Vista aérea do centro: retrofit precisa ser feito para incluir os novos comportamentos das pessoas (USP Imagens)

Perpetuar conceitos anacrônicos pode fadar o Centro à eterna exclusão 

  • Em resposta às mudanças climáticas, Amsterdã, na Holanda, tem praças de água para mitigar enchentes e ao mesmo tempo criar espaços de convivência
  • Na capital paulista, iniciativas como o Parque Fazendinha, no Jardim Colombo, em Paraisópolis, combina urbanização sustentável com ações comunitárias
Por Letícia Franco 26 de Fevereiro, 2025 - 14:53
Atualizada às 20 de Março, 2025 - 16:29

[AGÊNCIA DC NEWS]. Regeneração significa, pela etimologia, dar nova vida. No urbanismo, a cidade regenerativa é o futuro. É (re)pensar o local habitado a partir de sua própria estrutura para mitigar danos e considerar não apenas os seres humanos para revitalizar ecossistemas urbanos e sociais. Explicado o conceito, é preciso imaginá-lo na prática. Pense em uma São Paulo regenerativa, na qual o Minhocão, via localizada no Centro, se transforma em parque. Para respirar, conectar e incluir. Diferentemente do que já foi feito na cidade, recriada e remodelada ao longo de 471 anos, a partir de seus centros econômicos. Em ordem cronológica: Centro Histórico, Paulista, Faria Lima e Berrini. “Essas mudanças causaram exclusão, percebida na habitação, mobilidade e outras áreas”, afirmou o arquiteto paulistano, mestre em semiótica urbana pela USP e coordenador no Instituto Europeu di Design – IED São Paulo, Alexandre Salles, que, à frente do Estúdio Tarimba, atua no projeto de retrofit do Basílio 177, antiga sede da Telefônica, no Centro. 

O retrofit é um primeiro passo. Para o Centro da cidade, por exemplo, há o Programa Requalifica Centro (Lei 17.577/21), que estabelece incentivos fiscais e edilícios para estimular a requalificação (retrofit) de prédios antigos da região. “É preciso contemplar a habitação social e promover serviços e empregos mais próximos dos moradores”, disse. É um ecossistema. E para ele, há urgência de planejar São Paulo para as próximas décadas por meio de três pilares: sustentabilidade, como fez Amsterdã, inovação como a de Songdo, na Coreia do Sul, e inclusão, a exemplo de Mumbai. Seja pelas mudanças climáticas que intensificam enchentes, ilhas de calor e poluição, desigualdade social ou mobilidade ineficiente.

Antes de pensar em soluções práticas, é fundamental entender o papel das pessoas na regeneração urbana. A transformação de uma cidade exige mais do que obras físicas: requer uma mudança cultural, na qual os habitantes se envolvam no processo e adotem comportamentos sustentáveis. A regeneração não se limita a intervenções arquitetônicas ou políticas públicas, mas inclui o engajamento comunitário e a criação de uma cidade que reflita as necessidades e os valores de quem vive nela. É a partir desse princípio que ideias como o retrofit, as cidades inteligentes e as soluções verdes podem realmente ganhar força. A seguir, Salles aponta cidades no exterior e no Brasil (re)moldadas seja pela sustentabilidade, inovação ou inclusão, e como São Paulo pode olhar para o futuro e se regenerar.

MAIS VERDE – Quando o assunto é mitigar danos e criar ecossistemas sociais, o arquiteto cita inspirações práticas. Cheonggyecheon, em Seul, que converteu um rio canalizado em um parque linear, e as praças de água de Amsterdã, que mitigam enchentes e criam espaços de convivência. Enquanto o projeto BIG U, em Nova York, demonstra como a infraestrutura pode proteger contra desastres climáticos. Outra referência é Masdar City, nos Emirados Árabes Unidos, uma cidade planejada para ser carbono zero, que demonstra como tecnologias sustentáveis podem transformar o planejamento urbano. No Brasil, iniciativas como as de Recife, com foco no manejo de águas pluviais e áreas verdes, mostram que adaptações climáticas podem ser integradas a contextos nacionais.

Exposição na CasaCor reflete sobre a desconstrução de estereótipos na religião de matriz africana
(Divulgação)

Além de lidar com as consequências das mudanças climáticas, a criação de áreas verdes pode desempenhar um papel crucial no bem-estar urbano. Espaços como parques, praças e corredores verdes reduzem as ilhas de calor, melhoram a qualidade do ar e promovem a biodiversidade. Para os habitantes, essas áreas representam mais do que um alívio ambiental: são locais de convivência, lazer e segurança. Segundo Salles, em São Paulo, projetos como o Parque Minhocão ou a ampliação do Parque Ibirapuera poderiam ser pontos de partida para devolver à população áreas que antes eram ocupadas pelo caos urbano.

A internet permite que moradores e gestores participem ativamente do planejamento urbano

Alexandre Salles

CIDADE INTELIGENTE – Conectar para regenerar. Cidades inteligentes são uma peça-chave para revitalizar, afirmou Salles. Em São Paulo, a conexão consiste no planejamento urbano com tecnologias para melhorar a mobilidade, otimizar recursos e integrar os cidadãos. Songdo, na Coreia do Sul, é um exemplo de cidade planejada do zero, com sistemas automatizados de coleta de lixo e edifícios energeticamente eficientes. Já Barcelona, com seu programa Smart City Barcelona, introduziu postes de luz que geram energia solar e sensores para monitoramento de resíduos. Ao olhar para a mobilidade, há Copenhague, onde 62% da população se desloca de bicicleta, e o High Line, em Nova York, que revitalizou bairros degradados. Por aqui, o arquiteto afirmou que Curitiba se destaca por suas soluções de mobilidade sustentável e integração urbana. “O uso de solo planejado e zonas mistas, por exemplo, servem como espelho para São Paulo e outras metrópoles.”

Retrofit feito pela construtora Somauma, no edifício RBS, no centro de São Paulo
(Jomar Bragança)

Outro aspecto fundamental das cidades inteligentes é a democratização do acesso à tecnologia. De acordo com Salles, iniciativas como a implementação de internet gratuita em espaços públicos e sistemas de dados abertos para os cidadãos podem ser transformadoras. “Esses recursos não só garantem maior inclusão digital, mas também permitem que moradores e gestores tomem decisões informadas e participem ativamente do planejamento urbano.” A tecnologia, nesse caso, não é um fim, mas um meio para construir uma cidade mais equitativa e conectada.

INCLUSÃO De onde viemos e para onde vamos? É justamente de soluções que incluem o passado, presente e futuro que ocorre a regeneração. E de acordo com Salles, já existem exemplos na própria cidade. Iniciativas como o Parque Fazendinha, no Jardim Colombo, em Paraisópolis, que combina urbanização sustentável com ações comunitárias, e o movimento G10 Favelas, que fomenta empreendedorismo, já mostram a integração social na capital paulista. Para o especialista, lá fora, no Chile, o projeto Quinta Monroy, de Alejandro Aravena, permite criar habitações sociais ampliáveis pelos próprios moradores, com um modelo de inclusão adaptável às realidades locais. Em Medellín, na Colômbia, teleféricos conectam comunidades periféricas ao centro urbano. Ou seja, integração econômica e social. Já os projetos de slum upgrading em Mumbai, Índia, trazem infraestrutura básica sem desarticular o tecido social

A inclusão não se limita ao acesso à infraestrutura e serviços básicos; ela também envolve a valorização das identidades e culturas locais. Em São Paulo, bairros periféricos carregam uma rica história cultural, que para Salles, muitas vezes é negligenciada nas estratégias de desenvolvimento urbano. Para o especialista, programas que incentivem a criação de centros culturais e a promoção de eventos comunitários são essenciais para integrar essas comunidades ao restante da cidade, ao mesmo tempo que preservam suas características únicas. Afinal, regenerar significa incluir, e incluir é reconhecer o valor de todos que habitam a metrópole.