[AGÊNCIA DC NEWS]. A história d’A Fidalga começa em 1928. Mas a história, mesmo, deu seus primeiros passos – e, neste caso, passo é um sinal importante – em 1890, quando o espanhol (de Salamanca) Augustin Hernandez desembarcou no Brasil, aos 20 anos. O município de São Paulo tinha 65 mil habitantes – 14 mil (22%) eram estrangeiros –, com idade média de 28 anos, segundo o Censo de 1890, o primeiro da República. Augustin era pai de José Fernandez, que em fevereiro de 1928 abriu sua loja de calçados na esquina das ruas Quintino Bocaiúva e Benjamin Constant. Teria se inspirado em estabelecimento de Milão, na Itália. A Fidalga ocupou o térreo do Edifício Casa das Arcadas, erguido na mesma época, com o nome inspirado na vizinha Faculdade de Direito do Largo São Francisco (as “arcadas”). Estudantes e advogados passaram a ser clientes habituais da loja de sapatos. Até hoje, o prédio, em área tombada pelo Patrimônio Municipal (Conpresp), abriga escritórios de advocacia. Sem contar a proximidade da Faculdade de Direito, a 200 metros dali (onde, nos anos 1950, uma Hernandez se formou). Usam-se menos sapatos, é verdade. A moda e o comportamento mudaram. “Eu acho uma pena…”, disse Maria Christina Hernandez Pessoa de Queiroz, filha da José Hernandez e atual proprietária, declarando sua simpatia por uma época em que o modo de se vestir era mais formal. Especialmente no Centro, com suas lojas, sedes de bancos, seus espaços de entretenimento.
N’A Fidalga era assim. Em uma das colunas do estabelecimento, uma fotografia mostra José Hernandez entre funcionários, todos de terno e gravata, além de dois garotos uniformizados. “Tinha meninos que abriam as portas dos carros dos clientes com luvinhas”, afirmou Maria Tereza, filha (e sócia) de Maria Christina. O local já foi citado em conto do escritor Altino Machado e teve jingle veiculado no rádio. Dona Christina costuma dizer: entrar n’A Fidalga é entrar na história. O ambiente é o mesmo da inauguração. Calçados masculinos no mezanino, femininos no subsolo. Uma galeria de vitrines por onde os clientes passam na entrada. Objetos remetem a outras épocas, desde um relógio cuco, ainda soando no salão, e uma caixa registradora com um botão vermelho escrito “fiado”. Apenas o estofado dos bancos e o carpete foram sendo trocados, pelo desgaste. E não há mais meninos com luvas – nem carros parados à porta. Mas continuam vindo clientes de outros tempos. Ou seus filhos e netos. “Ontem mesmo veio uma senhora aqui e ficou emocionada. Ela contou que costumava vir com a mãe”, disse Tereza. Também permaneceram as baias, com os mesmos vidros, para onde eram levadas as freguesas. O local mais discreto visava evitar olhares na direção das pernas das mulheres – lembremos que elas usavam saias – que estavam provando sapatos.
Até hoje, contam Christina e Tereza, os clientes sabem que encontrarão n’A Fidalga os sapatos de cromo alemão, entre outros clássicos. Ao mesmo tempo, foi preciso abrir espaço para tênis e os chamados sapatênis. No estoque, em torno de 7 mil pares de calçados – sapatos, chinelos, botas, sandálias, tênis, pantufas, além de acessórios como bolsas e luvas –, predominam os modelos femininos – aproximadamente dois terços do total. “Nossa ideia é ter produtos atemporais”, disse Tereza, enfatizando o perfil tradicional da loja. “A Fidalga não é modinha.” Ela conta que prova todos os modelos antes de pôr à venda – além de apresentar as peças nas redes sociais. Os produtos vendidos pel’A Fidalga vêm de pelo menos 30 fabricantes, em geral pequenos estabelecimentos, de vários locais, no interior de São Paulo, em Minas Gerais, nas regiões Nordeste e Sul.

José Hernandez – que a filha Christina define como um homem “amável, alegre, que gostava de conversar com os clientes” – ficou à frente d’A Fidalga durante quase 40 anos. Quando morreu, em 1967, foi substituído pelo primogênito, Ruy. Nesse período, já a partir dos anos 1970, a loja chegou a ter uma filial, na rua Augusta. Mas sofreu assalto seguido de incêndio – que teria sido provocado pelo próprio ladrão –, em junho de 1991. Diante disso, Ruy desistiu. Avisou a família que não queria mais saber de filial. E assim foi até 2002, quando ele morreu. Assim foi até agora. Até 2025. Há dois meses, que se completam neste 7 de agosto, Christina e Tereza inauguraram a loja na rua José Jannarelli, na região do Morumbi, zona sul paulistana. “Surgiu a oportunidade, e é uma região que está crescendo muito”, disse Tereza. É um local menor, de visual mais moderno, e com estoque equivalente a 10% do que se encontra no estabelecimento do Centro, de onde elas não pensam em sair. O pioneirismo d’A Fidalga recebe o prêmio 2025 de Comércio Histórico – Estabelecimentos Tradicionais de São Paulo, criado este ano pela Agência de Notícias DC News, que pertence à Associação Comercial de São Paulo (ACSP).
Mas pensaram. Mãe e filha falaram sobre isso depois da pandemia. “A gente chegou a pensar em sair”, disse Tereza. Tempos duros. A Fidalga permaneceu fechada durante três meses. Elas chegaram a ser multadas porque uma das portas estava semiaberta (para receber mercadoria). A região central tornou-se um deserto. Prevaleceu a tradição, e A Fidalga continuou. “Faz parte da história de São Paulo.” Em tempos mais recentes, Christina e Tereza viram “uma luz no túnel” em relação ao Centro, com mais segurança nas ruas e revitalização das calçadas. Um dado importante para quem calça as pessoas. Segundo o Manual Centro Histórico – Manutenção, Conservação, Reforma e Restauro, lançado em 2021 pela Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento, 600 mil pessoas, ou 1,2 milhão de pés, circulam diariamente pela região.
Aqui, o senhor está entrando na história

Elas ainda não têm planos para o centenário que se aproxima. Até aqui, foi A Fidalga que traçou os caminhos de Maria Christina, que substituiu o irmão Ruy em 2002. Teve a seu lado a irmã Thereza Cristina Hernandez, a que estudou no Largo São Francisco, se formou na Turma 123 – a colação foi em janeiro de 1955 – e se tornou procuradora do Estado. Temporã, Maria Christina não conhecia nada da atividade. Aprendeu com a prática diária. Sua filha Tereza, com formação em Comércio Exterior (não confundir com a Thereza advogada), cultivava outros objetivos profissionais, mas também foi para a loja que era do avô José. Aquele cujo pai, Augustin, veio de Salamanca. Cidade espanhola, perto da divisa com Portugal, que o filho adolescente de Tereza já conheceu e gostou. A história d’A Fidalga e dos Hernandez completou a volta ao mundo e pela memória.
A Fidalga
R. Quintino Bocaiúva, 148, Sé
Segunda a sexta das 09:00 às 18:00 e sábado das 09:30 às 13:30
(11) 3242-5093
afidalga.com.br/
Instagram: @afidalgacalcados

Como era a fachada d'A Fidalga em 1975

Galeria na entrada da loja: marca registrada

Maria Tereza, neta de José Hernandez e atual proprietária: "Nossa ideia é ter produtos atemporais"

Maria Tereza, filha e sócia de Maria Christina, neta do fundador d'A Fidalga