a sábado, das 9h às 16h45
Endereço: Praça Pátio do Colégio, 2
Mosteiro de São Bento (1598)
Seguindo a trilha do tempo, avançamos três décadas e 600 metros para encontrar o Mosteiro de São Bento, inaugurado em julho de 1598, mas que também passou por várias transformações nestes mais de quatro séculos. O Colégio e a Faculdade de São Bento, por exemplo, foram construídos entre 1910 e 1922, a partir de projeto do arquiteto alemão Richard Berndl
poca. O som dos sinos que ecoam pela cidade é um lembrete constante da serenidade que ali se encontra, contrastando com a agitação da vida urbana.
Mas até chegarmos onde estamos hoje, o espaço atravessou muitas obras e reformas. Atualmente, a edificação é a quarta versão do espaço, na linha do tempo, começamos em 1598, projeto do do Frei Mauro Teixeira. Em 1635 a igreja foi ampliada para ser sede abacial, por Frei Álvaro Carvajal, o primeiro Abade do MSB-SP. Em 1650 a igreja foi ampliada pelo arquiteto e abade-provincial Frei Gregório de Magalhães, quando ganhou as novas imagens de São Bento e Santa Escolástica, que hoje estão no altar-mor atual, ambas feitas por Frei Agostinho de Jesus. Lá pelas bandas de 1762 a igreja foi reconstruída, pelo mestre-pedreiro Bento de Oliveira, com a colaboração do mestre Tebas, Joaquim Pinto de Oliveira, que executou, em 1766, a pedra fundamental da nova igreja, hoje exposta na sacristia.

(Biblioteca Nacional/Acervo)
Nessa nova fase destaca-se a talha capela-mor, que foi executada por José Pereira Mutas. A imagem do Santo Cristo foi esculpida por Mutas em 1777 e hoje está no transepto da basílica. Dois séculos depois, em 1900, houve a restauração da Ordem de São Bento no Brasil, reflexo da nova política da República. Nesse momento, a igreja abacial já se encontrava deteriorada e com muitas marcas de tempo. Foi quando D. Miguel Kruse, então prior-administrador, tentou reformá-la e reabriu-a ao uso em 1902. Apesar do esforço, a edificação ainda apresentava problemas estruturais graves, e seu estado foi considerado irrecuperável.
Diante deste veredicto, D. Miguel encomendou um novo projeto, feito pelo arquiteto alemão Richard Berndl, então professor da Escola Real de Artes Aplicadas de Munique. Entre 1910 e 1914 foi erguido o complexo atual, que inclui do conjunto mosteiro-colégio-basílica. Até o ano de 1922 terminou a pintura interna da Basílica de Nossa Senhora da Assunção, obra do arquiteto beneditino holandês D. Adelbert Gresnigt, assistido pelo também monge beneditino alemão D. Clement Frischauf. Suas inspirações eram os movimentos românticos e pós-impressionistas do fim do século XIX, estrutura que se mantém até hoje.
Horário de funcionamento: de segunda a sexta, às 7h; 13h / Sábado: 5h50 / Domingo: 8h; 10h
Endereço: Largo São Bento, s/nº
Centro Cultural Banco do Brasil (1901)
À medida que avançamos para o século 20, o prédio que hoje abriga o Centro Cultural do Banco do Brasil também tem sua origem solidificada na história de São Paulo. Foi inaugurado em 1901, mas em só em 1923 é comprado pelo Banco do Brasil e passa a ser a primeira agência em um um imóvel próprio da instituição financeira. O espaço foi projetado pelo arquiteto e engenheiro Adolfo Marques da Costa e reformado na década de 1920 pelo arquiteto Hippolyto Gustavo Pujol Júnior, que deixou ainda mais evidente a imponência da edificação logo de cara, com a ampla fachada que mistura os estilos clássico e contemporâneo. Ao atravessar as portas, outra visão impressionante: um piso de mosaico original e um pé direito de cinco andares, culminando num vitral.

(CCBB/Acervo)
Pujol foi um dos pioneiros a usar concreto armado em São Paulo, e o estilo do prédio, segundo ele mesmo, reflete diferentes estilos europeus, já que o arquiteto, antes de assumir o projeto, havia passado alguns anos na Europa. O estilo dele foi logo bem aceito, já que economia cafeeira, elite paulistana da época, queria reproduzir em São Paulo os prédios que via em suas viagens à Europa. Bem estilo da época, ele misturou elementos da arquitetura neoclássica, art nouveau, art déco e eclético. A agência foi oficialmente aberta em 1926, e seguiu assim até 1996, quando foi fechada para reformas e reabriu em 2001 como um centro cultural. Vale a pena conhecer!.
Horário de funcionamento: todos os dias, das 9h às 20h
Endereço: Rua Álvares Penteado, 112
Farol Santander (1947)
Um pouco mais adiante na linha do tempo temos o prédio que hoje abriga o Farol do Santander. Originalmente o espaço foi inaugurado em 1934, e arquitetado pelo arquiteto e engenheiro Francisco de Paula Ramos de Azevedo. Com seus 161 metros de altura, o prédio foi o mais alto da América Latina por muitos anos. A estimativa é que o investimento na construção foi de aproximadamente R$ 2 milhões, na conversão para moeda corrente, um valor considerável para a época.
Para chegar ao marco iluminado de hoje em dia, o caminho foi longo. Sua origem remonta a 1909, quando o espaço começou a ser construído com capital francês e erguido sob a razão social de Banco de Crédito Hipotecário e Agrícola de São Paulo, assim como o Banco do Brasil, o espaço visava atender a elite cafeeira do estado. Em 1919, em razão da primeira guerra mundial, o prédio foi nacionalizado, durante a gestão do governador Altino Arantes, que anos mais tarde se tornaria o nome do edifício.

(Biblioteca Nacional)
Quando assumiu o espaço, uma nova obra começou, e durou oito anos e se aproxima mais da imagem que vemos hoje ao transitar pela João Brícola. Suas obras iniciaram-se em 1939, e o plano era criar uma nova sede para o Banco do Estado de São Paulo. O nome Banco do Estado de São Paulo foi registrado em 22 de setembro de 1927, época em que sua denominação foi alterada. Naquele momento o principal objetivo do banco era o financiamento da produção de café.
A nova versão tinha mais de 30 andares e 161 metros de altura, e foi desenhada por Plínio Botelho do Amaral com a construção da empresa Camargo & Mesquita. Foi só em 1960 que o espaço ganhou a alcunha de Edifício Altino Arantes, que havia sido presidente do Banco Banespa entre os anos de 1926 e 1930. Ao longo dos anos, teve poucas modificações em sua fachada, mas ganhou uma nova iluminação e alguns letreiros de sinalização. Até que em 1990, o edifício, recebeu a ordem de tombamento com o objetivo de preservar a memória cultural e a história do Banespa, evitando futuras reformas que poderiam alterar as características do originais da arquitetura. E nos anos 2000, com a privatização do Banespa, o Santander adquiriu o edifício.
Horário de funcionamento: de terça a domingo, das 9h às 20h
Endereço: Rua João Brícola, 24
Catedral da Sé (1954)
A majestosa Catedral da Sé, com sua imponente arquitetura neogótica, é outro marco que não pode ser esquecido. Sua construção começou em 1913 e foi concluída em 1954, sob a supervisão do arquiteto e engenheiro Dom Duarte Leopoldo e Silva. Com suas torres que se erguem a 92 metros de altura, a catedral é um símbolo da fé e da perseverança do povo paulistano. O valor estimado da obra ultrapassou R$ 10 milhões, refletindo a grandiosidade do projeto e a importância do local como centro espiritual da cidade. A obra precisou ser parada durante as duas guerras mundiais, e muito da obra foi perdida e precisou ser refeita algumas vezes até chegar ao resultado final.
Mas antes de ser parecida com o que conhecemos hoje, a igreja também concentra um lastro mais antigo. O primeiro registro do espaço sendo usado como um ponto sacro é de 1591, quando foi construída a primeira igreja no local. O local foi escolhido pelo cacique Tibiriçá, à época foi erguida em taipa de pilão, uma técnica de compressão de terra em forma de madeira, Dois séculos depois, em 1745, a igreja foi elevada à categoria de Catedral e se tornou um dos pontos religiosos mais prestigiados de São Paulo.

(Alesp)
Por lá há também dezenas de obras de valor inestimável para a comunidade cristã, sendo esculturas, mosaicos e pinturas, algumas décadas do século 15 e vindas da Itália. Por lá também repousam algumas figuras históricas importantes, como o índio Tibiriçá, o cacique Guaianás e o Regente Feijó. Hoje, o espaço é considerado um Patrimônio Histórico do Estado de São Paulo, e a última grande obra ocorreu entre 1999 e 2002, quando foram concluídos os 14 torreões. A restauração incluiu reparos nos vitrais, nos sinos, nas redes hidráulica e elétrica, e na estrutura do prédio .
Horário de funcionamento: de segunda a sábado, às 12h (missa) / Domingo: às 9h, 11h e 16h (missa)
Endereço: Praça da Sé, s/nº

Mosteiro de São Bento durante a primeira metade do século XX

Interior do Mosteiro de São Bento no momento

Como era o prédio do Banco do Brasil na primeira metade do século XX

Interior do Centro Cultural Banco do Brasil anos atrás