[AGÊNCIA DC NEWS]. São Paulo, com sua história pulsante e complexidade urbana, guarda no Centro Histórico não apenas o marco zero da cidade, mas também o epicentro de suas transformações. Para compreender os desafios e as possibilidades de revitalizar esta região, o projeto Comércio Histórico conversou com João Tomas do Amaral, presidente do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP). Seu principal recado? O Centro é muito mais do que um espaço físico; é uma síntese da memória coletiva e da identidade paulistana.
Na entrevista, ele reflete sobre a importância do Centro Histórico como ponto de convergência cultural e econômico ao longo do tempo, os impactos da verticalização, o apagamento arquitetônico e as ações necessárias para preservar e revitalizar essa área tão significativa. Entre ideias para atrair novos públicos e reforçar o pertencimento histórico, Amaral defende o equilíbrio entre tradição e inovação.
Confira a seguir a entrevista completa.

AGÊNCIA DC NEWS – Qual a importância do Centro Histórico no desenvolvimento da cidade?
João Tomas do Amaral – O Centro Histórico é o marco zero da cidade, onde surgiram as primeiras instituições e grandes momentos da história do estado e do país. Antes o centro era a cidade, a qual se expandiu ao longo dos anos. Hoje cada zona do município e cada distrito tem seu próprio centro, a própria vida. Isso é natural e positivo, mas isso contribuiu para o esvaziamento da região. Mesmo assim, continua sendo um espaço essencial para a memória e a história de São Paulo. Não só isso, pois ainda é um local com muitos comércios, restaurantes, eventos e serviços públicos.
AGÊNCIA DC NEWS – Como o senhor vê o Centro de São Paulo em comparação com outros centros no Brasil e no mundo?
João Tomas do Amaral – São Paulo é única. Diferente de capitais como Salvador e Rio de Janeiro, limitadas pelo mar, São Paulo foi construída no planalto, permitindo uma expansão diferenciada. No exterior, cidades como Porto, em Portugal, mostram como o investimento em revitalização pode atrair turismo e valorizar a história local de regiões similares com o Centro da capital paulista.
Muito da arquitetura colonial foi apagada com a verticalização. Inclusive as salas de cinemas do Centro, consideradas luxuosas, acabaram. Isso é um alerta, pois já o apagamento histórico da região já ocorreu parcialmente

AGÊNCIA DC NEWS – Como o IHGSP influenciou a institucionalização da cidade?
João Tomas do Amaral – O Instituto surgiu em 1894, em um momento em que São Paulo começava a se institucionalizar. Ele esteve no centro de várias iniciativas cívicas, culturais e científicas. A partir desses fatores, inspirou a criação de outras instituições como a Academia Paulista de Letras e a Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo. Isso ajudou a transformar a cidade em um polo mais organizado.
AGÊNCIA DC NEWS – Como a verticalização dos edifícios impactou a área?
João Tomas do Amaral – A verticalização começou como uma solução para o crescimento da cidade, mas trouxe desafios. Nos anos 1920, São Paulo iniciou a construção de edifícios altos como o Sampaio Moreira, onde hoje é a Secretaria Municipal de Cultura, e o Martinelli, que marcaram o início dessa transformação que se deu primeiramente no Centro. Até esse momento a cidade era plana com casas térreas e sobrados. Hoje, muitos prédios antigos foram demolidos para dar lugar a novos, transformando a verticalização em um problema. Isso reforça a importância de preservar o patrimônio arquitetônico.
AGÊNCIA DC NEWS – O que foi perdido nesse processo de transformação do Centro?
João Tomas do Amaral – Muito da arquitetura colonial foi apagada com a verticalização. Inclusive as salas de cinemas do Centro, consideradas luxuosas, acabaram. Isso é um alerta, pois o apagamento histórico da região já ocorreu parcialmente. É preciso lembrar que a história do Centro é única e merece atenção para evitar um apagamento completo.

(Acervo BNDigital)
AGÊNCIA DC NEWS – Tem algum prédio do Centro que você gostaria de destacar?
João Tomas do Amaral – O Edifício Martinelli é um ícone da verticalização e simboliza um marco de modernidade para a cidade. Além de outros prédios como o Mosteiro de São Bento e o Teatro Municipal que lembram a riqueza arquitetônica e histórica do Centro.
AGÊNCIA DC NEWS – Qual a importância da História para a revitalização?
João Tomas do Amaral – A história é fundamental para entender quem somos e como chegamos até aqui. Conhecer a trajetória do Centro é libertador e ajuda a preservar a memória coletiva, evitando o apagamento histórico.
AGÊNCIA DC NEWS – O senhor acredita que a população tem interesse em redescobrir o Centro?
João Tomas do Amaral – Sim, cada vez mais pessoas manifestam o desejo de morar e viver no Centro. Há uma necessidade de melhorar a infraestrutura para atender a essa população e tornar o Centro mais habitável e funcional.
AGÊNCIA DC NEWS – Como atrair mais pessoas para o Centro por meio da História?
João Tomas do Amaral – É preciso criar uma dupla oportunidade: oferecer experiências atuais, como festas e eventos, enquanto há um esforço para conectar o público à história. Locais como o Farol Santander e o Martinelli mostram ser possível unir entretenimento e história. É a sinergia entre o antigo e o moderno, dar novos significados a esses lugares que são parte da construção da cidade.
AGÊNCIA DC NEWS – E quais ações concretas poderiam ser feitas para revitalizar o Centro?
João Tomas do Amaral – Uma maior divulgação das atrações e iniciativas no Centro, parcerias com instituições privadas e a criação de eventos culturais e turísticos permanentes são fundamentais. Além disso, uma campanha para desmistificar o Centro como um lugar perigoso seria essencial.
AGÊNCIA DC NEWS – A segurança ainda é uma barreira para o público?
João Tomas do Amaral – Sim, há um preconceito em relação à segurança no Centro. Embora existam problemas, eles não são exclusivos da região. O aumento recente de guardas municipais e iniciativas educativas ajudam a melhorar a percepção de segurança.
AGÊNCIA DC NEWS – Como a gastronomia contribui para esse processo de revitalização?
João Tomas do Amaral – A gastronomia é uma peça-chave. Restaurantes históricos como o Ponto Chic e o Café Girondino atraem turistas e moradores. A boa experiência nesses locais cria replicadores que divulgam positivamente o Centro, ampliando o movimento para o comércio e outros tipos de passeio.
AGÊNCIA DC NEWS – E a educação?
João Tomas do Amaral – A educação é vital. Programas que trazem escolas e universidades para o Centro ajudam a formar cidadãos mais conscientes da importância histórica da região. Iniciativas como cursos e visitas guiadas também podem aumentar o engajamento.

(Divulgação)
AGÊNCIA DC NEWS – O que a mudança da sede do governo de São Paulo para o Campos Elíseos pode significar para a região?
João Tomas do Amaral – A mudança da sede do governo do estado para o Centro é uma solução promissora. Isso reforça a presença de instituições públicas, impulsiona a economia local e mostra que o Centro ainda é relevante. Além disso, é crucial que o poder público se una à iniciativa privada e às instituições civis para revitalizar o espaço.
AGÊNCIA DC NEWS – Como o Instituto contribui para a preservação do Centro?
João Tomas do Amaral – O Instituto sempre atendeu pesquisadores, escolas e o público geral, oferecendo acesso a documentos históricos e promovendo eventos culturais. Somos um ponto de convergência para a história e a cultura da cidade.
AGÊNCIA DC NEWS – Como o senhor imagina o Centro histórico daqui a 20 anos?
João Tomas do Amaral – Vejo com otimismo, mas é preciso agir agora. Com iniciativas integradas entre governo, instituições civis e privadas, o Centro pode se tornar um espaço vibrante, com vida cultural, comercial e residencial pulsante.

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Imagem de 1906 com os militares que guardavam o Palácio do Governo, no Campos Elíseos

Em 1936, a Avenida São João já era muito frequentada como ponto de encontro para comerciantes e consumidores