Relatório do governo Trump contra Brasil é criticado por entidades de direitos humanos

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Instituições ligadas à promoção dos direitos humanos veem motivações políticas e interesses econômicos no relatório do governo americano que criticou a gestão Lula (PT) e o STF (Supremo Tribunal Federal), em especial o ministro Alexandre de Moraes, por um suposto retrocesso na defesa da liberdade de expressão.

Elaborado pelo Escritório de Direitos Humanos do Departamento de Estado dos Estados Unidos, sob comando do presidente Donald Trump, o “2024 Country Reports on Human Rights Practices: Brazil” (relatório sobre práticas de direitos humanos por país, em inglês) afirma que a situação se deteriorou no Brasil no ano passado.

O documento diz ainda que Lula reprimiu o debate democrático e que o STF censurou empresas americanas, obrigando-as a deletar postagens nas mídias sociais. O texto foi enviado ao Congresso dos EUA.

“O governo prejudicou o debate democrático ao restringir o acesso a conteúdo online considerado como ‘prejudicial à democracia’, suprimindo desproporcionalmente a expressão de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, bem como jornalistas e políticos eleitos, frequentemente em processos secretos que careciam de garantias de devido processo legal”, afirma o relatório, uma publicação anual produzida pelo governo americano sobre todos os países que fazem parte da ONU.

Ele é considerado uma referência internacional no campo dos direitos humanos e existe desde os anos 1970. As afirmações contrastam com o documento anterior, feito ainda na gestão do democrata Joe Biden, sobre o ano de 2023.

Nesse documento, agressões a jornalistas e outras supressões de direitos humanos no país foram atribuídas a Bolsonaro, que deixou o poder em 2022, contestando as urnas.

Paulo José Lara, diretor-executivo da ONG Artigo 19, organização internacional de direitos humanos, não vê argumentos técnicos no novo relatório da Casa Branca.

“Sabemos que a intenção de Trump é alterar a ordem internacional, sem apreço pelo multilateralismo, e utilizar o poder para desacordos globais segundo interesses políticos”, diz. “É uma intenção de apontar inimigos, enquanto se mantém em silêncio sobre abusos que são cometidos na Rússia e em Israel.”

José Lara afirma ainda que, embora existam problemas no Brasil, a liberdade de expressão melhorou em 2024, segundo mostram dados do relatório “The Global Expression Report”, concebido pela Artigo 19. O levantamento atribui notas de 0 a 100 para os países, considerando diversas variáveis para mensurar a liberdade de expressão, e cria um ranking a partir das notas.

Em 2023, ano em que Bolsonaro deixou o Planalto, o Brasil saltou da 81ª posição para a 35ª. No momento, o Brasil ocupa o 31º lugar, com 83 pontos –a Dinamarca lidera o ranking, com 94.

O documento expedido pela Casa Branca se insere em um momento de tensão entre EUA e Brasil. Trump acusa as instituições brasileiras de perseguir Bolsonaro, agora réu no STF pela trama golpista, e aplicou uma sobretaxa de 50% a produtos brasileiros.

O ex-presidente encontra-se em prisão domiciliar, suspeito de colaborar com seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL), em ataque contra a soberania nacional. Boa parte do relatório dedica-se a criticar ações de Moraes contra a desinformação nas redes sociais.

No ano passado, o ministro, que é acusado pelo documento de censura, ordenou o bloqueio do X (ex-Twitter) no Brasil até que contas acusadas de fake news fossem removidas. Em junho, o STF endureceu a responsabilização das big techs atuantes no Brasil.

Em publicação nas redes sociais, o ministro-chefe da AGU (Advocacia-Geral da União), Jorge Messias, rebateu o relatório. “Um governo comprometido com a democracia é um governo que pune tentativas de golpe com o rigor da lei, sem menosprezar ataques ao Estado de Direito ou placitando indulgência contra agressores das instituições de Estado.”

Para Rogério Sottili, diretor-executivo do Instituto Vladimir Herzog, o relatório é tendencioso, expressa um desconhecimento do funcionamento das instituições no Brasil e não se sustenta em fatos ou na realidade do país.

O documento não cita o impacto da desinformação e das plataformas no Brasil. Tampouco aborda os ataques contra a democracia brasileira nem o enfraquecimento de mecanismos de políticas públicas para o fortalecimento dos direitos humanos levado a cabo no governo Bolsonaro, diz ele.

“O relatório é alimentado por informações viciadas vindas dos maiores violadores de direitos humanos no Brasil e que, nos últimos anos, produziram desinformações, promoveram crimes contra os direitos humanos, promoveram desestabilização do Estado democrático de Direito”, afirma Sottili.

Um dos fundadores e conselheiro da Comissão Arns de Direitos Humanos, Oscar Vilhena, colunista da Folha, lembra que a legislação brasileira sobre liberdade de expressão é bem diferente da americana, estando pertinente com o regime internacional.

Segundo ele, é paradoxal que as reprimendas venham agora dos EUA. Durante o seu primeiro mandato, Trump separou mães ilegais de seus filhos nas fronteiras. Em sua mais recente declaração, afirmou que moradores em situação de rua devem deixar a capital americana, Washington.

“É paradoxal que um relatório sobre direitos humanos esteja sendo usado para defender os que mais conspiraram contra os direitos humanos no Brasil e para atacar justamente a instituição que assumiu a responsabilidade e o peso de julgar os acusados de atentar contra o Estado democrático de Direito no Brasil”, afirma.

Silvia Souza, presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), diz que o Brasil enfrenta problemas na efetivação dos direitos humanos, mas principalmente devido à desigualdade social e racial, afetando grupos vulneráveis como negros, mulheres e LGBTQIAPN+.

A advogada diz que, no país, a liberdade de expressão não é uma garantia absoluta e que a divulgação do relatório tem um viés de manutenção da polarização política com finalidades autoritaristas.

O presidente da Comissão de Direitos Humanos do IAB (Instituto dos Advogados do Brasil), Paulo Fernando de Castro, também não nega que existam violações no Brasil, mas diz que o relatório é motivado por aspectos políticos e se soma a outras manifestações do governo Trump em relação ao Brasil.

“Acredito que há um certo radicalismo, um certo exagero”, afirma. De acordo com o advogado, existem casos pontuais no âmbito do processo e do qual a pessoa pode se defender no devido processo legal e eventualmente apontar violações. “Não houve, assim como se tenta passar a imagem, uma trama, alguma coisa combinada para minar a liberdade de expressão.”

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