[AGÊNCIA DC NEWS]. Como começam as histórias? No calendário, a história do Ateliê das Meias se inicia em 1971, com a abertura da primeira loja, na rua Conselheiro Crispiniano, que continua em funcionamento, na esquina com a 24 de Maio e ao lado do Teatro Municipal. Mas pode ser 1914, quando o pioneiro saiu do antigo Império Otomano (atual Turquia, surgida formalmente em 1923) para Isfahan, na Pérsia (atual Irã, desde 1935). Ou 1920, quando a família vai para Aleppo, na Síria, onde se estabelece no ramo de calefação. Uma das fotos da família mostra o lançamento da pedra fundamental de um hospital em Aleppo, com a presença de Leon Isphahani e do presidente da Síria, Shukri al-Quwatli. Já é o pós-guerra. A imagem é de 1946 ou 1947. Foram muitos os trajetos até 1960, quando o “dedezão” Leon desembarcou no Brasil. O chamativo afetuoso vem de “dede” (avô, em armênio). Leon tinha 58 anos – e dona Araci, 52 – quando chegou ao Brasil com Ilia Leon Isphahani, 32, o “dede”, com a esposa Lucy, 28, com várias outras famílias de origem armênia, e seu filho, também Leon, de apenas 3 anos. Não planejavam vir, mas havia sinais de guerra no horizonte. Ele começou em uma rua na região de 25 de Março, com outro nome (Irani Meias), mas sofreu um desfalque causado por um parente. Não foi o único contratempo: ali, quando chovia, moradores e comerciantes precisavam ser resgatados pelos bombeiros – de barco. Mas dedezão e dede tocaram o barco adiante. De 1971, quando abriu a primeira loja, até 2019, seu Eli (o “nome brasileiro” de Ilia) passava por lá todos os dias, para ver como andavam as coisas. Atualmente, aos 96 anos, ele se recupera de uma cirurgia. Já Leon morreu em 1990, aos 88 anos.
“Era só uma portinha”, disse Renato Isfahani, 30 anos, bisneto de Leon, neto de Eli, filho de Leon, atual diretor executivo e financeiro, a respeito da primeira unidade. A portinha hoje é uma vitrine. Entre os anos 1970 e 1980, passou a ocupar o espaço de três lojas. Por falar em lojas, elas foram se multiplicando e agora são 14. Três na região da República (a pioneira e outras duas, nas ruas do Arouche e Barão de Itapetininga), duas na Sé (ambas na Quintino Bocaiúva) e em mais nove bairros, entre a região central e a Zona Sul: Brooklin (a mais recente, de 2023), Consolação, Higienópolis, Jabaquara, Moema, Paraíso, Santa Cecília, Vila Mariana e Vila Nova Conceição. Esta última é franquia da Lupo. Provavelmente será a única nessa modalidade, avalia Renato. “Não é nosso modelo de negócio.” São 40 funcionários diretos. Desde os anos 1990, quando se iniciou uma fase de transição, as lojas comercializam outros tipos de produtos, de moda íntima à esportiva, além de acessórios. As meias, que dão nome ao estabelecimento, representam agora de 40% a 45% das vendas totais. Há aproximadamente dez anos, também se iniciou uma transição familiar, com a entrada de Renato e sua irmã Mariana, 36, diretora operacional e de recursos humanos.
O sobrenome também exige uma explicação. Kasparian ou Isfahani? Os dois. Renato explica que quando o “dedezão” (bisavô) veio para o Brasil, já veio como Isfahani. Ou seja, como iraniano de Isfahan. E não como Kasparian, sírio de Aleppo. “Em resumo, ele tinha dois documentos [sírio e iraniano]”, disse o bisneto. A aproximadamente 450 quilômetros de Teerã, Isfahan tem população estimada de 2,3 milhões de habitantes.

A pandemia trouxe algumas oportunidades de aquisição, conta o diretor executivo. Cinco lojas foram abertas de 2020 em diante. Mas também exigiu aperto de cintos. Foram 90 dias fechados. “Não entrou uma moeda”, afirmou Renato. Tudo que era possível de negociar foi negociado, incluindo suspensão de salários. “Tem funcionários que são da família, basicamente.” Clair, por exemplo, a gerente da primeira loja, está desde o início: entrou em abril de 1971. Eles tinham o equivalente a 120 dias de caixa. Assim passaram o período mais turbulento.
Turbulência está no DNA da família, formada por armênios otomanos, originários do leste da Turquia, onde fica o Monte Ararat. Há também os armênios russos (do Leste Europeu) e persas (Irã). O “dedezão” deixou o Império Otomano em 1914, às vésperas do que os armênios chamam de genocídio sofrido durante quase uma década. “Os armênios que escaparam por Isfahan usam esse sobrenome.” Leon Isfahani, pai de Renato, hoje com 67 anos, já nasceu em Aleppo, na Síria, assim como o dede Eli (Ilia), que usa a grafia Isphahani. Tempos depois, a cidade seria alvo de bombardeios russos. “Eles [avós] viam as notícias de Aleppo e lamentavam: era tão bonita…”, disse Renato. Vieram de navio, trazendo até móveis. Um quadro comprado em Marselha (França), local de uma das paradas, é lembrança guardada até hoje. Brasil e Armênia mantêm relações diplomáticas desde 1992.
Em 2020, o Ateliê abriu sua loja on-line, mas as vendas no meio digital ainda representam menos de 1% do faturamento. “A gente quer trabalhar no on-line da mesma forma que no físico, estabelecer uma relação de longo prazo com o cliente”, afirmou Renato, que se formou em Economia em 2016. “É um trabalho que vai requerer muito desenvolvimento.” O diretor executivo e financeiro não revela dados do faturamento: “Posso dizer que está adequado ao nosso porte”. Seu escritório é uma pequena sala – dividida com um auxiliar administrativo – nos fundos da loja. A porta que dá acesso não se identifica à primeira vista, porque se confunde com uma das paredes onde estão os produtos. Lá dentro, duas mesas, um armário e uma estante de ferro, mais uma escadinha. Uma foto do “dedezão” na parede exibe o orgulho familiar por um negócio temperado por impérios e guerras. E Renato resume em uma frase o pragmatismo do negócio: “Não temos sede, mas temos caixa”. E muita história.