[AGÊNCIA DC NEWS]. Padarias de origem italiana são outra marca registrada de São Paulo. Algumas já ultrapassaram de longe a marca dos 100 anos e continuam aguçando os paladares paulistanos. Mas qual é a receita de sucesso desses estabelecimentos tão típicos da cidade? Três empresários contam o trajeto até aqui. Os ingredientes, dizem eles, incluem tradição e inovação. Em doses equilibradas para que a fórmula do sucesso não asse além da conta. Inclua fórmulas tradicionais, atendimento personalizado e uma cultura capaz de atravessar gerações. E esse é o mise en place nas padarias 14 de Julho (128 anos em 2025), Carillo (113 anos), São Domingos (112 anos em 2025) e Basilicata (110 anos).
Em meio a um universo de 5,2 mil padarias espalhadas pela capital paulista, as padocas tradicionais persistem. Fundada em 1897 por Rafaelli Franciulli, a 14 de Julho mantém três pratos tradicionais desde o início: o pão italiano, os antepastos e o cannoli. O pão italiano também é o prato tradicional mantido pela família Carillo desde 1912. Além da longevidade e das receitas italianas, esses locais têm outra característica em comum: a tradição. Apontada como chave de sucesso, ela tem sido mantida por gerações. Domenico Laurenti, que comprou a Basilicata em 1942 não sabia fazer pão, mas conquistou clientela fiel – são produzidos até cinco mil pães por dia.
14 DE JULHO – Mecânico de profissão, o italiano Rafaelli veio ao Brasil para abrir uma oficina. Mas seus pães, feitos para atender inicialmente sua grande família, fizeram tanto sucesso entre os vizinhos que o negócio mudou. A oficina virou padaria. O negócio prosperou e chegou a ser passado de pai para filho. Mas um acidente na família fez com que o empreendimento fosse vendido em meados de 1980. A recompra da padaria pela família Franciulli aconteceu há cerca de 30 anos por Alexandre, neto do fundador. Aos 54 anos, formado em Direito, ele fez a transição de carreira ao comprar o local e virar padeiro.

Fundador da Federação Italiana dos Chefs no Brasil (FIC Brasile), Alexandre revelou em entrevista recente à Agência DC NEWS que aprendeu tudo na padaria (e na cantina) com os pais e a avó (espanhola). Atualmente, a padaria produz cerca de 1.800 pães por dia. “Mas já chegamos a fazer 12 mil, quando vendíamos para grandes redes de supermercados”, disse Alexandre. No estabelecimento, ele trabalha com os dois filhos e a esposa, que cuida da parte administrativa. “E assim vamos indo.” A padaria tem 18 funcionários e a cantina, 11. Sua irmã, Sandra, administra outra padaria, a Italianinha.
A padaria mantém no cardápio três pratos desde a abertura: o pão italiano, os antepastos e o cannoli. “As receitas essencialmente são as mesmas, mas com o passar do tempo fizemos melhorias”, disse Alexandre. “Os antepastos, por exemplo, que só tinham poucos sabores, hoje tem mais de 70.” O cannoli, feito inicialmente apenas com ricota, se atualizou. Seguindo tendências, surgiram os recheios de pistache e a nutella. O perfil dos clientes iniciais era composto apenas de famílias italianas que viviam na região. Com o passar do tempo, os filhos e netos das primeiras famílias passaram a comprar. E assim a vinda à padaria se tornou tradição passada através das gerações. Localizada na rua 14 de Julho, no bairro da Bela Vista – bairro central apelidado de Bixiga – a padaria funciona todos os dias.
Foi durante uma aula sobre patrimônios históricos da cidade que me toquei que existia um na minha família. Ele valia a nossa preservação


(Facebook/Reprodução)
CARILLO – Já no caso da padaria Carillo, aberta em 1912, foram Rafaelle e seus nove filhos que deram início ao negócio. O bisavô de Guilherme (atual coproprietário) começou no Belenzinho, e em meados dos anos 1980 mudou-se para a Mooca. Um modesto ponto de apenas 50 m², a unidade da Mooca foi reformada, e agora tem cerca de 1.000 m². “Meu bisavô fazia pães apenas para alimentar a família, mas depois começou a vender e entregar a cavalo”, disse Guilherme. “Não tinha uma estrutura de padaria, os pães eram feitos da cozinha da casa da família.”
Com a morte do bisavô, em 1959, o negócio passou para os filhos, e em 1988, Paschoal, avô de Guilherme assumiu. As entregas continuaram a ser o forte do negócio, mas migraram do cavalo para a bicicleta. Em 2003, quando a saúde do avô ficou comprometida, o Guilherme decidiu começar a trabalhar no negócio da família ao lado do irmão Gabriel.

(Leo Martins/Divulgação)
“Eu estava cursando a faculdade de Turismo quando tive a ideia de assumir os negócios da família”, afirmou Gabriel, de 40 anos. “Foi durante uma aula sobre patrimônios históricos da cidade que me toquei que existia um na minha família. Ele valia a nossa preservação.” Desde então, a tradição acompanha essa nova fase da Carillo. O pão italiano e os pães trançados, produtos presentes no cardápio original do estabelecimento, são mantidos até hoje. No começo o pão italiano tinha quatro quilos. Hoje pesa 400 gramas, mas segue com a mesma receita.
Já o pão trançado manteve a receita, mas os recheios mudaram. No começo, eram feitos apenas com calabresa. Agora, contam com diversas opções, como o queijo, recheio muito pedido pelos consumidores. Para atender os clientes que vão até a avenida Álvaro Ramos, a casa funciona todos os dias.

(Divulgação)
BASILICATA – Com 95 funcionários e instalada entre as cantinas da movimentada Rua 13 de Maio no bairro do Bixiga, a Basilicata, fundada há 110 anos, passou por uma reforma em 2017, com a instalação de empório no térreo e restaurante na parte superior. A história começou com Filippo Ponzio, que nasceu em 1886, trabalhou como agricultor e aprendeu a fazer pão com as mulheres da família. Hoje, o negócio é tocado pela família Laurenti e Lorenti. E sim, uma família só: o primeiro é uma variação do segundo.
A segunda geração veio com Domenico Laurenti, que virou Domingos ao chegar ao Brasil, em 1926. Trabalhou como vaga-lume – nome dado aos trabalhadores que acendiam os lampiões a gás na cidade –, guarda civil e… dono de padaria. Comprou a Basilicata em 1942, alguns anos depois de ir trabalhar no estabelecimento, a convite de Filippo. Curiosamente, não sabia fazer pão, mas conseguiu tocar o negócio com competência e conquistou clientela fiel.

(Acervo pessoal)
SÃO DOMINGOS – Atualmente com 40 funcionários, a São Domingos foi inaugurada em 1913 também no Bixiga, italiano Domenico Albanese. A padoca fica ao lado da movimentada Radial Leste, avenida que liga o Centro da cidade ao chamado Minhocão. No final dos anos 1960, a família Albanese quase perdeu o ponto. É que o Poder Público queria desapropriar o local para as obras da Radial Leste. À época, dona Anita Albanese, a proprietária, não deixou. Falou com todas as pessoas que conhecia (e que não conhecia também), fez o caso chegar às autoridades e obteve êxito. “Desviaram 2 metros da obra e deixaram a padaria intocada”, disse Silvio Albanese, 64, filho de Anita.
Formado em Administração, Silvio conta que um dos fregueses célebres da padaria era o compositor Adoniran Barbosa – também descendente de italianos – e que nunca teve dúvidas de qual seria seu destino profissional. “Fui criado na padaria. Cresci vendo minha mãe e meu pai (Domingos) fazendo pão”, disse.
