Juliana e Natália são os nomes por trás da administração da padaria mais antiga do Brasil (Andre Lessa)

O plano de Natália e Juliana para colocar a Padaria Santa Tereza, de um século e meio atrás, dois passos à frente da concorrência

  • Com 153 anos de história, a padaria está sob o comando da família Maturana desde 1995, quando o estabelecimento foi revitalizado pela primeira vez
  • O futuro inclui reformas, um espaço para antiguidades e uma proposta mais sofisticada no térreo para atrair turistas e modernizar a experiência do cliente
Por Paula Cristina 20 de Março, 2025 - 17:58
Atualizada às 20 de Março, 2025 - 19:39

[AGÊNCIA DC NEWS] Oriunda da mitologia grega, a figura do deus Cronos, o titã do tempo, é bastante conhecida. Ele, filho de Gaia, matava seus próprios filhos para que eles não o destronassem — exatamente como fez com seu pai, Urano. Por essa razão, Cronos ficou conhecido como o deus do tempo, da longevidade, da subordinação ao relógio. Mas pouco se fala sobre Kairós, irmão de Cronos. Ao contrário do irmão, a ele é dada a interpretação do tempo como sabedoria, oportunidade, qualidade e futuro. Um representa a inflexibilidade do passado, e o outro, a construção do futuro. E, talvez sem nem saber dessa dialética, Natália Maturana, à frente da Padaria Santa Tereza, a mais antiga do Brasil, assume a postura de Kairós para manter viva e com qualidade a padaria fundada em 1872, que completa, este ano, 153 primaveras. Para o futuro, o plano é incorporar novas experiências ao cliente que visitar o local, se tornar referência para o turismo e, em dois anos, ter reformado todo o primeiro andar do prédio na Praça João Mendes, onde está instalada.

Ao lado de sua irmã, Juliana Maturana, a história de Natália se confunde com a própria padaria. Quando ela tinha 7 anos, em 1995, seu avô e seu pai compraram a Santa Tereza. A família, que já administrava outras padarias, morava em Osasco, e as idas de Natália ao empreendimento no centro de São Paulo aconteciam aos finais de semana. “A padaria estava bem degradada. Eu me lembro do meu pai dizendo que não nos deixaria comer aqui.” Depois dessa constatação, a decisão de Marco, pai de Juliana e Natália, foi reformar o espaço e oferecer algo que ele, sem dúvidas, oferecia às suas filhas. “Foi o que ele fez. De 1995 a 1999 reformou todo o interior da padaria. Em 1999, foram feitas obras externas”, afirmou.

Neste período de reformulação do negócio, Natália se lembra de brincar na padaria e passar mais tempo com sua irmã dentro das instalações. “Eu e minha irmã temos menos de um ano de diferença. A gente brincava de dono e cliente aqui na padaria.” O curioso é que a relação cliente x dono de padaria também ajuda a explicar o início da jornada da família Maturana nesta empreitada. Juliana conta que seu avô, Jesus Maturana, era um homem simples que trabalhava como contador para padarias. “Ele estava formando o pai [Marco] para assumir o escritório, já que meu avô não podia responder pelo escritório por não ser formado em contabilidade.” Em determinado momento, ainda na década de 1980, um dos clientes de Jesus mostrou o demonstrativo financeiro de sua pior padaria. “Meu pai, com 16 anos na época, entrou em uma sala do escritório e fez algumas contas. A conclusão foi que a pior padaria do cliente deles faturava mais que o escritório de contabilidade inteiro”, disse.

A partir desse ponto, a família Maturana trocou a calculadora pelo forno de pão. A primeira padaria comprada não foi a Santa Tereza, mas uma localizada em Jandira, onde moravam. “Foi uma espécie de teste”, disse Natália. Animados com o mercado promissor, a busca por boas oportunidades no ramo seguiu Jesus e Marco por vários lugares.

Até que, em 1995, Jesus fez uma ligação ao pai de Natália. “Marco, comprei a padaria Santa Tereza!” Segundo Natália, a reação do pai foi de espanto. “A padaria estava em decadência. Meu pai perguntou se meu avô era louco”, afirmou. Naquele período, o proprietário da Santa Tereza era José Gomes Vaz, um dos herdeiros da família Teixeira Vaz, segundo o Registro Público de Empresas, compilado pela Prefeitura de São Paulo. “Os donos já tinham certa idade e não tinham mais plano de sucessão, por isso venderam”, disse Natália.

A padaria me deu muito. Mas hoje eu sinto que devolvi isso, garantindo que ela seguisse aberta

Juliana Maturana

O primeiro passo da gestão dos Maturana foi determinante para o futuro. O segundo andar do casarão que abriga a padaria era apenas um depósito, um espaço mal utilizado. Com a reforma, transformaram-no em um ambiente mais intimista, para receber clientes que buscavam uma refeição em um espaço mais calmo, diferente do balcão e do alto fluxo que aconteciam no piso térreo da padaria. Para acolher esse novo perfil de cliente, Marco fez algumas mudanças. “Na época, a gente tinha um restaurante italiano. E meu pai trouxe o cozinheiro desse restaurante para cá, foi quando começamos a oferecer refeições completas aqui.” Até então, o único prato da Santa Tereza era a tradicional Canja — que segue no cardápio até hoje.

“Não tinha uma cozinha para vender a canja. Eu não entendo como eles faziam”, afirma Renata. Foi nesse período que novas tradições nasceram na padaria. Além da famosa coxinha de creme e da canja, foram introduzidos ao cardápio filés à Parmegiana, Oswaldo Aranha e algumas massas. “Muito rápido, a notícia do restaurante se popularizou, e como estamos dentro do quadrilátero da Justiça, havia muita procura”, disse.

Na virada do milênio, a padaria ia de vento em popa. Havia fila para comer no balcão, e era comum ver advogados jogando a gravata para trás dos ombros para não se sujar de molho. “Foi nesse momento que eu comecei a trabalhar efetivamente na padaria”, conta Natália.

FAMÍLIA NA PADARIA –Para entender como a história recente da Santa Tereza se mistura com a dos Maturana, é necessário fazer um adendo. Marco teve quatro filhos, e três deles seguiram áreas profissionais que agregaram à padaria. Marco Junior fez administração; Natália fez nutrição; e Juliana, direito. Já no fim da adolescência, todos eles já trabalhavam lá. “A gente cresceu sabendo que precisávamos ter algo para acrescentar na família.”

A princípio, o escolhido para tomar a frente dos negócios era Marco Filho, o único homem entre os quatro filhos. “O mundo é machista, né? A ideia inicial era que quem daria continuidade ao trabalho do meu pai e avô seria meu irmão”, disse. Mas o tempo se encarrega de brincar com as expectativas. Em algum momento, no início dos anos 2000, Juliana começou a ajudar na parte administrativa e financeira da padaria.

Até 2007, o papel dos três irmãos era de suporte: Juliana no financeiro, Natália no controle de qualidade e Marco Filho na administração geral. Mas, nesse ano, um episódio mudou o cenário. “Meu avô faleceu. E isso mexeu muito com o meu pai. Eles eram melhores amigos, acho que muito além de serem pai e filho.” A proximidade dos dois e o forte abalo para Marco fizeram-no se afastar da padaria. “Então, nós tivemos que abraçar cada um uma parte do negócio e tocar o barco”, disse. Mais de 10 anos depois, em 2018, Marco Filho precisou deixar a Santa Tereza para cuidar de outro empreendimento da família. Desde então, a centenária padaria ficou sob os cuidados das irmãs. “Então, a gente teve que se desdobrar mesmo. Juliana cuida mais do financeiro e administrativo, e eu cuido do restante.”

Ao todo, a família possui três padarias: a do Centro, a do Jardins e a de Pinheiros. A única administrada apenas pelos Maturana é a Santa Tereza. “São nomes diferentes, propostas totalmente diferentes.” Embora as receitas financeiras das empresas sejam distintas, a Santa Tereza, que possui uma cozinha praticamente industrial, é de onde saem, por exemplo, os salgados fritos que abastecem as duas outras unidades.

VIRADA DE CHAVE – Foi na pandemia de 2020 que Natália sentiu, pela primeira vez, medo de não conseguir sustentar a operação. “Em padarias comuns, o movimento caiu 30%. Aqui, caiu 90%”, muito dependente do funcionalismo público que trabalhava no Centro. O home office trouxe a operação para perto do zero. “Foi quando concluímos que era hora de trabalhar a marca. Trazer o turismo para cá”, disse. Segundo ela, atualmente, 40% dos clientes são pessoas que vieram passear no Centro. “Há dez anos, esse número era próximo de zero”, conta.

Para estimular os clientes, Natália e Juliana começaram a investir em relíquias do passado, formando uma espécie de antiquário. “A ideia é fazermos um espaço exclusivamente para esses itens, onde os clientes possam andar, conhecer e tirar fotos”, disse. Hoje, o acervo está espalhado por vários pontos da Santa Tereza.

O térreo da padaria, onde deverá repousar o acervo histórico, também passará por mudanças nos próximos anos. A ideia é diminuir a área do balcão para dar mais espaço para os funcionários da chapa, além de refinar o estilo do salão. “Eu quero descer a sensação de acolhimento, elegância e conforto do segundo andar para o primeiro”, afirmou Natália. “Quero que o cliente se surpreenda lá da mesma forma que se surpreende quando sobe.”

O PRÉDIO – O tom intimista e acolhedor encontrado no segundo andar da padaria tem um motivo. Segundo registros públicos de bens e imóveis da prefeitura de São Paulo, o prédio onde está instalada a Santa Tereza foi construído entre 1860 e 1870 para ser moradia. Além dele, outros imóveis como o prédio do Largo de São Gonçalo (antigo nome da Praça João Mendes) e o Pathé Palace, que foi inaugurado apenas em 1913, mas já estava reservado para construção desde o século anterior, também nasceram com o propósito de serem moradias, ainda que seu uso, anos depois, fosse comercial. Há uma lenda, inclusive, de que o próprio João Mendes teria morado no prédio da Santa Tereza. Essa informação, no entanto, não pôde ser comprovada pelos registros públicos, mas não seria impossível de ser verdade, já que o intelectual residiu, sim, em algum dos casarões da região.

Mas o número 150, na Praça João Mendes, não foi o primeiro local onde a Santa Tereza esteve. Entre 1872 e 1945, a padaria ficava na Rua Santa Teresa, de frente para a área que era chamada de Largo de São Gonçalo. Em 1945, a via deixou de existir para dar lugar à construção do que hoje chamamos de Praça João Mendes.

Resistente aos tempos difíceis, no melhor estilo de Cronos, a Santa Tereza segue firme, acompanhando o ponteiro do relógio. Mas, depois de atravessar a pandemia, precisar rever sua operação e buscar formas de conectar o passado a um futuro ainda melhor, Natália e Juliana fazem o papel de Kairós, fazendo valer cada segundo. “A padaria me deu muito, deu muito à minha família. Mas hoje eu sinto que devolvi isso, garantindo que ela seguisse aberta, imponente e em busca de seu melhor momento.”

Santa Tereza

Praça Dr. João Mendes, 150
Segunda a sexta das 06:00 às 20:00 e aos sábados e domingos das 06:00 às 19:00
(11) 3111-1030
Instagram: @padariasantatereza