BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Receita Federal e o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) firmaram um acordo de cooperação técnica para transformar a forma como é feita a cobrança e a fiscalização do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR).
A proposta cria um sistema de integração de dados e fiscalização que pretende funcionar como um tipo de malha fina da terra no campo, semelhante ao que já ocorre no Imposto de Renda.
A iniciativa também envolve o MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar) e o MGI (Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos). O tema tem sido acompanhado de perto pelo secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas.
O objetivo do governo é integrar informações de diferentes bases de dados em um único sistema e acabar com a fragmentação atual, que gera inconsistências e dificulta a fiscalização por parte da Receita.
Hoje, o ITR é informado anualmente pelo contribuinte, de forma autodeclaratória. É o proprietário rural que informa o valor da sua “terra nua” (VTN/ha), que é o preço médio de mercado para um hectare de terra rural sem benfeitorias. Ele também aponta quais são as áreas de preservação ambiental e aquelas usadas para produção.
A Receita recebe essas informações, mas tem poder de análise limitado, já que os dados de propriedades rurais colhidos pelo governo estão espalhados em diferentes bases, como o Cadastro Ambiental Rural (CAR), voltado para as áreas de preservação; o Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR) e o Sistema de Gestão Fundiária (Sigef), administrados pelo Incra; além do Cadastro Nacional de Imóveis Rurais (Cnir), mantido em conjunto pela Receita e pelo Incra.
A proposta prevista pretende consolidar essas informações no que tem sido chamado de Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB), que trará um identificador único para os imóveis rurais, uma espécie de “CPF da terra”. Nesta plataforma, todos os cadastros passam a conversar entre si, permitindo que os dados declarados sejam confrontados de forma automática, com valores oficiais.
Na integração com os dados do CAR, por exemplo, áreas de preservação permanente e de reserva legal, que são isentas do imposto, serão reconhecidas automaticamente no cálculo do tributo.
Conforme informações obtidas pela reportagem, a meta do governo é que, até o fim de 2026, pelo menos 65% dos imóveis rurais do país estejam vinculados ao CIB. Até dezembro de 2027, essa proporção deverá alcançar 80%, já com integração georreferenciada das áreas.
Para chegar a esse resultado, o plano foi dividido em fases. Até janeiro de 2026, o governo quer ter em mãos um estudo detalhado sobre o possível impacto que a malha fina no ITR pode gerar, usando relatórios de preços de terras produzidos pelo Incra.
A segunda fase, até março de 2026, vai tratar da estratégia de implementação, com avaliação de riscos operacionais. A terceira, prevista para ser concluída até junho do próximo ano, colocará em prática a declaração do ITR pré-preenchida, já trazendo dados oficiais sobre valor da terra e áreas de preservação. A partir desse momento, quem declarar fora dos parâmetros oficiais terá que comprovar as informações, ou seja, cairá na malha fina do ITR.
Além da Receita e do Incra, o MGI terá a missão de entregar um canal único digital que possa ser acessado pelo cidadão por meio da internet, no gov.br. O plano é que cada proprietário possa consultar todas as informações sobre seu imóvel sem precisar recorrer a vários sistemas distintos.
A primeira versão desse canal tem lançamento previsto para novembro de 2025, durante a COP30 (Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas). O MDA coordenará politicamente a agenda, para alinhar a arrecadação do ITR com políticas de reforma agrária e de agricultura familiar.
O governo entende que, além de ampliar a arrecadação, passará a oferecer menos burocracia e mais clareza ao proprietário rural, além de refinar políticas públicas fundiárias e ambientais.
A reportagem questionou a Receita e o Incra sobre o tema, mas não houve manifestação de nenhum órgão até a publicação deste texto. A FPA (Frente Parlamentar Agropecuária) também foi perguntada sobre o assunto, mas não se posicionou.
O MDA declarou que o acordo pretende “simplificar processos, reduzir burocracias e oferecer maior segurança e consistência nas informações”. A integração de sistemas cartográficos, fundiários e cadastrais, segundo a pasta, traz ganhos para políticas públicas relacionadas ao crédito rural, à regularização fundiária e ao desenvolvimento sustentável do campo.
“Nesse processo, a contribuição central do MDA, além de viabilizar o uso de bases fundiárias e cadastrais de terras por meio do Incra como entidade vinculada, é assegurar que a agricultura familiar — atualmente com mais de 6 milhões de agricultores e agricultoras registrados que produzem a maior parte dos alimentos consumidos no país — esteja plenamente contemplada”, declarou.
Segundo o MDA, a iniciativa conjunta dos órgãos não se restringe à questão tributária. “Trata-se de uma transformação na forma como o governo se organiza para atender o cidadão, garantindo que o agricultor e a agricultora familiar estejam no centro desse processo de inovação digital e fortalecendo a inclusão produtiva e social no campo.”
Henrique Dolabella, diretor do Cadastro Ambiental Rural no MGI, disse que o acordo é parte da implementação da Infraestrutura Nacional de Dados (IND), para construção de “um governo para cada pessoa”.
“É uma transformação na lógica de funcionamento do governo. Em vez de exigir que o cidadão forneça informações que o Estado já possui, estamos fazendo o governo trabalhar de forma mais inteligente para simplificar a vida de quem produz no campo”, afirmou. “Com a automação do preenchimento das informações ambientais na declaração do ITR, o produtor rural não precisará mais declarar áreas de preservação que já constam em nossa base.”
Uma das dificuldades a serem enfrentadas também passa pela qualidade do dado contido nos cadastros. O Atlas da Amazônia Brasileira 2025, estudo feito por pesquisadores contratados pela Fundação Heinrich Böll, aponta que o CAR (Cadastro Ambiental Rural) tem falhas devido a problemas de checagem de dados e confirmação de informações repassadas pelos cadastrados, já que ele é autodeclaratório.
Não há um número preciso e detalhado sobre a situação de titulação de terras no país, mas as estimativas em geral apontam que cerca de 140 milhões de hectares, o equivalente a quase 17% do Brasil, apresentam um tipo de irregularidade, com problemas de segurança jurídica fundiária.