João Tomas do Amaral, presidente do IHGSP, destaca importância da história para revitalização do centro (André Lessa)

João Tomas do Amaral, do IHGSP: “É preciso ressignificar o Centro”

  • Instituto nascido em 1894 acompanhou todas as transformações sociais, econômicas e políticas da região central
  • Especialista alerta para os riscos da verticalização desenfreada e diz que apagamento histórico do centro já aconteceu parcialmente”
Por Letícia Franco 24 de Fevereiro, 2025 - 17:40
Atualizada às 24 de Março, 2025 - 17:35

[AGÊNCIA DC NEWS]. São Paulo, com sua história pulsante e complexidade urbana, guarda no Centro Histórico não apenas o marco zero da cidade, mas também o epicentro de suas transformações. Para compreender os desafios e as possibilidades de revitalizar esta região, o projeto Comércio Histórico conversou com João Tomas do Amaral, presidente do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP). Seu principal recado? O Centro é muito mais do que um espaço físico; é uma síntese da memória coletiva e da identidade paulistana.

Na entrevista, ele reflete sobre a importância do Centro Histórico como ponto de convergência cultural e econômico ao longo do tempo, os impactos da verticalização, o apagamento arquitetônico e as ações necessárias para preservar e revitalizar essa área tão significativa. Entre ideias para atrair novos públicos e reforçar o pertencimento histórico, Amaral defende o equilíbrio entre tradição e inovação.

Confira a seguir a entrevista completa.

AGÊNCIA DC NEWS Qual a importância do Centro Histórico no desenvolvimento da cidade?
João Tomas do Amaral – O Centro Histórico é o marco zero da cidade, onde surgiram as primeiras instituições e grandes momentos da história do estado e do país. Antes o centro era a cidade, a qual se expandiu ao longo dos anos. Hoje cada zona do município e cada distrito tem seu próprio centro, a própria vida. Isso é natural e positivo, mas isso contribuiu para o esvaziamento da região. Mesmo assim, continua sendo um espaço essencial para a memória e a história de São Paulo. Não só isso, pois ainda é um local com muitos comércios, restaurantes, eventos e serviços públicos.

AGÊNCIA DC NEWS Como o senhor vê o Centro de São Paulo em comparação com outros centros no Brasil e no mundo?
João Tomas do Amaral – São Paulo é única. Diferente de capitais como Salvador e Rio de Janeiro, limitadas pelo mar, São Paulo foi construída no planalto, permitindo uma expansão diferenciada. No exterior, cidades como Porto, em Portugal, mostram como o investimento em revitalização pode atrair turismo e valorizar a história local de regiões similares com o Centro da capital paulista.  

Muito da arquitetura colonial foi apagada com a verticalização. Inclusive as salas de cinemas do Centro, consideradas luxuosas, acabaram. Isso é um alerta, pois já o apagamento histórico da região já ocorreu parcialmente

João Tomas do Amaral

AGÊNCIA DC NEWS – Como o IHGSP influenciou a institucionalização da cidade?
João Tomas do Amaral – O Instituto surgiu em 1894, em um momento em que São Paulo começava a se institucionalizar. Ele esteve no centro de várias iniciativas cívicas, culturais e científicas. A partir desses fatores, inspirou a criação de outras instituições como a Academia Paulista de Letras e a Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo. Isso ajudou a transformar a cidade em um polo mais organizado.

AGÊNCIA DC NEWS Como a verticalização dos edifícios impactou a área?
João Tomas do Amaral – A verticalização começou como uma solução para o crescimento da cidade, mas trouxe desafios. Nos anos 1920, São Paulo iniciou a construção de edifícios altos como o Sampaio Moreira, onde hoje é a Secretaria Municipal de Cultura, e o Martinelli, que marcaram o início dessa transformação que se deu primeiramente no Centro. Até esse momento a cidade era plana com casas térreas e sobrados. Hoje, muitos prédios antigos foram demolidos para dar lugar a novos, transformando a verticalização em um problema. Isso reforça a importância de preservar o patrimônio arquitetônico.

AGÊNCIA DC NEWS O que foi perdido nesse processo de transformação do Centro?
João Tomas do Amaral – Muito da arquitetura colonial foi apagada com a verticalização. Inclusive as salas de cinemas do Centro, consideradas luxuosas, acabaram. Isso é um alerta, pois o apagamento histórico da região já ocorreu parcialmente. É preciso lembrar que a história do Centro é única e merece atenção para evitar um apagamento completo.

Imagem do edifício Martinelli em 1933
(Acervo BNDigital)

AGÊNCIA DC NEWS Tem algum prédio do Centro que você gostaria de destacar?
João Tomas do Amaral O Edifício Martinelli é um ícone da verticalização e simboliza um marco de modernidade para a cidade. Além de outros prédios como o Mosteiro de São Bento e o Teatro Municipal que lembram a riqueza arquitetônica e histórica do Centro.

AGÊNCIA DC NEWS Qual a importância da História para a revitalização? 
João Tomas do Amaral A história é fundamental para entender quem somos e como chegamos até aqui. Conhecer a trajetória do Centro é libertador e ajuda a preservar a memória coletiva, evitando o apagamento histórico. 

AGÊNCIA DC NEWS O senhor acredita que a população tem interesse em redescobrir o Centro? 
João Tomas do Amaral Sim, cada vez mais pessoas manifestam o desejo de morar e viver no Centro. Há uma necessidade de melhorar a infraestrutura para atender a essa população e tornar o Centro mais habitável e funcional.

AGÊNCIA DC NEWS Como atrair mais pessoas para o Centro por meio da História? 
João Tomas do Amaral – É preciso criar uma dupla oportunidade: oferecer experiências atuais, como festas e eventos, enquanto há um esforço para conectar o público à história. Locais como o Farol Santander e o Martinelli mostram ser possível unir entretenimento e história. É a sinergia entre o antigo e o moderno, dar novos significados a esses lugares que são parte da construção da cidade.

AGÊNCIA DC NEWS E quais ações concretas poderiam ser feitas para revitalizar o Centro? 
João Tomas do Amaral – Uma maior divulgação das atrações e iniciativas no Centro, parcerias com instituições privadas e a criação de eventos culturais e turísticos permanentes são fundamentais. Além disso, uma campanha para desmistificar o Centro como um lugar perigoso seria essencial.

AGÊNCIA DC NEWS A segurança ainda é uma barreira para o público? 
João Tomas do Amaral – Sim, há um preconceito em relação à segurança no Centro. Embora existam problemas, eles não são exclusivos da região. O aumento recente de guardas municipais e iniciativas educativas ajudam a melhorar a percepção de segurança.

AGÊNCIA DC NEWS – Como a gastronomia contribui para esse processo de revitalização?
João Tomas do Amaral A gastronomia é uma peça-chave. Restaurantes históricos como o Ponto Chic e o Café Girondino atraem turistas e moradores. A boa experiência nesses locais cria replicadores que divulgam positivamente o Centro, ampliando o movimento para o comércio e outros tipos de passeio. 

AGÊNCIA DC NEWS E a educação?
João Tomas do Amaral – A educação é vital. Programas que trazem escolas e universidades para o Centro ajudam a formar cidadãos mais conscientes da importância histórica da região. Iniciativas como cursos e visitas guiadas também podem aumentar o engajamento.

A experiência gastronômica, como o Café Girondino, cria replicadores que divulgam positivamente o Centro
(Divulgação)

AGÊNCIA DC NEWS O que a mudança da sede do governo de São Paulo para o Campos Elíseos pode significar para a região?
João Tomas do Amaral A mudança da sede do governo do estado para o Centro é uma solução promissora. Isso reforça a presença de instituições públicas, impulsiona a economia local e mostra que o Centro ainda é relevante. Além disso, é crucial que o poder público se una à iniciativa privada e às instituições civis para revitalizar o espaço.

AGÊNCIA DC NEWS Como o Instituto contribui para a preservação do Centro? 
João Tomas do Amaral O Instituto sempre atendeu pesquisadores, escolas e o público geral, oferecendo acesso a documentos históricos e promovendo eventos culturais. Somos um ponto de convergência para a história e a cultura da cidade.

AGÊNCIA DC NEWS Como o senhor imagina o Centro histórico daqui a 20 anos? 
João Tomas do Amaral – Vejo com otimismo, mas é preciso agir agora. Com iniciativas integradas entre governo, instituições civis e privadas, o Centro pode se tornar um espaço vibrante, com vida cultural, comercial e residencial pulsante.