[AGÊNCIA DC NEWS]. Mercado de 110 mil empregos diretos e que deve vender 2,8 milhões de veículos, 6,3% mais do que em 2024, o setor automotivo é estratégico à economia de qualquer país. Para mapear esse cenário e apontar as tendências do segmento, que alavanca parte do varejo e dos serviços, a Agência de Notícias DC NEWS, da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), iniciou a série de reportagens e entrevistas exclusivas com as principais lideranças do setor automobilístico. Abrindo a série, Ricardo Gondo, presidente da Renault do Brasil, falou dos planos da montadora para este ano e das preocupações macroeconômicas. Hoje, o entrevistado é José Ricardo Gomes, diretor comercial da Toyota. “Acreditamos que 2025 é um ano de cautela e precisaremos acompanhar bem esses movimentos macroeconômicos”, afirmou.
A atitude mais conservadora deriva de um combo inescapável – crédito mais caro, inflação em alta e as taxações comerciais por parte dos Estados Unidos. Gomes avalia que o mercado vai girar principalmente à base da troca do carro usado por um novo. Ou seja, vai comprar carro zero quem já tem um usado para entrar como parte do pagamento, restando um valor menor a ser financiado. “Não estamos falando de novos [consumidores] entrantes no mercado em 2025”, afirmou. Apesar da cautela, o grupo vai inaugurar em 2026 uma nova fábrica no complexo de Sorocaba, onde já produz modelos da marca. A Toyota também tem uma unidade de peças em Indaiatuba e outra de motores, em Porto Feliz, todas em São Paulo. A seguir, os principais trechos da entrevista.
AGÊNCIA DC NEWS – O ano de 2025 começou, e deve terminar, com inflação e juros em alta e sem avanços na questão fiscal. Que impactos esses fatores podem ter na economia brasileira?
JOSÉ RICARDO GOMES – A partir do último trimestre do ano passado tivemos uma nova pressão inflacionária e o Banco Central (BC) começou a aumentar a taxa de juros, o que reduz crédito e tem impactos na economia. Do ponto de vista da parte fiscal, percebemos que os gastos públicos vêm deteriorando a credibilidade do país e há pressão no câmbio. Nos últimos meses vinha ocorrendo uma apreciação forte do dólar frente ao real. Em razão disso, acreditamos que 2025 é um ano de cautela e precisaremos acompanhar bem esses movimentos macroeconômicos.
AGÊNCIA DC NEWS – Qual sua previsão para o próximo ano?
JOSÉ RICARDO GOMES – Em relação a 2026 temos mais um fator relevante, que são as eleições para presidente e governadores. Isso historicamente mexe com o consumo e com a economia em geral. Ainda há um cenário duvidoso em relação a quem serão os candidatos, ou seja, temos um cenário imprevisível.
AGÊNCIA DC NEWS – Que implicações esses cenários econômico e político de incertezas pode ter no setor automobilístico?
JOSÉ RICARDO GOMES – Acreditamos em um crescimento moderado neste ano, em linha com o que a Anfavea prevê, que são vendas totais de cerca de 2,8 milhões de veículos, 6,3% acima de 2024. Os resultados dos primeiros meses do ano já apontam para essa direção.
AGÊNCIA DC NEWS – Ainda assim um bom crescimento para um ambiente de tantos desafios e incertezas.
JOSÉ RICARDO GOMES – É óbvio que a oferta de crédito [mais apertada] influencia muito, porém o setor é resistente às situações macro e microeconômicas.
AGÊNCIA DC NEWS – Com crédito mais caro, como o mercado deve se comportar?
JOSÉ RICARDO GOMES – O crédito é fundamental principalmente para inserir novos consumidores no mercado. Foi muito importante, por exemplo, para o setor atingir o pico de vendas de 3,8 milhões de veículos em 2013. Mas precisa ser consistente e saudável também para os bancos, para que possam ofertá-lo de maneira constante. Acreditamos que as instituições financeiras vão buscar alternativas para que possam trabalhar bem com as questões da Selic e do spread.
AGÊNCIA DC NEWS – Particularmente a Toyota, o que ela pretende fazer para atrair clientes?
JOSÉ RICARDO GOMES – Um ponto importante é que temos nosso parceiro financeiro, o Banco Toyota, com diversas ferramentas, como um programa de financiamento balão (valor de entrada menor, parcelas mais baixas no começo e uma parcela alta ao final do contrato). Também temos um consórcio próprio introduzido recentemente e uma empresa de locação, a Kinto. Além disso, temos um foco grande nos clientes de retenção, pois, felizmente, nossos veículos têm valor de revenda muito bom. Geralmente nossos financiamentos incluem a troca do veículo atual como entrada para o pagamento do novo, e a parte financiada acaba não sendo tão grande. Por isso consideramos mais clientes de recompra que continuarão trocando de carro.
AGÊNCIA DC NEWS – Nada de novos consumidores, então?
JOSÉ RICARDO GOMES – Não estamos falando de novos entrantes no mercado, como ocorreu entre 2010 e 2013.
AGÊNCIA DC NEWS – A avaliação de que, neste ano, poucos consumidores vão adquirir o primeiro carro zero vale para a Toyota ou para todo o mercado?
JOSÉ RICARDO GOMES – Vale para o mercado em geral. Fazemos uma correlação com o mercado de motocicletas, que teve crescimento muito forte nos últimos anos, e com o mercado de carros usados, que segue aquecido. Os dois fatores indicam estabilização ou crescimento moderado na venda de carros novos. Hoje temos uma situação distinta daquela ocorrida durante o segundo mandato do governo Lula, quando havia muito financiamento com juro zero, sem entrada e prestações acima de 60 meses. Estamos falando de 2,8 milhões de veículos para este ano, uma queda de 1 milhão de unidades em 12 anos.
AGÊNCIA DC NEWS – O que poderia ser feito para um crescimento mais sustentável do setor?
JOSÉ RICARDO GOMES – Um melhor ambiente de negócios demanda previsibilidade de políticas econômicas e setoriais e isonomia tributária. Por exemplo, a questão fiscal de produção de veículos em um ou outro estado. Há muitos anos discutimos sobre isenções fiscais. Acreditamos que taxação igual no país é o mais adequado.
AGÊNCIA DC NEWS – A Reforma Tributária ajuda nesse sentido?
JOSÉ RICARDO GOMES – Sim. Porque a legislação tributária brasileira sempre foi muito complexa, gerando burocracia, perdas de eficiência, falta de segurança jurídica e de previsibilidade. A aprovação da Reforma Tributária foi passo importante para o país retomar a rota da competitividade, do crescimento e, com isso, atrair novos investimentos, resultando em desenvolvimento econômico e social.
AGÊNCIA DC NEWS – Quais consequências pode ter para os negócios da Toyota a decisão do governo dos EUA de sobretaxar a importação de aço, alumínio, carros e autopeças? Pode ter efeitos nos preços dos carros aqui?
JOSÉ RICARDO GOMES – Esse é outro movimento que exige cautela, principalmente a questão de políticas de relações comerciais entre os países. A decisão traz, sem dúvida, um impacto relevante na cadeia produtiva. Na Toyota estamos analisando cuidadosamente esses efeitos e atuando de forma proativa para mitigar aumentos de custos. É necessário que o diálogo entre os governos siga avançando para preservar a competitividade da indústria automotiva brasileira no cenário global.
AGÊNCIA DC NEWS – A Toyota exporta para os EUA motores do Corolla fabricados em Porto Feliz. Há riscos de perder esse contrato?
JOSÉ RICARDO GOMES – Estamos aguardando a publicação completa da legislação e das medidas dos EUA para avaliação de impactos.
AGÊNCIA DC NEWS – O plano de investimento de R$ 11 bilhões até 2030 pode ter alterações em razão de questões econômicas locais e globais?
JOSÉ RICARDO GOMES – Não, ele está mantido e demonstra nosso compromisso de produção local. Estamos construindo uma nova fábrica em Sorocaba, onde já temos uma planta, para ampliar nosso portfólio com veículos inéditos e aumentar nossas exportações para a região. A previsão é de iniciar operações em 2026 e gerar em torno de 2 mil novos empregos diretos e 10 mil indiretos até 2030.
AGÊNCIA DC NEWS – Quais modelos serão fabricados nessa nova fábrica?
JOSÉ RICARDO GOMES – O primeiro carro a ser fabricado será um SUV compacto híbrido flex. Inicialmente ele será feito na linha de Sorocaba para ser lançado ainda este ano. Dentro desse plano de investimentos também inauguramos, em novembro, um novo centro de distribuição logístico de peças. Ele tem capacidade de processamento de 1,1 milhão de peças ao ano, 20% superior ao anterior, e vai atender mais de 3 milhões de clientes que consomem nossos componentes no Brasil e em outros 22 países. Também teremos a montagem de um motor com sistema híbrido flex na fábrica de Porto Feliz.
AGÊNCIA DC NEWS – O início das operações de duas montadoras chinesas, BYD e GWM, pode atrapalhar algum plano da Toyota, já que vai aumentar a competição no mercado?
JOSÉ RICARDO GOMES – A Toyota enxerga uma mudança no mercado não só no Brasil, mas mundialmente. Vemos com bons olhos a competição, que leva as empresas a saírem da zona de conforto e se aperfeiçoarem mais. Os novos competidores no Brasil trazem a eletrificação e é bom lembrar que somos pioneiros na eletrificação local com as vendas, há dez anos, do Prius híbrido importado do Japão. Desde 2019 produzimos o Corolla sedan híbrido, gerando empregos aqui. Essa eletrificação foi expandida para o Corolla Cross e para o novo compacto a ser lançado.
AGÊNCIA DC NEWS – Então é um ponto bem resolvido?
JOSÉ RICARDO GOMES – Mais do que olhar uma competição de curto prazo, a Toyota está mais preocupada com o atendimento, na transparência e na tranquilidade dos consumidores. Temos disponibilidade de 97,5% das peças dos nossos modelos para pronto atendimento. Recentemente lançamos uma garantia de até dez anos para nossos modelos e ela é retroativa aos carros fabricados a partir de 2020. Isso representa um parque circulante de quase 1 milhão de veículos.
AGÊNCIA DC NEWS – Essa garantia é uma estratégia para competir com as marcas chinesas?
JOSÉ RICARDO GOMES – Ela faz parte do DNA da Toyota. Nosso índice de reparabilidade é pequeno no mundo todo e aqui no Brasil. Só estamos reforçando o que foi construído nos últimos 50 anos em relação a qualidade e confiança do nosso produto.
AGÊNCIA DC NEWS – Como está o teste para uso de hidrogênio a etanol para abastecer automóveis?
JOSÉ RICARDO GOMES – Já temos essa tecnologia no Japão e aqui seguimos com os testes. Também estamos testando o uso de biometano na picape Hilux e a tecnologia plug-in flex, que permite ao carro ser abastecido na tomada e com gasolina ou etanol.