[AGÊNCIA DC NEWS]. Há muitas formas de medir, ou sentir, a vida de uma cidade. Por sua economia. Pelas atividades e equipamentos que oferece. Pelo movimento de moradores ou turistas nas ruas. No caso de São Paulo, com seus 12 milhões de habitantes, é tudo isso e um pouco mais. Quando nasceu, em janeiro de 1554, eram apenas 80 pessoas – 60 delas no Centro. Berço da metrópole, o Centro tem hoje aproximadamente 450 mil moradores – cerca de 3,8% da população –, e 600 mil pessoas circulam pela região todos os dias. Mas o poder público, ativistas, estudiosos e pesquisadores em geral ainda se debruçam sobre a melhor forma de trazer gente de volta para o Centro. Não apenas para consumir, mas para efetivamente morar, a única forma de transformar a região. Os movimentos de revitalização têm como objetivo, entre outros, exatamente “repovoar” o Centro. Segundo dados da Secovi-SP, de 104.431 unidades residenciais lançadas no ano passado (crescimento de 43% sobre o ano anterior), 11.579 (11,1%) foram no Centro – 6.496 como parte do programa Minha Casa, Minha Vida e 5.083 nos demais mercados. Isso significa crescimento de 126,6% sobre 2023 (5.155 unidades), bem acima da média geral.
Embora os números sejam positivos, o crescimento imobiliário da região ainda é tímido diante de outras regiões, como a Zona Sul, que liderou os lançamentos: 31.853 unidades residenciais em 2024, 30,5% do total. A insegurança é um dos aspectos que ainda dificultam a reocupação do Centro, mas projetos de retrofit e novas moradias surgem como alternativas para a revitalização. “A requalificação precisa ser pensada de forma ampla, levando em conta fatores econômicos, sociais e ambientais”, afirmou o arquiteto e pesquisador Alexandre Salles. Por trás dos números, o desafio: tornar o avanço um movimento sustentável para que o Centro volte a ser um polo atrativo para morar e trabalhar.
Para a geógrafa e pesquisadora Mariana Queiroz Guimarães, do Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana da USP, o Centro ainda passa por um processo de degradação. Desde os anos 1930, observa, houve expulsão progressiva da população mais pobre para a periferia, além de um movimento de desindustrialização a partir dos anos 1970, que agravou o cenário. “O esvaziamento econômico reduziu os investimentos na região e contribuiu para sua deterioração”, disse.

Segundo ela, esse movimento alterou drasticamente a dinâmica do Centro, que passou a ser visto como um espaço de passagem, sem a ocupação contínua que caracteriza bairros mais estáveis. Mesmo com o recente aumento na demanda por moradias, muitos desafios estruturais ainda impedem que a região volte a ser um polo residencial consolidado, como a segurança. “A falta de infraestrutura e serviços básicos continua sendo um dos principais problemas do Centro”, disse a especialista.
RETROFIT – Diante desse cenário, o retrofit surge como uma alternativa viável para modernizar edificações antigas no Centro, mantendo seu valor histórico e arquitetônico. Exemplos desse tipo de projeto incluem o Empire State Building, em Nova York, que passou por um processo de modernização energética sem perder sua identidade, e a Tate Modern, em Londres, que transformou uma antiga usina em um dos museus mais importantes do mundo. Programas como o Requalifica Centro e a Lei do Triângulo oferecem incentivos fiscais, mas esbarram em burocracias e dificuldades financeiras. “Grande parte dos imóveis tombados está envolvida em processos judiciais ou abandonada, o que dificulta investimentos”, disse a geógrafa Mariana Queiroz.
Com preços de imóveis e aluguel mais baixos em comparação com outras regiões da cidade, especialmente para imóveis de um quarto

O acesso a crédito para habitação popular também pode ser uma barreira para o desenvolvimento do setor. Para Marcelo Falcão, sócio-fundador da incorporadora Somauma, responsável por retrofits no Centro como o Edifício Virginia, projetado pelo arquiteto José Augusto Bellucci em 1951, o mercado ainda não observa o potencial da região comparado às zonas Sul e Oeste, por exemplo. “A necessidade de linhas de financiamento mais acessíveis para obras de retrofit é um ponto recorrente nas discussões sobre requalificação urbana”, disse.
Assim, esses projetos acabam limitados a empreendimentos voltados para camadas de renda mais alta, excluindo parte significativa da população que já vive na região. Falcão afirmou que a empresa busca transformar espaços em locais habitáveis e culturalmente ativos. “Nosso objetivo é adaptar as vocações de cada área, oferecendo soluções urbanísticas que valorizem a região”, disse. Localizado na rua Martins Fontes, o Virgínia, um dos projetos concluídos pela incorporadora, já teve 90% das unidades vendidas, com preço médio de R$ 12.300/m², e Valor Geral de Vendas (VGV) de R$ 115 milhões. A empresa também é responsável pelos edifícios RBS 700, na alameda Ribeiro da Silva, e GAL 703, na rua General Jardim, além do Edifício Tebas, no Largo da Misericórdia, com lançamento previsto para maio.

Outro exemplo é projeto de retrofit Basílio 177 no icônico Edifício 7 de Abril, localizado no Centro Histórico, entre as ruas 7 de Abril e Basílio da Gama, perto da Galeria Metrópole. Com requalificação arquitetônica e urbanística da Metaforma Incorporadora e participação do arquiteto Alexandre Salles, o projeto ocorre no edifício projetado em 1934 pelo escritório Ramos de Azevedo e Severo Villares, e inaugurado em 1939. Já foi sede da Companhia Telefônica Brasileira (CTB), Telesp e das companhias Vivo e Claro. As operações comerciais foram encerradas em 2010. Na 7 de Abril também ficava a sede dos Diários Associados – e ali funcionaram também o Museu de Arte de São Paulo (Masp) e o Museu de Arte Moderna (MAM).
O arquiteto afirma ainda que é essencial que novos empreendimentos contemplem diferentes perfis de moradores, oferecendo diversidade de tipologias habitacionais. “As intervenções precisam ser acompanhadas de melhorias na infraestrutura urbana, incluindo segurança, transporte e iluminação, para garantir que a ocupação da região seja sustentável no longo prazo.” Programas públicos também tentam estimular essa recuperação. O Requalifica Centro, criado pela prefeitura de São Paulo, prevê incentivos fiscais como isenção de IPTU nos três primeiros anos após a obra, redução do ISS para serviços de construção e isenção do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI). “A ideia é estimular o uso desses imóveis, combatendo a ociosidade acentuada nos últimos anos”, disse Mariana Queiroz. No entanto, os desafios permanecem, especialmente a burocracia para aprovar projetos e a dificuldade de acesso a financiamento para moradias populares.
MORADORES – A busca por imóveis no Centro tem crescido, especialmente para unidades menores. Em 2024, o mercado imobiliário da região registrou valorização de 11,3%, segundo o Índice de Aluguel QuintoAndar Imovelweb, superando o crescimento médio da cidade, que foi de 9,7%. Esse crescimento reflete o crescente interesse por um local com acesso a transporte público e serviços essenciais, o que torna uma alternativa atraente para quem busca uma localização central com valores mais acessíveis comparados a outras áreas da cidade. O cenário continua positivo, com valorização de 9,7% nos últimos 12 meses, mesmo patamar de 2023.
O Centro de São Paulo, por sua vez, continua sendo atrativo devido à sua localização e à acessibilidade. Para Pedro Capetti, especialista em dados do Grupo QuintoAndar, isso demonstra a resiliência do mercado, mesmo diante de desafios econômicos. “Com preços de imóveis e aluguel mais baixos em comparação com outras regiões da cidade, especialmente para imóveis de um quarto”, afirmou. Mas quem são os novos moradores da região?
Segundo Capetti, o perfil de morador do Centro de São Paulo é predominantemente jovem. Muitos deles buscam a praticidade de viver em uma região com fácil acesso a transporte público, serviços, comércio e opções de lazer e cultura. Os imóveis de um quarto, que são mais procurados devido à compactação e ao custo acessível, atendem a essa demanda. A região também atrai quem não considera essencial ter carro.
Outra aposta para mudar a “cara” da região é o projeto do Centro Administrativo Campos Elíseos. Parte do governo estadual será transferida para essa área que no início do século passado concentrava famílias da elite paulistana. Pelo menos 22 mil servidores deverão ser deslocados para lá, no entorno da Praça Princesa Isabel. A previsão é de que as obras sejam concluídas até 2029. O Executivo organizou um concurso público, que recebeu 44 inscrições, e o vencedor foi o escritório Ópera Quatro. Em 24 de janeiro, o governo paulista abriu processo de consulta pública, para sugestões da população, até o próximo dia 26. É a partir de mudanças como essa que o Centro cresce e atrai novos moradores, entre desafios e soluções.

Edifício Altino Arantes, um dos icônicos edifícios do centro de São Paulo

Vista do Viaduto do Chá, um espaço recheado de edifícios e imóveis para locar

Presença da Câmara Municipal ajuda na valorização dos imóveis do Centro

Edifícios no centro tem virado escolha para jovens que moram sozinhos

No Centro, opções de imóveis variam entre apartamentos enormes e lofts