A atual dona da Di Cunto, Marina Saporito Lo Schiavo: encontro de famílias há mais de um século (Andre Lessa/Agência DC News)

Di Cunto: encontro de famílias do sul da Itália até a República da Mooca

  • Primeira padaria é de 1896. Mas foi em 1935 que os filhos do signore Donato reergueram o negócio. E a Di Cunto virou sinônimo de panetone e doces
  • Dos Di Cunto, negócio passou para os Schiavo. Todos vieram da mesma região da Itália – os Matarazzo também
Por Vitor Nuzzi 7 de Agosto, 2025 - 17:15
Atualizada às 7 de Agosto, 2025 - 15:34

[AGÊNCIA DC NEWS]. Castellabate é uma cidade com 9 mil habitantes ao sul da Itália, na região da Campânia, que tem Nápoles como capital. Fica em região reconhecida pela Unesco como Patrimônio da Humanidade. Na área de San Marco, quase à beira-mar, perto da antiga capela e do restaurante Donna Elvira, de 1952, fica um largo chamado Donato Di Cunto. É um nome familiar por aqui, especialmente no bairro da Mooca, onde virou sinônimo de pão, panetone, massas e doces. (São 50 quilos de pão por dia, até o triplo nos fins de semana. E 107 funcionários, entre produção e atendimento.) Aos 17 anos, órfão desde os 14, Donato embarcou em Nápoles com destino a Montevidéu. Como não falava niente de português ou espanhol, ele foi orientado a desembarcar no terceiro porto, onde teria parentes esperando. Antes de chegar à capital uruguaia, passaria pelo Rio de Janeiro e por Santos. Mas o navio fez parada forçada em Recife, e o rapaz achou que Santos era a terceira parada. Desceu lá, não encontrou ninguém e mal conseguia se comunicar. Deu um jeito. Aquele jeito que algumas pessoas conseguem dar quando a vida exige. Trabalhou em construção e em carpintaria, até abrir uma padaria, em 1896, já na capital paulista. Mas Donato volta para a Itália e a padaria não existe mais.

Não existe, bello? Tornou-se um marco da República da Mooca, porta de entrada da zona leste da capital paulista. Os irmão Di Cunto – Vicente, Lorenzo, Roberto e Alfredo, filhos de Donato, que morreu em 1932 – reergueram a padaria em 1935. No ano seguinte, criaram um sistema de entrega em domicílio, novidade no comércio. E, conta-se, teriam sido os pioneiros na fabricação do panetone no Brasil, a partir de 1939. Em depoimento dado em 1996 ao Museu da Imigração, Alfredo Di Cunto conta que eles e os irmãos reformaram a padaria e a reabriram em 14 de março de 1935. O entrevistador pergunta: quem tinha experiência com padaria? E ele responde, em exclamação italianada:

– Ninguém! Tudo era carpinteiro.

Um deles, inclusive, trabalhava como carpinteiro para outra família vinda de Castellabate: os Matarazzo. Os demais foram aprendendo a ser padeiros. “Pegamos padeiro duro nos primeiros tempos”, disse Alfredo em seu depoimento ao museu. Que, por sinal, fica na Mooca. Ele e Roberto passaram a entregar pão de carroça, depois com carro e de novo a cavalo de 1942 a 1945, com a falta de gasolina provocada pela Segunda Guerra Mundial.

Mas está na hora de incluir uma terceira família nessa história. Outra família de Castellabate. Os Schiavo. Um salto para 2025. A atual dona da Di Cunto, Marina Saporito Lo Schiavo, conta: Vicente, um dos filhos de Donato, casou com Ermelinda, tia-avó de Marina. E veio para o Brasil com os irmãos, como Alfredo já contou. “Os quatro irmãos eram carpinteiros. As mulheres ficavam em casa. E aquele cheiro de pão começou a sair pela vizinhança.” A certo punto, como diria Francesco Paolo Lo Schiavo, pai de Marina, “o pão começou a dar mais dinheiro que a carpintaria”.

Acho que meu pai queria um desafio. Ele era muito empreendedor

Marina Saporito Lo Schiavo, atual proprietária

Agora, é preciso apresentar a trajetória de seu Paolo, outro filho de Castellabate que veio para o Brasil em 1975, aos 24 anos. Convidado pelo irmão Nicola, largou os estudos de Engenharia e veio para o Brasil. Casou com Marlisa em 1981 e fez carreira na zona cerealista. Abriu empreendimentos como a Metapunto (armazém e depois galpão de importados) e a Central da Luz, que vendia insumos para sorvete. O nome logo mudou para Central do Sabor. Marina explica o porquê: “Todo mundo achava que era distribuição de produtos elétricos”. Com trabalhos paralelos, havia um vínculo familiar e de amizade entre os Di Cunto e os Schiavo. “O bufê [de casamento] de meu pai e minha mãe foi aqui. Meu pai trabalhou aqui, as festinhas eram aqui…” Em 2016, Francesco adquiriu 70% da Di Cunto. “Acho que meu pai queria um desafio. Ele era muito empreendedor”, afirmou Marina. Atualmente, a casa é 100% dos Schiavo. Mas Paolo ficou pouco tempo à frente desse novo empreendimento: morreu em 14 de julho de 2020, aos 69 anos, vítima da Covid-19.

Marina é a filha mais velha de Paolo. A irmã Marcella mora na Itália e o irmão Hugo, em Vinhedo, interior paulista. Dona Marlisa completa 75 anos neste mês de agosto. Bate ponto na Di Cunto duas ou três vezes por semana. “Experimenta de tudo, dá palpite em tudo”, disse Marina, antes de explicar as mudanças mais recentes na casa. “Precisou ter mais agilidade no serviço. A gente melhorou nossa linha de pães artesanais, massas, pizzas. Crescemos na sobremesa.” As encomendas já representam 40% das vendas. “E a tendência é crescer.”

O perfil do público vem mudando, segundo a proprietária. “É muito nítido. A gente tem muita gente jovem, e não só da Mooca. Muito turista.” O salão do restaurante recebe de 200 a 300 pessoas a cada fim de semana. A loja, 3 mil clientes por mês. “Acho que é um mérito do bairro.” Vão atrás das massas de fabricação própria, dos panetones, das tranças. E, particularmente, da Torta Regina, carro-chefe da Di Cunto. “É o produto mais famoso da casa”, disse Marina. E tem assinatura. “Quem desenvolveu [a receita] foi seu Alfredo. Ele teve um insight.” Tem massa e pão de ló, creme de baunilha, chantili, cobertura de caramelo que lembra fios de ovos.

A casa já tem representação por inteligência artificial, exibida no Instagram, com 330 mil seguidores da Industria Alimentare Artigianale: “Se a Di Cunto fosse uma pessoa, ela seria uma senhora elegante”, afirmou. “De fala mansa e olhar acolhedor, que carrega consigo uma memória afetiva forte e uma paixão inabalável pela tradição”. Clássica, sem ser antiquada. Que mistura herança italiana com alma paulistana. A empresa se atualiza. Por esse motivo, a Di Cunto recebe o prêmio 2025 de Comércio Histórico – Estabelecimentos Tradicionais de São Paulo, criado este ano pela Agência de Notícias DC News, que pertence à Associação Comercial de São Paulo (ACSP). “Acho que a gente está aprendendo, navegando nessas mudanças. Se fica parado, é atropelado”, disse Marina. Que também não esquece do passado. Com maquinário antigo guardado, muitas fotos e receitas, planeja abrir um museu. Os Di Cunto e os Schiavo guardaram histórias. Algumas por descobrir. Uma delas ela só soube recentemente: “Meus avós tinham um moinho lá [em Castellabate]. A gente vendia farinha para os Di Cunto. Acho que vendia para toda a cidade”. Ou seja, os laços entre as famílias já existiam muito antes do Brasil.

Di Cunto
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