Pessoas caminham na Praça do Patriarca. População flutuante na região central supera a 2 milhões por dia (Marcos Santos/USP Imagens)

Os números insuperáveis do Centro mostram tanto os desafios quanto as oportunidades

  • A população flutuante dos oito distritos da região central (2 milhões de pessoas) a tornaria a segunda maior cidade do estado e a oitava maior do Brasil
  • Atualmente existem 2,3 mil empresas no Centro Histórico. Fluxo de passageiros apenas nas oito estações de metrô da região ultrapassa 600 mil pessoas por dia
Por Letícia Franco 20 de Janeiro, 2025 - 15:52
Atualizada às 20 de Março, 2025 - 9:58

[AGÊNCIA DC NEWS]. Não há argumento mais simples para entender por que a região central de São Paulo é um lugar de problemas complexos e, ao mesmo tempo, dona de enorme potencial econômico e sociocultural. Seus números. Essa é a resposta. Nos oito distritos que integram a Subprefeitura da Sé (Bela Vista, Bom Retiro, Cambuci, Consolação, Liberdade, Santa Cecília, República e Sé) circulam diariamente 2 milhões de pessoas, 611 mil delas pelo metrô, e vivem 431 mil. Apenas a população flutuante já tornaria a região a segunda maior cidade do estado e oitava maior do país. Os números grandiosos se repetem no âmbito corporativo. Só no Centro Histórico, há 2,3 mil empresas ativas nos ramos de comércio e alimentação.

Tudo numa área de 27 km², quatro vezes menor que a Disney de Orlando (Flórida). Por lá passam, em média, 120 mil visitantes por dia, já pela região central 2 milhões. Enquanto nos parques há cerca de 1,6 mil pessoas por km², no Centro Histórico esse número ultrapassa 74 mil. Mesmo comprado a grandes capitais brasileiras os números impressionam. A população flutuante da região central praticamente equivale à de capitais como Fortaleza (2,4 milhões), Salvador (2,4 milhões) ou Belo Horizonte (2,3 milhões), mas essas pessoas ocupam um espaço 11 vezes menor que o de Fortaleza, 12 vezes menor que Belo Horizonte e 25 vezes inferior à Salvador.

Essa numeralha torna o Centro um caleidoscópio lindo ou assustador, dependendo de cada olhar. Porque ao misturar milhões de pessoas e milhares de empresas num espaço territorial relativamente pequeno já seria bem desafiador. E fica ainda mais intenso ao acrescentar a esse caldeirão dois outros elementos – um, conjuntural; outro, estrutural. Pelo lado conjuntural, o maior fenômeno foi a migração de sedes das principais instituições financeiras para outras regiões da cidade, como Paulista e posteriormente Faria Lima, que arrastou parte dos serviços, bares e restaurantes que atendiam os funcionários dessas empresas. Pelo lado estrutural, é difícil escapar do vaivém econômico que não destrava o Brasil há décadas e amplificou a desigualdade social que culminou em inúmeras consequências, mas uma das mais visíveis é a população em situação de rua. E no Centro se concentra boa parte delas.

ECONOMIA – Encarar as questões de forma transparente e direta é o caminho para a revitalização desse espaço. “Políticas públicas destinadas à infraestrutura, segurança e estímulo ao empresariado são meios para impulsionar a revitalização do Centro”, disse o economista da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), Ulisses Ruiz de Gamboa. A rua 25 de Março, considerada um dos maiores polos abertos de compras do mundo e o maior da América Latina, tem uma extensão de 1,3 km e por lá passam, diariamente, cerca de 400 mil pessoas. Às vésperas de datas comemorativas, como Dia das Mães e Natal, o volume pode dobrar.

Para dar vazão a esse fluxo numa região em que o tráfego de veículos privados é reduzido, devido aos calçadões, boa parte das pessoas se desloca por baixo da terra. A Companhia do Metropolitano de São Paulo registra 611 mil passageiros em um dia útil nas oito estações da região: Sé (176 mil), Luz (139 mil), República (124 mil), São Bento (56 mil), Anhangabaú (54 mil), Santa Cecília (23 mil), Japão-Liberdade (22 mil) e Tiradentes (17 mil). Só no Centro Histórico – nas estações Sé, São Bento e Anhangabaú – são 286 mil pessoas.

Políticas públicas destinadas à infraestrutura, segurança e estímulo ao empresariado são meios para impulsionar a revitalização do Centro

Ulisses Ruiz Gamboa

E aqui cabem mais comparações. Em Nova York, nos Estados Unidos, 5 milhões de pessoas cruzam a cidade por metrô. Mas elas o fazem por meio de 468 estações, resultando em uma média diária de 10,6 mil passageiros por estação todos os dias. Somando as oito estações da região central paulistana, a média diária por estação fica em 76,3 mil pessoas, sete vezes mais. Se restringirmos ao Triângulo Histórico, a conta resulta em 95,3 mil passageiros por dia em cada uma delas.

E se em algum momento a expectativa foi que o crescimento do e-commerce pudesse arrefecer esses números (ao transformar compradores físicos em virtuais), o economista da ACSP Ulisses Gamboa chama atenção para um novo impulsionador da presença de pessoas na região central, a transferência da sede do governo estadual do Morumbi para a região dos Campos Elíseos. “Embora a transferência seja concluída daqui a cinco anos, estima-se que 22 mil funcionários passarão a circular no Centro”, disse.

Movimento na região da Ladeira Porto Geral e rua 25 de Março antes do Natal
(Paulo Pinto/Agência Brasil)

MUDANÇA DO PALÁCIO – O Palácio dos Campos Elíseos foi a sede do governo estadual até metade dos anos 1960, quando se mudou para o Palácio dos Bandeirantes, no Morumbi. Dois anos depois, em 1967, o edifício sofreu um incêndio devastador. Desde então, o Campos Elíseos passou por diversas restaurações. O Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) tombou o edifício em 1977, e, desde 2023, o governador Tarcísio de Freitas deu início a um plano de unificação da sede administrativa do governo. 

No primeiro trimestre deste ano, começam as audiências públicas. No terceiro trimestre deve sair o edital da Parceria Público-Privada (PPP). E entre outubro e dezembro estão previstos o leilão e a assinatura de contrato. As obras devem estar concluídas até 2029. Estimativas preliminares apontam um custo aproximado de R$ 4 bilhões, sendo R$ 472 milhões em desapropriações e R$ 3,5 bilhões com construções.

Na proposta vencedora, a previsão é erguer cinco conjuntos de prédios (de dois blocos cada), em área total de 288 mil metros quadrados, quase quatro vezes o tamanho do complexo esportivo do Pacaembu (estádio, ginásio e piscina). O valor será pago pelo governo ao longo de 30 anos ao concessionário vencedor da licitação. A construção do novo complexo faz parte do Programa de Parcerias de Investimentos de São Paulo (PPI-SP), coordenado pela Secretaria de Parcerias em Investimentos (SPI) com a Secretaria de Projetos Estratégicos.

Esse tipo de decisão política tem efeitos diretos na urbe como um todo, no sociocultural e na economia. Com uma população transitória e alto fluxo de passageiros do metrô, a região central se torna um espaço-chave para o desenvolvimento da cidade. “Há muita compra por impulso”, afirmou Gamboa. “A pessoa sai do metrô ou passa pela rua e logo se lembra que precisa de algo e compra, sem pensar muito.”  Para ele, a alta circulação de pessoas estimula o comércio e os serviços. “Movimentamos todo o ecossistema.”

Ações diretas e assertivas como a nova sede do governo paulista incrementam o fluxo de pessoas, mas ainda assim só fazem a curva mudar de direção. Isso porque o número de moradores no Centro diminuiu. Segundo o Censo 2022, divulgado pelo IBGE em 2023, a população atual de 423,2 mil é 1,72% menor que a registrada no Censo anterior, de 2010 (430,6 mil). Apesar disso, a população ainda pode ser comparada a cidades médias e grandes do estado, como Santos (433 mil habitantes) e São José do Rio Preto (480 mil). A região central paulistana se aproxima da população da capital portuguesa, Lisboa (545 mil habitantes).

Mariana Queiroz Guimarães, geógrafa e pesquisadora no Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana da USP, diz que a densidade populacional do Centro de São Paulo deve ser encarada como desafio. “O acesso à moradia na região é uma questão para o poder público, pois muitos recorrem a pensões, cortiços e moradias coletivas”, afirmou. Sempre haverá danos e perdas. Mas no projeto a previsão é desapropriar 250 imóveis, com 800 moradores. E os ganhos provavelmente irão superar.

O tema é mais uma vez complexo. E envolve embates ideológicos eternos – e necessários. Segundo o IBGE, alguns bairros, como a Bela Vista, perderam cerca de 10% dos moradores, resultado da desapropriação de prédios históricos, falecimento de moradores mais antigos e alto preço do metro quadrado para reposição de moradores. Por esse motivo estímulos públicos a moradias que adensem a região com múltiplos perfis populacionais são decisivos.

Em resumo, se resolver a equação chamada revitalização fosse algo simples, ela estaria feita. O fato é que se lançar à tarefa exige atuação onipresente do poder público, do mundo empresarial e da sociedade civil organizada. Até porque, ao contrário do que muitos avaliam, a região central é uma área bem avaliada. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos oito distritos que compõem a região é de 0,910 – número considerado elevado e muito acima da média brasileira, de 0,754, e não tão distante dos 0,924 de Nova York. Até porque, cada canto dessa parte da cidade exala diversidade cultural, social e econômica. Como não poderia deixar de ser a uma cidade cosmopolita como São Paulo.