Ana Paula Cury: "Queremos atingir o público mais jovem. Os netos dos que vinham para cá" (Andre Lessa/Agência DC News)

Da barraca de feira à loja de especiarias, Empório Syrio ultrapassa 100 anos e faz projetos

  • Com ar tradicional e clientes de longa data, estabelecimento se volta para o público jovem. E pensa em abrir uma segunda loja 
  • Empreendimento foi aberto em 1924 pelo libanês Wadih Cury. Mudou de endereço algumas vezes, mas sempre permaneceu na região da 25 de Março
Por Vitor Nuzzi 7 de Agosto, 2025 - 17:30
Atualizada às 7 de Agosto, 2025 - 15:41

[AGÊNCIA DC NEWS]. Vindo da cidade libanesa de Zahle, Wadih Cury tinha 24 anos quando chegou ao Brasil, em 1920, depois de uma experiência malsucedida nos Estados Unidos. Tomou o rumo da cidade de São Paulo, então com 600 mil habitantes, sendo 35% estrangeiros – e mais de 40% em bairros povoados por migrantes, como Brás e Mooca, além da Sé. Logo percebeu que uma conta não fechava: havia muitos migrantes e faltavam produtos de sua região. Começou a importar – basicamente, gêneros alimentícios – e a vender na barraca de feira que montou na região central. Provavelmente, não muito distante da rua 25 de Março e imediações, onde se concentrava a colônia. Foram assim os primeiros anos do casal Wadih e Rosalie Cury no Brasil. Uma história que já ultrapassou os 100 anos, nas mãos da mesma família, que começa a traçar os planos para ampliar o negócio.

Isso aconteceu lá na origem. A procura pelos produtos de origem árabe fez com que Wadih decidisse que estava na hora de crescer. E da barraca partiu para uma loja, inicialmente com o nome Wadih Cury e Irmãos (eram quatro no total), em 1924. “Diz minha mãe que foi na rua José Bonifácio”, afirmou Ana Paula Dalman Cury, neta de Wadih e atual proprietária do estabelecimento, que com o tempo ganhou o nome de Empório Syrio. A família era de origem libanesa, mas até os anos 1940 o Líbano estava incluído no chamado Mandato Francês, que administrava a Síria. O nome do estabelecimento, que já estava consolidado na região, foi mantido mesmo depois da independência. “A gente atende todos os públicos do Oriente”, disse Ana Paula. Seu avô paterno, Wadih, o fundador da loja, morreu em 1964, 40 anos depois de abrir o empório. Durante quase seis décadas, Nicolau, João e Ricardo, respectivamente pai, tio e irmão de Ana Paula, ficaram à frente do negócio. São essas credenciais que levaram o Empório Syrio a receber o prêmio 2025 de Comércio Histórico – Estabelecimentos Tradicionais de São Paulo, criado este ano pela Agência de Notícias DC NEWS, que pertence à Associação Comercial de São Paulo (ACSP).

Ela conhecia o local há tempos, mas assumiu a direção em 2023. “Eu não sabia nada sobre como gerir um comércio”, disse. “Aprendi e hoje faço tudo.” Tem um quê de herança também: “Sempre gostei de vender. Acho que é de família.” Ana Paula é designer de formação. Trabalhou durante aproximadamente 22 anos na revista Arquitetura&Construção, da Editora Abril. Depois disso, estudou, fez vários cursos e se tornou designer de biscoitos, atividade que agora exerce eventualmente, porque o trabalho no Empório Syrio exige dedicação total. O endereço atual é o quarto da história do empreendimento, segundo ela. Depois daquele da José Bonifácio, a loja funcionou na rua da Cantareira e na própria Comendador Abdo Schahin (empresário libanês do ramo têxtil), no número 40. Desde 1999, está no número 136. Rua paralela à 25 de Março, ainda é um microuniverso árabe, entre armarinhos e restaurantes.

O estoque no Empório Syrio tem mais de 500 itens, na maioria importados – o que traz preocupações extras a cada oscilação cambial. Além de “empresas nacionais, com donos árabes”, como lembra a proprietária. Segundo Ana Paula, quem passa por lá encontra produtos do Líbano, da Turquia, Sri Lanka (antigo Ceilão), Israel, Síria, Irã e África do Sul. Especiarias, bebidas, doces – uma cocada árabe que precisa ser lembrada –, grãos, que na loja antiga ficavam em recipientes de madeira e eram vendidos a granel. A atual tem incontáveis potes ao longo de suas prateleiras, que ocupam toda a extensão lateral, dos dois lados, com mais uma bancada de produtos no centro. Doces estão entre os carros-chefe: “Têm muita rotatividade”. Mas ela cita também o zaatar (uma mistura de temperos) e a pimenta síria. “São receitas nossas”, disse Ana Paula. E bem guardadas, ressalta.

Com suas prateleiras e antigas balanças expostas no alto – um pouco acima, Ana Paula trabalha de um mezanino –, a loja tem certo ar nostálgico. Uma impressão que se reforça com algumas relíquias que sua dona guarda com cuidado. Como uma duplicata de um cliente de Mato Grosso, com data de vencimento de 30 de julho de 1936, no valor de 518,4 mil réis. Outra raridade é um exemplar – 18 de julho de 1933 – do jornal Esphynge, criado em 1906 e de circulação diária, escrito em árabe e português, com sede na rua Augusto Severo, no Centro Histórico. Ali aparece um anúncio do Empório Syrio, incluindo endereço na rua Felipe Camarão, onde ficava uma fábrica de rahat (goma árabe). A empresa tinha ainda um moinho de trigo na rua Ivaí. Ambas no Tatuapé, zona leste. Hoje, são oito funcionários. O atual gerente, Fábio, trabalha ali há 22 anos. O anterior, seu Osvaldo, ficou mais de 60. “Ele era praticamente da família.” Ana Paula resume a trajetória do empreendimento em duas palavras: coragem e resiliência. Ainda espera conhecer o Líbano de suas raízes. Por enquanto, esteve na Turquia.

Eu não sabia nada sobre como gerir um comércio. Aprendi e hoje faço tudo

Ana Paula Dalman Cury, atual proprietária


Se o ambiente ainda remete a outros tempos, a ideia da dona do Empório Syrio é atualizar as operações. Os planos incluem abrir outra loja. “A gente quer atingir o público mais jovem. Os netos de quem vinha para cá comprar”, disse. Segundo ela, a loja entrega em toda a cidade. E vende em todo o país. Inclusive no atacado. “Vendemos muito para restaurantes também.” O logotipo foi modernizado, parte da decoração mudou. O empório, que está atualizando o site, agora atende pedidos por meio do WhatsApp. Esse tipo de encomenda vem crescendo, mas a maioria das vendas ainda é presencial. O tradicional encontro entre vendedor e clientes, como há 101 anos. “Adoro atender as pessoas, ouvir as histórias.”

Empório Syrio
R. Comendador Adbo Schahin, 136, Centro
Segunda a sexta das 08:00 às17:30 e sábado das 08:00 às 16:00
(11) 3322-3640
emporiosyrio.com.br
Instagram: @emporiosyrio