SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um relatório do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) aponta que, em 2022, a Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura) obteve autorização do governo para aplicar o desconto de mensalidades em um lote de 30.285 benefícios, apesar de a entidade não ter autorização prévia de segurados.
O documento da auditoria-geral foi publicado no site oficial do INSS na terça-feira (20), retirado do ar meia hora depois e republicado na quinta (21), com alguns complementos, segundo o órgão. O instituto diz que os dados foram publicados por uma falha de procedimento e que a versão do relatório não havia sido concluída pelas autoridades responsáveis.
O desbloqueio em lote foi autorizado em 26 de setembro de 2022, durante o governo Bolsonaro, na reta final do período eleitoral. No início daquele ano, o Ministério Público Federal arquivou uma denúncia que pedia providências sobre possíveis descontos ilegais a pedido da confederação.
O relatório aponta que o INSS recebeu milhares de manifestações de repúdio ligadas à Contag durante a Operação Sem Desconto. A auditoria também diz que, embora a confederação tenha apresentado termos de adesão em sua defesa, muitos segurados ouvidos negaram ter assinado os documentos. Além disso, o INSS constatou divergências entre os dados informados pela entidade e os registros oficiais do sistema, o que reforçaria indícios de irregularidades, segundo a auditoria.
Em nota à reportagem, a Contag diz que está analisando com atenção o relatório e que “sempre pautou sua atuação pela legalidade e transparência, apresentando ao INSS, sempre que demandada, as autorizações assinadas pelos associados, acompanhadas das fichas de filiação e dos documentos de identidade”.
A associação diz que o desbloqueio em lote realizado em 2022 ocorreu após diversas tentativas de solucionar as dificuldades criadas por não haver ferramentas adequadas na plataforma Meu INSS, que impediam aposentados e pensionistas, em sua maioria trabalhadores rurais sem biometria cadastrada, de autorizarem descontos associativos.
“A entidade protocolou ofícios ao INSS em 2022 e 2023, entregou a documentação exigida e disponibilizou acesso remoto aos arquivos para conferência da regularidade. O próprio instituto reconheceu as falhas e autorizou o processamento dos descontos com base nos documentos apresentados”, diz Contag, em nota.
A confederação também ressalta seu compromisso histórico com a defesa dos direitos previdenciários, trabalhistas e sociais de agricultores e agricultoras familiares, aposentados e pensionistas, e diz que seguirá colaborando com os órgãos de controle para o pleno esclarecimento dos fatos.
Segundo o INSS, a auditoria analisou a documentação apresentada pela Contag para comprovar a autorização das adesões em uma amostra de 3.033 casos.
O relatório também menciona a quantidade de segurados que usaram os canais do INSS para contestar descontos da Contag. Segundo o documento, 3.384 registraram contestações após a deflagração da Operação Sem Desconto. A confederação apresentou justificativas e documentação para alguns casos.
COMO OS DESCONTOS FORAM AUTORIZADOS, SEGUNDO O RELATÓRIO?
O relatório aponta que, em 26 de setembro de 2022, a CGPAG (Coordenação-Geral de Pagamento de Benefícios), vinculada à Dirben (Diretoria de Benefícios e Relacionamento com o Cidadão), encaminhou à Dataprev a solicitação de desbloqueio de 30.285 benefícios previdenciários para permitir descontos de mensalidade associativa da Contag.
Dois dias depois, em 28 de setembro, foi efetivado o desbloqueio de 30.211 benefícios, excluindo 74 do total originalmente solicitado devido a inconsistências, segundo a Dataprev. De acordo com as regras em vigor, esses descontos deveriam permanecer bloqueados até que o próprio titular autorizasse o desbloqueio nos canais formais de atendimento.
A Dataprev informou ainda que, em setembro de 2022 e em novembro de 2023, ocorreram dois desbloqueios em lote em favor da Contag.
A auditoria concluiu que não houve processo administrativo apto para permitir o desbloqueio e que a solicitação não contou com análise técnica ou motivação administrativa que pudesse sustentar a excepcionalidade da medida.
O QUE DIZEM OS BENEFICIÁRIOS?
A auditoria apontou que, no mês seguinte ao início dos descontos, houve pedidos de bloqueio e exclusão feitos por segurados, inclusive por alguns que anteriormente já haviam solicitado a cessação das cobranças.
Parte dos beneficiários declarou ainda não ter conhecimento prévio sobre a natureza ou a autorização dos descontos. Nos relatos colhidos, um segurado afirmou: “Fui enganado. O presidente do sindicato em nenhum momento me informou sobre esses descontos. Simplesmente pediu para eu assinar alguns documentos, mas não explicou do que se tratava ou que teria algum desconto em meu benefício.”
INCLUSÃO DE DESCONTOS POR OUTRAS ENTIDADES
A auditoria destacou ainda que o desbloqueio em lote deixou os benefícios suscetíveis à inclusão de descontos por outras entidades que possuíam ACTs (Acordos de Cooperação Técnica) ativos com o INSS.
Segundo relatório, após a liberação feita em favor da Contag, outras 24 entidades aproveitaram o desbloqueio e efetuaram 250 consignações de mensalidade associativa em 238 benefícios.
Foram identificados também casos em que um mesmo benefício sofreu descontos de mais de uma entidade, incluindo situações em que, mesmo após a exclusão do desconto, novos descontos voltaram a ser feitos.
RELATÓRIO NO SITE DO INSS
Em despacho sobre o relatório, o presidente do INSS Gilberto Waller Junior havia apontado a necessidade de complementação de informações apresentadas nos relatórios, como sobre o número de questionamentos feitos pelos beneficiários e em quantos a documentação comprobatória do pedido foi apresentada pela entidade. Adicionalmente, era solicitado também o quantitativo final de irregularidades comprovadas.
A autarquia diz que, apesar das complementações pedidas no despacho ainda não terem sido realizadas, republicou o conteúdo nesta quarta-feira (21) para não comprometer a imagem da instituição quanto à transparência dos trabalhos.