[AGÊNCIA DC NEWS]. Há muitos fatores que fazem uma cidade se tornar metrópole. A força comercial portuária, como é o caso de Lisboa (Portugal), Londres (Reino Unido) e Antuérpia (Bélgica). A residência oficial de reis e imperadores, como Paris (França), Tóquio (Japão) e Madri (Espanha). Há ainda aquelas que cresceram por estratégia militar, como Moscou (Rússia). Outras se tornaram metrópole pelo acúmulo de riqueza ao longo da história, como Nova Déli (Índia), além de cidades como Cairo (Egito), onde o peso da religião a tornou gigante. Mas e São Paulo? Desde 1963 é a maior cidade do país e responde, desde então, por 10% das riquezas totais do Brasil. Como isso aconteceu?
Sem porto, sem residência oficial dos líderes nacionais, sem apelo religioso e pouco importante na estratégia militar. Como a maior cidade da América Latina e quinta maior do mundo se consagrou neste espaço? A resposta não poderia ser mais curiosa: por acidente. Até o século 18, a representatividade de São Paulo para o Brasil era mínima, e nunca houve um motivo determinante para a cidade se tornar o coração comercial ou financeiro do país, tampouco um plano traçado por governantes, religiosos ou intelectuais. Foi uma confluência de acasos, no melhor estilo brasileiro de ser.
Quando olhamos para trás, outras cidades brasileiras apresentavam um potencial maior para se tornar o coração econômico do Brasil. No Rio de Janeiro, residia a cúpula da monarquia portuguesa. Salvador recebeu o primeiro porto do Brasil, e ele ficava mais perto para as navegações à Europa. Em Mariana (MG), houve a primeira explosão na mineração de ouro, e uma tropa de endinheirados se mudou para a região de Belo Horizonte.

Em Porto Alegre (RS), mais dois motivos: o clima mais frio acolheu boa parte da elite europeia que desembarcava no Brasil. Também foi por lá que nasceram muitas das estratégias militares portuguesas para não perder território para outros colonizadores das Américas. “A construção de São Paulo foi única”, disse João Tomas do Amaral, presidente do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP). Segundo ele, enquanto alguns fatores impulsionaram o crescimento de outras cidades, como ser limítrofe do mar (caso do Rio de Janeiro e de Salvador), o fato de São Paulo ter sido construída em uma planície abriu espaço físico para que se tornasse muito densa do ponto de vista populacional. O problema é que só isso não basta. Se a área fosse capaz de definir o tamanho de uma cidade, Altamira (PA), com seus 159,5 mil km², seria 105 vezes maior que São Paulo e seus 1,5 mil km² de área.
Em 1822, segundo a Synopse de Recenseamento, feita pela Corte portuguesa, a cidade de São Paulo possuía 22 mil habitantes. A mesma pesquisa indicava que o Rio de Janeiro (então capital do Brasil) era a maior cidade do país, com pouco mais de 220 mil habitantes. Na sequência, surgiam Salvador (111,2 mil habitantes) e Recife (101.7670 habitantes).
A construção de São Paulo foi única e como se tornou uma metrópole também

Segundo Joana Monteleone, pesquisadora, historiadora e vencedora do Prêmio Jabuti, de 1554, ano da fundação, até o século 19, a região de São Paulo não cresceu quase nada. “Viviam por aqui apenas os portugueses, indígenas e jesuítas, no que era considerada uma aldeia colonial”, disse. De acordo com ela, foi só com a chegada do ciclo do café, a construção da ferrovia Santos-São Paulo, em 1860, e a vinda dos imigrantes portugueses e italianos, no final do século 19, que a região ganhou corpo.
A ERA DO CAFÉ – Segundo a prefeitura de São Paulo, o primeiro produtor de café em São Paulo (que começou a ser plantado na região Norte do Brasil) foi o militar José Arouche de Toledo Rendon, em 1796. Ele plantou café no sítio que possuía na margem direita do Tietê, conhecido como Casa Verde, bairro da Zona Norte.
Entre 1821 e 1830, segundo dados do acervo do IBGE, o Brasil exportou 3,2 milhões de sacas de café. Segundo Viviane Laje, historiadora especializada na cidade de São Paulo, esse volume, para a estrutura econômica, foi pífio, já que toda a tributação era feita no Rio de Janeiro. “São Paulo era uma espécie de lavoura afastada, um subdistrito do Rio. Não havia independência econômica”, afirmou.

(Acervo da Associação União dos Italianos no Mundo- UIM Brasil)
Neste ritmo, até a segunda década do século 19 a forma como o cultivo de café se estruturava era cara e não compensava as dificuldades encontradas pelos produtores. Além do alto custo do transporte até o Rio de Janeiro (já que o porto de Santos foi inaugurado em 1892), não havia grandes aportes, públicos ou privados, de estímulo à região. Neste momento acontece o primeiro fator econômico que trouxe dinheiro para São Paulo. As lavouras tradicionais do Nordeste começam a decair – reflexo, entre outras coisas, da abertura econômica brasileira e a entrada de produtos estrangeiros. Com isso, o café, até então pouco representativo, começou a ganhar peso na balança comercial e, com isso, colocou São Paulo na rota de investidores.
Em 1860, algumas lavouras começam a se tornar inutilizáveis em função do mau uso das terras, muitas delas no Norte e Nordeste. Nesta esteira, o volume produzido para exportação em São Paulo e região entre 1861 e 1870 bateu 29,1 milhões de sacas. Na década seguinte, foram 51,6 milhões. “Neste momento, São Paulo já era o maior exportador do grão do Brasil”, disse Viviane. Ao fim do século, a economia nacional se torna altamente dependente do desempenho do café, com esse produto respondendo por mais de 70% das exportações.
Mas se eram cidades como Campinas e Ribeirão Preto que abrigavam as lavouras e Santos tinha condições de receber um porto, por que a cidade de São Paulo se beneficiou? Foi por aqui que os barões do café se mudaram, acompanhado de políticos e da elite intelectual. A resposta está no livro O Triunfo da Cidade, do economista Edward Glaeser. Segundo ele, foi a implementação do transporte sob trilhos que garantiu o desenvolvimento mais rápido da economia local. Com estímulo público para construção de trilhos, a cidade recebeu investimentos diretos para expansão pela primeira vez. E aproveitou.

(Câmara Luso Brasileira / Acervo)
A Estrada de Ferro Santos-Jundiaí foi inaugurada em 1867. Com o primeiro trecho em funcionamento, um grupo de fazendeiros criou a Companhia Paulista para construir um novo trecho que avançasse pelo interior. Em 1872, foi inaugurada a estrada que ligava Jundiaí a Campinas. O lugar onde todos os trilhos se encontravam? A capital paulista. “Um trajeto que levava um mês passou a ser feito em dois ou três dias”, disse Viviane. E São Paulo, pela primeira vez na história até então, se tornou a ligação entre o interior e o litoral.
Foi nesse impulso que nasceram vertentes que se tornaram marcas de São Paulo. Segundo Joana Monteleone, os primeiros negócios de grande porte formados na capital paulista foram os bancos e os escritórios de advocacia, tudo para atender os interesses dos barões do café. “Os bancos da rua 15 de Novembro atendiam quem precisava de financiamento, por exemplo. Já os escritórios de advocacia foram impulsionados pelos formandos da faculdade de Direito criada no Largo São Francisco, em 1827.” Ainda no século 19, foram instalados escritórios de negociação do café, como a Bolsa do Café, também localizada na 15 de Novembro.
VEIA INDUSTRIAL – Com as lavouras cheias e a atenção da capital, São Paulo começou a fortalecer outras bases. Com a abolição da escravidão, em 1888, as lavouras no estado precisaram encontrar trabalhadores livres para ocupar os lugares dos homens escravizados. Uma das soluções encontradas foi trazer imigrantes da Europa – com subsídio do governo para os fazendeiros.
Mas, aqui, outro golpe do destino. A maior parte dos imigrantes que chegaram após a unificação de países da Europa possuía, em seus países de origem, trabalhos urbanos. Eram sapateiros, padeiros, artesãos, costureiros, peões de fábrica. Não demorou para que eles largassem as lavouras e seguissem os trilhos do trem e desembarcassem na cidade de São Paulo. Dados do Serviço de Imigração e Colonização indicam que de 1885 a 1939 entraram no estado de São Paulo 2,3 milhões de imigrantes. A maioria (65%) chegou entre 1885 e 1914, transformando a capital em uma cidade formada principalmente por estrangeiros. Italianos, portugueses, espanhóis e japoneses formavam os maiores grupos.

A primeira indústria da cidade de São Paulo foi a fábrica de tecidos fundada em 1872 pelo major Diogo Antônio de Barros, veterano da guerra do Paraguai que havia viajado à Europa para estudar processos industriais. Em 1895, segundo o acervo do IBGE, havia 54 empresas registradas em São Paulo, em sua maioria têxteis e serraria, fundições e fósforos.
Segundo Joana Monteleone, foi a junção da industrialização com a chegada dos imigrantes que construiu uma nova cara para São Paulo. “O exemplo mais famoso é a família Matarazzo, que teve forte participação nesse desenvolvimento”, disse. As fábricas da família, que ficavam no Brás, produziam lápis e molhos de tomate. Já o Edifício Matarazzo era onde eles se reuniam para tomar decisões de negócios. “Além das fábricas, também chegaram as primeiras indústrias, que trouxeram desenvolvimento populacional e financeiro para o Centro.” Francesco Matarazzo chegou ao Brasil em 1881. Em 1933, 45% das fábricas paulistas pertenciam a estrangeiros.
VIA COMERCIAL – Enquanto a indústria se organiza, outra forte característica começava a se desenvolver em São Paulo: o comércio. No final do século 18 os imigrantes árabes fortaleceram um hábito ainda pouco explorado em São Paulo, os mascates. Homens carregados com bolsas cheias de especiarias, produtos e bugigangas abasteciam o estoque no Centro de São Paulo e rumavam para o interior utilizando os trens da capital. Eles se encontravam, majoritariamente, na região que hoje chamamos de 25 de Março.

Alguns deles cresceram, abriram lojas na região e representações comerciais em uma São Paulo ainda incipiente no comércio, mas com estrutura para negócios deste tipo. Segundo Viviane, foi nesta época que as tradicionais receitas culinárias europeias também ganharam espaço no Brasil, inclusive o tradicional pãozinho francês. “Foi uma confluência de fatores. A farinha branca, agora refinada pelos Matarazzo, permitiu a fabricação de pães e massas por valores bem inferiores”, disse Viviane.
Foi no começo do século 20 que a cidade conseguiu diversificar sua economia a ponto de suportar eventuais crises e se manter como o destaque econômico brasileiro. Indústria, comércio e agronegócio dividiram o protagonismo da economia local, garantindo que, se um dos pilares fossem mal economicamente, não haveria uma desestruturação total da economia.
Menos vulnerável, a cidade de São Paulo se tornou uma região segura para banqueiros. E na década de 1960 os grandes bancos paulistas – Bradesco, Itaú e Banespa – se consolidaram e ganharam escala. Outros nomes, como Banco Holandês, Chase Manhattan, Garantia, Citibank, Banco do Brasil, Banco Mercantil de Pernambuco também se mudaram para São Paulo. A consequência mais marcante deste movimento se deu nos anos 1970, quando as nove Bolsas de Valores existentes no país enviaram suas operações para a Bovespa e para a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro (Boverj). No início de 2000, a Bovespa concentrava grande parte dos negócios, dado o maior número de empresas listadas, a maior escala e menores custos de operação. Isso resultou em acordo de integração das duas Bolsas. Foi como aceitar que há cidades que nascem para ser grandes, e outras se tornam gigantes pela ordem do acaso.

Avenida São João no bairro de Santa Cecília, tirada em 1930. O Edifício Martinelli ao fundo e o Castelinho da Rua Apa no plano intermediário

Foto tirada em 1930 na antes conhecida como Rua do Hospício. Com o avanço da economia, os trilhos de trem começaram a cortar São Paulo