Terra do chocolate, Chocolândia quer novas lojas, investe em app de entrega e não esquece do compromisso social

Uma image de notas de 20 reais
Osvaldo Nunes: "Hoje temos mais de 30 mil produtos no nosso mix para atender todo perfil de cliente"
(Andre Lessa/Agência DC News)
  • Osvaldo Nunes, fundador da Chocolândia, se prepara para abertura de lojas menores e quer entrar com os dois pés nas entregas rápidas
  • De uma pequena venda na Vila Prudente ao império dos chocolates, Nunes quer formar a próxima geração. “Não adianta crescer sozinho”
Por Paula Cristina

[AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DC NEWS]
Na sede da Chocolândia, Osvaldo Nunes, fundador e presidente da empresa que nasceu em 1984, fala com entusiasmo de um futuro que vai muito além do chocolate. Ele combina o plano de expansão da rede que tem hoje oito lojas, com seu projeto pessoal de deixar a marca também na construção social. “Não adianta crescer sozinho”, afirmou. Ele, que ajudou na idealização dos Centros Educacionais Unificados (CEU), em 2003, segue na missão de transformar a vida de crianças e jovens de periferias, preparando-os para o mercado de trabalho e ensinando cidadania e disciplina. “Em oito anos de educação estruturada mudamos uma geração inteira.” Seu objetivo é formar novos empreendedores, inspirar comunidades e criar oportunidades de renda e aprendizado, proposta que já é aplicada em todas as unidades de Chocolândia por meio de cursos populares. Para financiar esse sonho, no entanto, a rede também precisa crescer. Então o plano do empresário é abrir novas unidades, todas próprias, nos próximos anos e fortalecer a operação online, até que ela quintuplique percentualmente e represente 10% do faturamento da companhia.

O plano de expansão física da Chocolândia prevê a abertura de novas lojas próprias, cuidadosamente planejadas para 1 mil metros quadrados cada, com portfólio de produtos ajustado à clientela local. “Agora queremos abrir lojas menores, mas com infraestrutura, estacionamento e mix adequado para nossa marca”, disse Nunes. Segundo ele, o objetivo é oferecer uma experiência de compra mais focada em chocolates e doces, eliminando a parte de mercearia que caracterizava algumas unidades anteriores. A estratégia também leva em conta a sazonalidade e o perfil dos clientes, com cada loja sendo organizada para maximizar a eficiência operacional e a experiência do consumidor, sem abrir mão da identidade que consolidou a Chocolândia como referência no mercado de confeitaria. A rede pretende, assim, reforçar a marca e aumentar sua penetração, consolidando-se em regiões estratégicas e atendendo tanto consumidores finais quanto pequenos confeiteiros. Em um primeiro momento, as lojas estariam dispostas a 12 quilômetros uma da outra, raio que cairá para 6 quilômetros na segunda fase da expansão. O foco são unidades na Região Metropolitana de São Paulo. 

Paralelamente, Nunes aposta na digitalização como parte central da expansão. A empresa lançou recentemente o aplicativo Rua a Rua Express, com entrega rápida de produtos, focado em atender confeiteiros e clientes que precisam do item imediatamente. “Nosso cliente online não é alguém que pode esperar, é um confeiteiro que precisa do item na hora.” A operação digital hoje representa cerca de 2% do faturamento. Mais de 500 entregadores já estão cadastrados para atender pedidos próximos às lojas, garantindo agilidade e cobertura ampla. A integração de lojas físicas e operação digital é vista pelo empresário como essencial para sustentar crescimento e financiar os projetos sociais que ele mantém em todas as unidades. “O desafio foi o desenvolvimento de um projeto único, geolocalizado, que direcione o comprador à loja mais próxima”, disse. “Comparado a um aplicativo de refeições.” Foram essas credenciais que garantiram a Chocolândia o Prêmio Empresário de Valor 2025, da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), como destaque empresarial da distrital Ipiranga da capital paulista

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MÃO DE OBRA – Mas há outro ponto de inflexão no plano de crescer: encontrar mão de obra qualificada. Segundo Nunes, a Chocolândia tem hoje cerca de 200 vagas abertas e enfrenta dificuldade para preenchê-las. “É uma situação que nunca vivi. Não conseguimos contratar”, disse. A reclamação, inclusive, é partilhada por outros empresários. “A toda feira que vou encontro varejistas, e essa é uma reclamação recorrente.” Segundo ele, a escassez de trabalhadores compromete não apenas o crescimento da empresa, mas também da comunidade e do país, ao limitar a geração de empregos e renda. 

Para contornar a escassez, a Chocolândia tem investido na formação de novos trabalhadores. Nunes acredita que projetos de educação estruturada e capacitação profissional podem reverter a tendência. “Nosso sonho é formar uma geração. Pegando uma criança com 7 anos e terminando a formação aos 15, moldamos uma geração.” A meta da empresa inclui não apenas qualificação técnica, mas também educação para cidadania, disciplina e responsabilidade, preparando jovens para ocupar as vagas disponíveis e desenvolver carreiras sustentáveis dentro da indústria e do comércio.

Formação: empresa oferece cursos em diversas áreas da culinária para capacitar consumidores
(Andre Lessa/Agência DC News)

O empresário acrescenta que os desafios vão além da simples contratação. “É mais difícil olhar no médio e longo prazo. As pessoas querem ajuda para ontem”, disse. Para ele, iniciativas que combinem educação e oportunidades de emprego representam o caminho para transformar o mercado de trabalho e fortalecer comunidades. O investimento em mão de obra é visto como estratégico não apenas para o crescimento da Chocolândia, mas também para a sustentabilidade social do entorno onde a empresa atua. “Os empresários são aliados, não inimigos. Ter mais gente trabalhando significa mais gente comprando.”

O IMPACTO DO CACAU – Outro desafio que afeta o negócio é a oscilação do preço do cacau, especialmente devido a eventos na Costa do Marfim, principal fornecedor mundial. “Perdemos quase 1 mil toneladas de vendas no ano passado com o aumento dos preços.” Segundo ele, essa alta impacta diretamente o volume de vendas, apesar do faturamento equilibrado graças à correção de preços. A empresa precisa, assim, ajustar margens e manter preços competitivos para atender tanto pequenos comerciantes quanto consumidores finais.

Para se ter dimensão do problema, em 2024, o Brasil transportou 179,4 mil toneladas do cacau, entre produção local e própria. O número é 18,5% inferior às 220,3 mil toneladas ao longo de 2023. No recorte trimestral, entre abril e junho deste ano foram distribuídas 40,4 mil toneladas de cacau, em linha com as 39 mil toneladas de 2024, quando houve a quebra de safra na Costa do Marfim. Em 2023, no entanto, o volume no segundo trimestre era de 66 mil toneladas, 63% mais que este ano, segundo a Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC). 

Diante da dependência internacional, Nunes afirma que há um movimento dentro do Brasil, das próprias indústrias de chocolate, de incentivar o cultivo por aqui. Em especial no Sul da Bahia, área tradicional de produção. “Hoje, empresas que manufaturam o produto já consideram plantar como parte do processo.” Segundo ele, essas ações ainda estão em desenvolvimento e devem se consolidar nos próximos cinco anos, mas serão capazes de reduzir a vulnerabilidade a flutuações externas e fortalecer a cadeia produtiva nacional.

O Brasil, que no começo do século 20 foi referência na produção de cacau, viu a importância da cultura cair. Entre os motivos, estava a praga vassoura-de-bruxa, que infestou as plantações, além do encerramento de atividades em diversas fazendas, já que o plantio não teve desenvolvimento tecnológico equivalente ao de outras culturas. Alguns desses desafios, inclusive, continuam. Entre eles, a colheita manual e a baixa mecanização, que dificultam a retomada plena da produção. A perspectiva do executivo, no entanto, é que investimentos estruturados possam restabelecer o país como fornecedor relevante no mercado global.

Empresa tem hoje mais de 30 mil itens no portfólio
(Andre Lessa/Agência DC News)

O LEGADO – Osvaldo Nunes nasceu na cidade de Pompeia, no interior de São Paulo, e é o oitavo filho de uma família de 16 irmãos. “Meu pai era muito duro, minha mãe carinhosa, mas firme”, disse, destacando a influência de seu pai, Miguel, e sua mãe, Dalva, em sua formação. Foi essa criação, inclusive, que fez 14 dos irmãos empreenderem. “Em um determinado momento, nós juntos chegamos a somar 8 mil funcionários.” Ele começou a trabalhar cedo, aos 7 anos, vendendo doces e ajudando em pequenos negócios familiares, desenvolvendo desde jovem habilidades de comércio e organização. Também foi sapateiro, e logo conseguiu recursos para comprar uma bicicleta, depois uma moto e, enfim, saltar para voos maiores.

A trajetória de Nunes no chocolate (que pode ser até mística, já que ele nasceu no dia 7 de julho, dia do chocolate) começou com a compra da doceria La Gruta, em 1980, na Vila Prudente, na Zona Leste de São Paulo. “Comprei com 22 anos, antes de sonhar com o nome Chocolândia”, afirmou. O negócio foi adquirido de Antônio e Isabel, proprietários da pequena loja de pouco mais de 120 metros quadrados. Na época Nunes já trabalhava com doces, mas indiretamente. Nos anos 1970, por indicação de um amigo, ele começou a vender alguns produtos da marca Bauducco na região do Grande ABC e São Paulo. Entre os clientes estavam os donos da La Gruta. Quando os antigos proprietários decidiram pela venda, ofereceram a Nunes, que aceitou. “No começo deixei meu irmão trabalhando lá, e continuei na distribuição. E depois percebi que meu foco deveria estar ali.”

E a decisão foi sábia. Logo ele começou a usar o espaço de uma forma diferente dos tradicionais mercadinhos de bairro. Começou a vender chocolate por peso, não mais em barra. “Eu brincava que vendia a rapadura dos suíços”, disse. Também começou a entregar, com os doces, receitas e dicas de como temperar o chocolate e as formas de tratar o produto. “Comecei a vender bem, mas também percebi que muitos consumidores não sabiam lidar com o chocolate.” E foi essa virada de chave que o levou a organizar espaços para aprendizado. O nome Chocolândia também vem nesse bojo. Para atrair clientes, Nunes organizava display e montava um cenário com os produtos. Uma dessas montagens foi de um barco. “Então um gerente da Nestlé veio aqui e perguntou se eu podia montar algo similar em uma feira. Eu fui.” 

Matriz da empresa, unidade do ipiranga tem mais de 13 mil metros quadrados
(Andre Lessa/Agência DC News)

Com mais de 5 mil chocolates, Nunes não montou apenas um barco, montou um castelo, fez redes, canhões e mastros, tudo de chocolate. Depois da obra de arte pronta, ele e um companheiro se perguntaram qual seria o nome do que fizeram. “Terra do Chocolate”, disse o colega. “Chocolândia”, disse Nunes. E assim ficou. Em posse do novo nome, Nunes se mudou para a rua Silva Bueno, no Ipiranga, na altura do Mercado Municipal. Em um espaço maior, os papeis para ensinar a tratar o chocolate viraram salas para receber alunos interessados no processo da confeitaria. “Fizemos uma sala para 76 alunos”, disse. E foi pouco. Ele chegou a capacitar 6 mil pessoas em um mês, recebeu 9 mil inscrições em 30 dias. Foi um sucesso de público. 

Não demorou muito para as aulas também ganharem novos contornos. A cozinheira Palmirinha, por exemplo, foi uma das professoras, e a experiência garantiu a ela acesso à TV, onde trabalhou até sua morte, em 2023. Daquelas salas também saíram alunos ilustres, como Alexandre Costa, fundador e dono da Cacau Show. Além de milhares de outros profissionais que ampliaram seus horizontes, e donas de casa que passaram a fabricar doces para a família. O projeto foi crescendo, e hoje acontece em todas as oito unidades da empresa. Tem também o ChocoLab, com aulas gravadas. E vai muito além do doce. Com tortas, salgados, pizzas e massas. “Entendi que se quisesse fazer cursos desse tipo precisava oferecer os produtos para execução”, disse Nunes. E então o portfólio da empresa só cresceu. Se ensinavam a fazer bolo, o cliente encontraria farinha, papel, manteiga e todos os ingredientes necessários. Lanche de metro? Então teria toda mercearia para oferecer os frios. E assim a empresa ficou com um mix médio de 30 mil itens em suas lojas. 

Na entrada dos anos 2000, então com 16 anos, a empresa decidiu abrir uma ampla sede. Um local imponente, também na rua Silva Bueno, agora no número 2040. Foram comprados 26 imóveis entre 2003 e 2004 para montar a estrutura, que abrigasse os cursos, a distribuição, o centro empresarial e se tornasse a matriz da marca. Tudo ia bem, até que o Banco Santos, onde estava o dinheiro de Nunes, teve intervenção do Banco Central e, em 2005, faliu. “Todo meu dinheiro da empresa estava lá. Perdi o dinheiro da minha vida toda”, disse. Mas desistir não era opção. “Meu contador falou, ‘seu Nunes, em seis meses o senhor vai quebrar’.” A resposta, diz o empresário, foi categórica. “Eu não tenho opção. Eu vou me refazer.” Em uma loja provisória, pequena e em frente ao que anos depois viria se tornar a matriz da Chocolândia, Nunes renegociou contratos, ajustou gastos, enxugou despesas e conversou com credores e fornecedores. “E consegui.” 

Passado o tempo difícil – e a ele se soma a pandemia –, a Chocolândia se prepara para uma sucessão familiar: Pamela, sua filha mais envolvida na operação diária, deve assumir a gestão no futuro. Focada na administração da empresa, Pamela é a caçula dos três filhos de Osvaldo. Pablo e Diego também estão próximos do pai, mas seguem carreiras diferentes. Um na construção civil e outro no universo das corridas de carros. Passar o bastão, no entanto, não é simples. “Eu vejo o futuro com ela. Acho que será bom, mas ainda há muita coisa que quero fazer”, disse. E se as ações forem do tamanho dos sonhos que Osvaldo Nunes carrega, caminho para trilhar não faltará.

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