[AGÊNCIA DC NEWS]. Trata-se de uma dobradinha indefectível. Chega o Natal e, com ele, o panetone – ou panettone, com dois Ts, como grafam seus produtores. Uma palavra mágica cujas buscas no Google crescem exponencialmente no último mês do ano desde 2012. Alta que supera 200%. No curto prazo, igual. Apenas no mês de novembro, a procura subiu 245%. Por trás desse fenômeno, há um sobrenome: Di Cunto. Origem da empresa que se assina Indústria Alimentare Artiginiale e iniciou a disseminação do panetone no país a partir do bairro da Mooca há 85 anos, em 1939. Para entender o momento atual da marca centenária (de 1896) é preciso voltar a 2022, quando o então empreendimento familiar vinha de uma década de baixa no faturamento e dificuldade para se atualizar. Aí chegou Ricardo Machado, 65 anos, para o cargo de CEO. Executivo com experiência em diferentes segmentos, em especial na área alimentar, por quase duas décadas ele ocupou cargos de alta direção no sistema Coca-Cola no Brasil, na Índia e na China. Agora, sua missão na Di Cunto “é redefinir a visão e formatar o futuro da empresa com a paixão e a velocidade de uma startup”. Para isso, Machado comanda o redesenho de toda a organização: times, produtos e marcas. Nesta entrevista à AGÊNCIA DC NEWS, ele fala desses desafios, fala de uma quinta unidade (a ser aberta nos Jardins) e fala de panetones, é claro.
AGÊNCIA DC NEWS – Por onde vai passar a via de crescimento da Di Cunto? Franquias?
Ricardo Machado – Temos esse interesse, nas franquias, mas no longo prazo. Por enquanto, o objetivo é ter nossos produtos em lojas de terceiros, em varejistas [como as redes Hirota, Mambo e Pão de Açúcar e Casa Santa Luzia] e food services. Por exemplo, fechamos uma parceria com a Baked Potato em que agora eles têm nossos salgadinhos. Também temos o interesse de abrir mais unidades próprias.
AGÊNCIA DC NEWS – Uma nova unidade em São Paulo?
Ricardo Machado – Queremos abrir uma na região dos Jardins que seja uma miniatura da nossa sede na Mooca [além dela há outras três unidades: no Itaim Bibi, em Pinheiros e na cidade de Vinhedo-SP].
AGÊNCIA DC NEWS – Como está a produção?
Ricardo Machado – Na fábrica, vamos investir na modernização dos equipamentos para melhorar e acelerar o processo, mantendo a mesma equipe. Praticamente dobramos a produção de panetone em dois anos e isso reflete nos resultados.
AGÊNCIA DC NEWS – E o faturamento é de quanto?
Ricardo Machado – Não abrimos os números por conta da concorrência, mas estamos muito otimistas. Ano passado crescemos 30% em relação a 2022. Este ano, temos a expectativa de crescimento de 40% a 50%. O nosso mantra é sempre estar melhor do que ontem.
AGÊNCIA DC NEWS – Para que isso aconteça, quais são os principais desafios?
Ricardo Machado – Nos últimos anos a concorrência cresceu muito e a pandemia afetou bastante. A empresa precisava se reinventar.
AGÊNCIA DC NEWS – O que foi feito?
Ricardo Machado – Primeiro procuramos valorizar e revitalizar o complexo que temos na Mooca. Entendemos a importância dele do ponto de vista histórico. A Di Cunto é um ícone da Mooca. Muitas pessoas comentam que vinham aqui quando eram crianças. Isso acaba criando uma aura mística. Chegam a passar mais de 1 mil pessoas aqui em um dia. E também reestruturamos a equipe para que compreendam a complexidade da empresa, por serem muitas frentes.
AGÊNCIA DC NEWS – Numa empresa familiar, isso quase nunca é simples, não?
Ricardo Machado – Toda empresa familiar tem um momento de crise. Quando ainda estava sob os cuidados dos familiares, que hoje em dia são sócios, houve esse momento de crise por talvez não ter ficado claro o caminho para o crescimento.
AGÊNCIA DC NEWS – Outro dilema numa empresa com tanta história e tradição é inovar. Como a Di Cunto tem lidado com isso?
Ricardo Machado – Ao mesmo tempo em que temos a tradição, do que a Di Cunto faz há mais de 100 anos, estamos implementando novidades. Alguns dos nossos produtos, como o panetone e outros da nossa biscoiteria, estão no varejo e em diversos estados. Também temos uma linha de massas, que está tanto no nosso restaurante quanto em supermercados. Ao estarmos nesses varejistas atingimos novos públicos fora da cidade de São Paulo. E estamos mais atentos ao mercado, por exemplo, vendo o que está em alta e procurando implementar aqui. Sem contar a presença nas redes sociais.
AGÊNCIA DC NEWS – Especificamente sobre o panetone, apesar do boom de sempre, no período natalino, ele ainda é produzido o ano todo?
Ricardo Machado – Produzimos durante o ano todo o panetone tradicional, de frutas, e também o de chocolate, que ficou bastante difundido. São as duas opções básicas que temos o ano todo.
AGÊNCIA DC NEWS – E os específicos de agora, pro Natal?
Ricardo Machado – É uma loucura. A nossa capacidade de produção é menor do que a demanda que surge em novembro e dezembro, então começamos a programação de fim de ano já em junho para desenhar a meta considerando o ano anterior. E precisamos nos programar pelo fato de alguns dos produtos virem de fora do país. Precisamos de tudo aqui até no máximo setembro. Tudo isso para que chegue no final da primeira quinzena de dezembro e tenhamos tudo pronto.
AGÊNCIA DC NEWS – Como fica a rotina de produção?
Ricardo Machado – Começamos a produção às 5h e vamos até as 22h em dois turnos. A produção de panetone é demorada. A fermentação dura 12 horas e depois de assar é preciso descansá-lo de cabeça para baixo para não murchar… Até dezembro abastecemos o varejo. Apenas em São Paulo é possível encontrar o panetone da Di Cunto em mais de 200 lojas.
AGÊNCIA DC NEWS – Quais as opções de panetones especiais disponíveis para o Natal deste ano?
Ricardo Machado – Fazemos versões especiais a cada ano. Neste já estão disponíveis o panetone de champanhe e outro de chocolate e pistache, que está em alta. Nosso panetone é um produto premium. Há muitos processos, uma embalagem sofisticada, por isso é mais caro [os preços variam a partir de R$ 65,90 na versão 500 gramas e R$ 106,90 na de 1 quilo]. As embalagens são inspiradas nas obras da artista Anita Malfatti, descendente de italianos e uma das precursoras da arte moderna no Brasil. A nossa visão de mercado é de um “luxo acessível” para momentos especiais.
REPORTAGEM 2:
DI CUNTO, UMA HISTÓRIA DE 128 ANOS
[AGÊNCIA DC NEWS]. Oficialmente, segundo narra a própria Di Cunto, a existência da empresa em solo brasileiro é obra do puro acaso. No ano de 1878, quando o Brasil ainda nem era uma república, Donato Di Cunto embarcou em Nápoles (Itália) com destino a Montevidéu (Uruguai). Iria se encontrar com parentes de sua mãe. Tinha apenas 17 anos e depois de cruzar o Atlântico seu navio fez uma parada no Porto de Santos. Sem saber, e acreditando que a longa viagem havia terminado, Donato desembarcou. Depois de constatar o erro, e sem dinheiro para chegar ao Uruguai, não havia outro caminho a não ser subir a Serra do Mar em direção a uma cidade que era cada vez mais italiana: São Paulo. Já adulto, aos 35 anos, ele faz nascer a Di Cunto, em 1896. O local, a Mooca. No endereço em que está até hoje.
Foi dos fornos da empresa que mais de quatro décadas depois, em 1939, nasceria um pão doce que se tornaria a cara do Natal dos brasileiros. O panetone, ali produzido sempre seguindo o mesmo processo de fermentação natural. “O autêntico Panettone Di Cunto”, como a empresa orgulhosamente conta. Hoje, segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães & Bolos Industrializados (Abimapi), cerca de 33 milhões de lares brasileiros consomem, em média, dois panetones por ano. No Brasil, segundo o Censo 2022, há 69 milhões de lares, o que significa que a penetração do panetone é de 48%.
Nada ruim para esse doce centenário, cercado de lendas na própria Itália sobre sua origem. Segundo reportagem da prestigiosa publicação gastronômica italiana Gambero Rosso, os testemunhos escritos iniciais com uma palavra que definia panetone datam de 1606, quando o primeiro dicionário milanês-italiano apresenta o termo Panaton e o descreve como “pão grande que costuma ser feito no dia de Natal”. Dois séculos depois, Francesco Cherubini, em outro famoso dicionário milanês-italiano, impresso entre 1839 e 1856, definiu as palavras Panaton ou Panatton de Natal “como uma espécie de pão de trigo decorado com manteiga, ovos, açúcar e uva passa”. Pouco mais tarde, a palavra salta dos dicionários para os livros de culinária e a primeira receita oficial de panetone aparece em Il Re dei Cuochi, de Giovanni Nelli, publicado pela primeira vez em 1868.
Com tanta tradição em sua terra natal, é um fenômeno o que aconteceu com o panetone no Brasil. Feito reconhecido inclusive pelos seus próprios inventores. Em outra reportagem também do Gambero Rosso, publicada este ano, Michela Becchi afirma que “o Brasil detém o recorde de produção média anual (200 milhões de unidades)”, seguido por Peru (onde o panetone é consumido o ano todo e foi introduzido antes mesmo do que no Brasil) e Itália – ambos os mercados em torno de 50 milhões de unidades anuais. Ela ressalva que são números absolutos, que não levam em consideração a proporção entre habitantes e tamanho de um país. “O que é certo, porém, é que os brasileiros são loucos por panetone”, afirmou.
E se a Di Cunto foi a responsável por abrir essa fronteira e até hoje manter a tradição, outra família de origem italiana ajudou a multiplicar a fama do produto nos trópicos. A Bauducco. Por meio de Carlo Bauducco, empreendedor italiano que chegou ao Brasil em 1948 trazendo uma receita de família e o sonho de ter um negócio por aqui. Quatro anos depois, segundo conta a empresa, com o fim da lei que obrigava estrangeiros a terem sócios brasileiros, a família abriu a própria doceira no bairro do Brás. “Foi lá que Carlo, dona Margherita e o jovem Luigi criaram o primeiro Panettone Bauducco.” A marca se tornou a maior produtora do mundo e vende em 50 países. [ER]