SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O primeiro-ministro do Japão, Shigeru Ishiba, reafirmou nesta segunda-feira (21) que permanecerá no cargo após a população impor uma dura derrota ao seu partido nas eleições da véspera, fazendo a coalizão governante perder a maioria na Câmara Alta do Parlamento, equivalente ao Senado no Brasil.
O PLD (Partido Liberal Democrático), que governa o Japão quase ininterruptamente desde 1955, e seu aliado Komeito precisavam ganhar 50 das 125 cadeiras em disputa no domingo, mas conseguiram apenas 47. Com o resultado, a aliança agora têm agora 122 dos 248 assentos na Casa.
A oposição, por sua vez, conquistou 78 cadeiras e ficou com um total de 126 assentos, contando com os que não estavam em disputa no pleito. A vitória é ainda mais significativa quando comparada com os resultados das últimas eleições para a Câmara Alta em 2022, a oposição ficou com apenas 102 cadeiras no total, contra uma confortável maioria de 146 assentos da coalizão governista.
Agora, o PLD e o Komeito estão em minoria em ambas as Casas do Parlamento nas eleições de outubro do ano passado para a Câmara Baixa japonesa, correspondente à nossa Câmara dos Deputados, os dois partidos somaram 215 assentos, abaixo dos 233 necessários para formar maioria. A oposição, por sua vez, conseguiu 235 cadeiras, e os independentes, 12.
Na ocasião, os resultados também foram um duro golpe para o governo, que tinha 279 membros na composição anterior da Casa, mais poderosa que a Câmara Alta, enquanto a oposição tinha 163.
Os maiores vencedores, porém, não foram os partidos tradicionais. Seguindo o roteiro de outras democracias ao redor do mundo, a população migrou seus votos para pequenas e novas agremiações com forte retórica nacionalista, sendo o ultradireitista Sanseito o principal exemplo.
Nos últimos três anos, a sigla foi uma bancada de um político Sohei Kamiya, secretário-geral do partido. Na política local japonesa desde 2007, ele turbinou sua popularidade após criar um canal no YouTube no qual divulgava teorias da conspiração sobre vacinas e Covid-19, além de reproduzir revisionismo histórico em relação à Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
A partir de agora, ele não estará mais sozinho. Após uma exitosa campanha que buscou emular a xenofobia de Trump com a frase “Japoneses Primeiro”, eles conquistaram mais 14 cadeiras, tornando-se o quarto partido da oposição.
“A frase Japoneses Primeiro foi criada para expressar a reconstrução dos meios de subsistência do povo japonês resistindo ao globalismo. Não estou dizendo que devemos proibir completamente estrangeiros ou que todos os estrangeiros devem sair do Japão”, disse Kamiya em uma entrevista à emissora local Nippon Television após a eleição.
Embora continuem com apenas três cadeiras na Câmara Baixa, a ideia é expandir o poder da sigla no Legislativo, segundo o político. “Estamos aumentando gradualmente nossos números e correspondendo às expectativas das pessoas. Ao construir uma organização sólida e garantir 50 ou 60 assentos, acredito que nossas políticas finalmente se tornarão realidade”, disse ele.
O cenário poderia fazer o primeiro-ministro japonês, Shigeru Ishiba, repensar sua permanência no cargo, o que não parece estar acontecendo. No domingo, quando o seu partido se encaminhava para uma de suas piores derrotas eleitorais, o premiê afirmou que ficaria no poder, justificando sua decisão com as “negociações extremamente cruciais” do Japão com os Estados Unidos, que ameaça o país asiático com tarifas de 25%.
Não é possível saber se o governo vai cair, uma vez que Ishiba pode convidar outros partidos para se integrarem à base. O líder de 68 anos, porém, deve manter sua coalizão minoritária ele afirmou não ter planos de expandir a aliança mesmo após a oposição mencionar uma moção de desconfiança, que poderia derrubar o premiê.
O líder da principal sigla de oposição, o Partido Democrático Constitucional, Yoshihiko Noda, disse no domingo que estava considerando apresentar a medida contra a gestão de Ishiba sob a justificativa de que as eleições mostraram que ele não tem a confiança dos eleitores.
Mesmo dentro do PLD o premiê enfrenta questionamentos. De acordo com a imprensa local, alguns parlamentares do partido estavam discretamente expressando dúvidas sobre os benefícios da permanência de Ishiba no cargo.
Derrubar o premiê, no entanto, não seria simples, uma vez que, embora em maioria, a oposição está fragmentada e enfrentaria dificuldades para formar um governo.
De qualquer forma, ele reafirmou a pretensão de se manter no poder em uma entrevista coletiva nesta segunda. “Permanecerei no cargo e farei tudo ao meu alcance para traçar um caminho para resolver esses desafios”, afirmou, acrescentando que pretendia falar diretamente com o presidente dos EUA, Donald Trump, o mais rápido possível e entregar resultados tangíveis. “As mudanças no ambiente externo, como a situação internacional ou os desastres naturais, não podem esperar que a situação política melhore.”
“Por esta razão, embora tenha muita consciência da nossa grave responsabilidade pelos resultados eleitorais, (…) acredito que devo cumprir minha responsabilidade como o partido com mais votos e com a população do país, ouvindo de maneira cuidadosa e sincera as vozes do povo”, afirmou.
A derrota é fruto de uma gestão tortuosa do PLD nos últimos anos. Se nas eleições para a Câmara Baixa no ano passado um escândalo de contas secretas pesou contra a sigla, agora somam-se ao caso questões como a migração e a inflação, que alcançou 3,3% de taxa anual em junho.
O Japão, que passou anos com preços estagnados ou em queda, começou a sentir o aumento de preços principalmente após o início da Guerra da Ucrânia, em 2022. Os preços do arroz, em particular, praticamente dobraram desde o ano passado, o que afetou o orçamento de muitas famílias.
Após a derrota, Ishiba correu para falar que cortar impostos e aumentar gastos com bem-estar social, como alguns partidos da oposição defendem, não melhorariam a situação dos japoneses um claro aceno a investidores temerosos de que o premiê fique mais sujeito a esse tipo de pressão.