[AGÊNCIA DC NEWS]. Se você é o tipo de pessoa que adora uma boa lenda urbana, fique neste texto. Berço histórico de São Paulo, a região central é recheada delas, e há quem diga que são todas verdadeiras. Se são apenas mitos ou se há um fundo de verdade não é possível confirmar, mas sem dúvida existe uma rede de mistérios, tragédias e calamidades em torno das lendas e mitos paulistanos. Alguns acontecimentos, de fato, marcaram com dor a existência da cidade, deixaram marcas na população, mesmo em quem não testemunhou. As histórias chegam a preceder o nascimento de São Paulo, no século 16, tendo origem dos povos indígenas que habitavam o que hoje é conhecido como Centro Histórico.
Segundo Viviane Laje, pesquisadora e doutoranda em história do Centro de São Paulo, boa parte do imaginário popular que cerca todos os relatos fantasmagóricos na região é resultado de uma metrópole que cresceu aos atropelos. “Há dois pontos centrais para isso. Primeiro, o número de tragédias nos locais, motivadas por má-fé, falta de infraestrutura ou desastres climáticos. O outro é a baixa documentação que se tem de alguns lugares da cidade”, afirmou.
Para começar nossa viagem, uma dica: vá de metrô. Escolhemos histórias atreladas a locais com fácil acesso ao transporte público.

Edifício Joelma (atual Edifício Praça da Bandeira)

(Maurício Pontes)
Talvez o ponto mais mal assombrado de São Paulo, o Edifício Joelma já foi tema de reportagens de televisão, documentários e até filme (como Joelma 23º Andar, de 1979). Isso porque em fevereiro de 1974, apenas três anos após sua inauguração, um incêndio de proporções causou a morte de 191 pessoas. Além disso, pelo menos 300 moradores ou visitantes do prédio, na praça da Bandeira, ao lado da Câmara Municipal, saíram feridos da experiência traumatizante. As cenas foram impressionantes: enquanto o local era tomado pelo fogo, muitas pessoas pulavam, na esperança de sobreviver, para horror de quem presenciava a tragédia. Nenhuma sobreviveu. Outro relato chocante foi de um grupo de 13 pessoas que, para fugir das labaredas que se multiplicavam, decidiu entrar em um elevador. Esse episódio deu origem à lenda das 13 almas.
Há relatos de pessoas que viram ou ouviram fenômenos que não conseguem racionalmente. Uma delas é Juciara Barbosa, de 64 anos, aposentada, que trabalhava na praça da Bandeira no ano do incêndio. “A tragédia marcou nossas vidas. Todos nós tínhamos amigos ou conhecidos que foram diretamente afetados”, disse. Os boatos e as lendas, segundo ela, começaram nos anos 1980. “A história que mais ouvi era a lenda das 13 almas. Pessoas viam e ouviam coisas que não sabiam explicar. Eu mesma passei por uma experiência assim”, disse. Em uma rede social, onde compartilham informações sobrenaturais, são mais de 100 pessoas com relatos como o de Juciara.
Outras histórias aumentam a memória sombria do Joelma. Em 1948, o próprio terreno do futuro edifício foi palco de outra tragédia. Paulo Ferreira de Camargo tinha apenas 26 anos e era um químico recém-formado na Universidade de São Paulo, onde também trabalhava como professor auxiliar. A residência dele ficava onde anos mais tarde seria erguido o Joelma. Com ele moravam a sua mãe, Benedita Ferreira de Camargo (56 anos), e as suas irmãs, Maria Antonieta Camargo (23) e Cordélia Camargo (19). Depois da morte do pai, a família seguiu com boas condições financeiras, dada a herança deixada. O dinheiro, porém, acabou sendo mal administrado, e a família começou a passar por necessidades.
Nesse momento, Paulo se tornou o arrimo da família, que dependia dele para manter o ritmo abastado de gastos. Os vizinhos diziam que ele era peculiar, ou excêntrico, tímido e de pouca conversa. Também foi relatado aos policiais que Paulo havia sido advertido na faculdade após ser flagrado disparando armas de fogo em um laboratório. À época, a explicação foi de se tratar de um experimento científico sobre atrito e pólvora. Havia ainda indícios de dependência química em ópio, mas nada foi confirmado.
Em 1945, já responsável financeiramente pela família, ele começou a namorar a enfermeira Isaltina Amaros, de 23 anos, mas sua família não a aceitou. Mesmo assim, eles mantiveram o romance. No início de outubro de 1948, Paulo Ferreira contratou dois pedreiros para que construíssem o mais depressa possível um poço artesanal de 5 metros de profundidade no quintal de sua casa. O pretexto para a obra era o plano do químico em abrir uma fábrica de adubo.
Às 11h do dia 4 de novembro de 1948, Paulo, sentado à mesa com Benedita e Maria Antonieta para almoçar, aguardou até que as doses cavalares do sonífero que derramara na refeição das duas fizesse efeito para entrar em ação. Quando isso aconteceu, Paulo executou-as a tiros, colocou um pano em suas cabeças e lançou os seus cadáveres para dentro do poço recém-construído. Às 13h, Cordélia chegou do trabalho e recebeu o mesmo destino que o da mãe e da irmã. Feito isso, o jovem selou a boca do poço. No dia seguinte, comunicou casualmente a amigos de trabalho e alguns vizinhos que a família faria uma viagem a passeio ao Paraná. Nas duas semanas seguintes, ninguém o viu em lugar algum. Assim que apareceu, Paulo comunicou que eles haviam sofrido um acidente de carro perto Curitiba e que só ele havia sobrevivido. Ele nunca foi preso, mas os corpos foram encontrados anos mais tarde. Com o registro do caso nos jornais nasceu a lenda das meninas do poço. Pessoas dizem ouvir chamados, em especial do fosso dos elevadores que dizem “Paulo”.
Se interessou? Então é só desembarcar na estação Anhangabaú do metrô (linha vermelha) pela saída do Terminal Bandeira. O prédio – que hoje se chama Edifício Praça da Bandeira – fica na saída do terminal, do lado direito, na avenida Nove de Julho, 225.
Edifício Andraus

(Gilmar Mattos)
Dois anos antes do Joelma, a cidade de São Paulo testemunhou outro incêndio de grandes proporções: o Andraus, em fevereiro de 1972, foi considerado o primeiro incêndio de altas proporções do século 20, segundo os jornais da época. Devido a um curto-circuito em uma tela de publicidade, 16 pessoas morreram e 330 ficaram feridas. As chamas tomaram conta do prédio em minutos. Pela primeira vez, uma tragédia era transmitida ao vivo pela TV. Entre 1978 e 1980 o prédio, na área da avenida São João, passou por reformas, e hoje abriga salas comerciais.
E o fantasma desta história apareceu antes mesmo da tragédia. Aqui vamos contar a história de Luiz (nome fictício), contador, casado, que trabalhava no décimo andar do Edifício Andraus. No dia 24 de fevereiro de 1972, ele disse que acordou sentindo forte cheiro de queimado. Enquanto tomava café, relatou ter visto um vulto no vitrô da cozinha, o que parecia uma figura humana, mas de fumaça. A esposa de Luiz saiu primeiro, mas por acidente levou a chave dele em sua bolsa. Resultado? Luiz precisou sair pela janela. Quando pulou, percebeu que seu rosto ficou todo cheio de fuligem, mas relata que não havia poeira preta no caminho que passou.
Ainda assim, ele chegou ao trabalho. Tirou a fuligem do rosto e desamassou as roupas. Começou a trabalhar. Na hora do almoço, que foi ao restaurante de sempre, nas redondezas, e por azar sua comida estava queimada. “Frango, arroz e feijão. Tudo queimado”, disse. Quando voltou para o edifício, os elevadores estavam quebrados e ele subiu de escadas. Até que às 15h45 ele notou o mesmo cheiro que sentiu de manhã. Ao olhar pela janela, já não era possível ver nada além de fuligem. Com os gritos e movimentação, ele teve a ideia de subir mais andares e chegar ao heliponto do prédio – o edifício tinha 31 pavimentos. Mas, no caminho, percebeu que não poderia mais subir. O diretor de uma das empresas que ocupavam os andares mais altos bloqueou a porta corta-fogo para evitar que a fumaça ou as labaredas invadissem o espaço. E aí entra o inexplicável: Luiz contou que ao tentar descer viu o sogro dele, já falecido, que disse pra ele ficar exatamente onde estava, e esperasse. Por algum motivo que não sabe explicar, mas a ciência talvez consiga, uma forte corrente de vento desviava de algumas pilastras do edifício, que passaram incólume ao fogo. Em uma delas estava Luiz. Encostado e de olhos fechados. Pouco tempo depois, ainda consciente, ele vê os bombeiros chegando e é resgatado.
Mas o sogro de Luiz não é o único fantasma que pode ter aparecido pelo prédio. Desde o incêndio pessoas relatam ter encontrado fantasmas justamente na porta do 31º andar, na saída para o heliponto. Para ir em busca desse fantasma é só descer na estação República do metrô (Linha 3-Vermelha) e usar a saída da avenida Ipiranga. Depois da catraca vire à esquerda e continue na avenida Ipiranga. Ao chegar ao Bar Brahma, vire à esquerda e caminhe até a rua Pedro Américo. O edifício fica à esquerda, na esquina, na rua Pedro Américo, 32.
Vale do Anhangabaú

(Eli Kazuyuki)
A história começa pelo nome Anhangabaú, que em tupi significa “água venenosa”. Diz a lenda, quando o rio ainda não era canalizado, os índios o consideravam maldito, pois vários morriam enquanto tomavam banho. Há registros do século 16 que indicam um grande número de peixes que apareciam mortos aos montes. Desde essa época há rumores sobre algum tipo de maldição trazida pelos povos originários. Na Biblioteca Nacional é possível encontrar cartas eclesiásticas definindo o local como amaldiçoado. Devido a essa fama, foram organizadas comitivas de cardeais para “colocar fim” ao mal. No século 19, confirmou-se que as péssimas condições de saneamento disseminavam bactérias que matavam os peixes e adoeciam os munícipes.
Os boatos, no entanto, voltaram a ganhar força em 1915. Naquele ano, foram registrados pelo menos 15 suicídios e sete tentativas de pôr fim à própria vida nos viadutos que atravessavam o Anhangabaú. Jornais chegaram a chamar o lugar de “suicidório municipal”.
Além do Viaduto do Chá, outro ponto comum nesse tipo de ocorrência foi o Viaduto Santa Ifigênia. O primeiro desses relatos, noticiado pelo Correio Paulistano, em 6 de dezembro de 1914, mencionava um imigrante sírio de nome Dahir Assani, que pulou do viaduto e caiu na rua Anhangabaú. Socorrido, foi levado em estado gravíssimo para a Santa Casa de Misericórdia. Com a publicidade, o espaço foi usado mais vezes para este fim. Sobre os fantasmas, pessoas relatam que, ao passar de madrugada nestes lugares, é possível ver vultos ou vozes inexplicáveis.
Para chegar no Viaduto do Chá é só descer na estação Anhangabaú do metrô (Linha 3-Vermelha), seguir pela rua Coronel Xavier de Toledo na direção do Teatro Municipal e virar à direita.
Faculdade de Direito

(Thadeu Nogueira)
A fachada da instituição, criada em 1827 por decreto imperial, tem um tom soturno por conta da cor pesada: cinza-chumbo. Dentro, o clima é o de uma faculdade como outra qualquer, muitos alunos circulando no pátio, saindo das aulas ou sentados nos corredores. Mas a fama de mal-assombrada se dá por alguns acontecimentos. O prédio já foi um mosteiro, e acredita-se que há restos mortais dos freis que foram enterrados lá. O corpo do professor Julius Frank, morto em 1841, está enterrado em um dos pátios internos da faculdade, onde os alunos fazem leituras de textos.
A faculdade já foi palco de grandes manifestações e alguns funcionários relatam ter ouvido estudantes, já mortos, conversarem sobre política nos corredores. Além disso, um jovem morreu espetado dentro do prédio. O acesso ao pátio, ao túmulo do professor, salas de reunião, salas de aula e museu é livre. Para chegar lá, é só descer na estação Sé do metrô (Linha 1-Azul ou Linha 3-Vermelha) e seguir para a saída à direita da catraca. Do lado de fora é só ir em direção à rua Benjamin Constant e seguir reto. A faculdade fica à esquerda do Largo São Francisco, no número 95.
Castelinho da rua Apa

(Domínio Público)
O castelo, em estilo medieval, teve suas obras concluídas em 1912 e foi propriedade da família “dos Reis” até 1937, quando uma tragédia – até hoje sem explicação – aconteceu no local. Três pessoas foram encontradas mortas na casa e, segundo a perícia da polícia na época, podem ter sido assassinatos sob encomenda. Mas a lenda conta que os dois irmãos, Armando e Álvaro, estavam discutindo quando um deles atirou no outro.
Enquanto tentava apartar a briga, a mãe também foi atingida por um tiro e morreu. Vendo a cena horrível, o irmão, que atirou nos dois familiares, se matou. Sem herdeiros, o imóvel foi entregue ao governo federal e é administrado pelo Clube das Mães do Brasil. A associação fica ao lado do casarão e oferece atividades para as mães.
Para encontrar esse ponto, basta descer no metrô Marechal Deodoro do metrô (Linha 3-Vermelha) pela saída Theatro São Pedro. Ao sair da catraca, vire à esquerda, já na rua Apa, 236.
Cemitério da Consolação

(Ilari Manuela)
Com mais de 76 mil metros quadrados, é o cemitério mais antigo em funcionamento de São Paulo. Fundado em 1858, o local abriga restos mortais de muitas pessoas conhecidas, como Monteiro Lobato, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Paulo Vanzolini, Tarsila do Amaral, Ramos de Azevedo, Marquesa de Santos, Líbero Badaró e Dona Yayá. Com o enriquecimento da capital, no fim do século 19, passou a expor obras de arte de escultores consagrados, que serviam de ornamentos para os jazigos.
Com três andares, o maior e mais luxuoso mausoléu, quase nos fundos do cemitério, pertence à família Matarazzo. Um fato curioso é que, durante o enterro de umas das mulheres da família Matarazzo, um coveiro enfartou e morreu. Dizem que ele continua andando por lá e trabalha todos os dias. Funcionários contam que já viram almas de famosos rondando os imensos corredores, como a Marquesa de Santos, Monteiro Lobato e Tarsila do Amaral.
Para quem tiver a coragem de checar se é verdade, ou não, basta desembarcar na estação Higienópolis-Mackenzie do metrô (Linha 4-Amarela, lado par) e caminhar sentido avenida Paulista até o número 1.660, já na rua da Consolação.
Igreja Santa Cruz das Almas dos Enforcados

(Anselmo Portes)
Em 1821, o cabo Francisco José das Chagas foi enforcado no que era chamado de Largo da Forca (atual Praça da Liberdade), após pedir melhores salários aos soldados brasileiros. Nas proximidades ficava o Cemitério dos Aflitos, onde eram enterrados escravos, indigentes e criminosos depois de serem enforcados. Ele foi morto depois de várias tentativas, já que a corda rompeu mais de uma vez. O local foi desativado depois da inauguração do Cemitério da Consolação.
Em 1887, foi construída a capela onde ficava o Largo da Forca. Dizem que o local de enforcamento fica exatamente no altar da igreja. Há relatos de que Francisco José das Chagas, conhecido como Chaguinha, é visto sempre rondando os bancos da igreja. Para ver de perto essa história, é só descer na estação Japão-Liberdade do metrô (Linha 1-Azul), pela saída da praça da Liberdade. Ao deixar a estação, você já consegue ver a igreja, que fica à direita, na praça da Liberdade, 238.
Confira abaixo o mapa completo dos fantasmas do centro:

A Capela foi projetada por Ramos de Azevedo, o mesmo arquiteto responsável pelo Teatro Municipal

Capela da Santa Cruz dos Enforcados no bairro da Liberdade

Na Biblioteca Nacional é possível encontrar cartas eclesiásticas definindo o local como amaldiçoado

Em 1972, prédio sofreu um incêndio que começou no terceiro andar