SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O presidente Volodimir Zelenski enfrentou os primeiros grandes protestos contra seu governo desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2025. Manifestantes foram às ruas em diversas cidades para reclamar do fim da independência dos dois principais órgãos de investigação de corrupção do país.
O líder aprovou a lei que havia passado no Parlamento na tarde de terça (22) subordinando ao Executivo o início de apurações contra autoridades. “A infraestrutura anticorrupção foi desmantelada”, disse o chefe do Escritório Nacional Anticorrupção, conhecido pela sigla ucraniana Nabu, Semen Krivonos.
Ele estava ao lado do outro afetado pela medida, o procurador-geral anticorrupção Oleksandr Klimenko. O Nabu, órgão criado com ajuda do FMI em 2015, vinha sendo criticado pelo governo por suspeita de relações com políticos pró-Rússia.
Zelenski defendeu a medida, afirmando que nada mudará no combate às irregularidades no país. Quando o fez, em rede nacional na noite de terça, milhares de pessoas estavam nas ruas protestando um feito especialmente notável dado que quando o sol se põe o terror dos ataques aéreos russos costuma irromper. Eles foram menos intensos nesta madrugada.
Ainda assim, cerca de 1.500 pessoas foram para o centro de Kiev, e números algo menores em Lviv, Karkhiv, Dnipro, Odessa e algumas cidades menores. Segundo o relato de um jornalista local à reportagem, a sensação foi de catarse, dado o incômodo com os rumos da administração, que acaba de ter seus principais nomes trocados.
O prefeito de Kiev, Vitali Klitschko, participou da manifestação. Ele já teve desentendimentos anteriores com Zelenski, que acaba de nomear uma nova premiê e um novo ministro da Defesa.
Havia cartazes e slogans pedindo que Zelenski vetasse a medida, mas também crítica diretas ao presidente, chamado por alguns de demônio e corrupto. A mídia local também fez críticas. O jornal Kyiv Independent publicou um editorial afirmando que Zelenski estava traindo a democracia ucraniana e o motivo pelo qual as pessoas lutam.
Nesta manhã de quarta (23), Zelenski reuniu-se com autoridades e ativistas, e prometeu um novo plano contra a corrupção em duas semanas. “Nós ouvimos o que a sociedade está dizendo. Nós vemos o que o povo espera das instituições do Estado”, afirmou, prometendo reforçar os órgão que a lei subordinou ao Executivo.
A mídia russa, claro, qualificou os protestos como uma prova de que a Ucrânia não quer mais a guerra. Se há fastio evidente como o conflito, isso não transpareceu nas imagens e relatos disponíveis dos protestos. O foco era a corrupção, o que de todo modo não ajuda um governo em guerra e num momento de avanços em solo dos russos.
“Nós temos um inimigo. Portanto, vale a pena resolver as contradições internas por meio do diálogo aberto para alcançar um objetivo único comum: defender nosso país”, postou no Telegram o popular chefe do serviço de inteligência militar HUR, Kirilo Budanov, sem citar especificamente a lei.
O tema é espinhoso, dada a reputação péssima de Kiev. Em 2023, pesquisa do Instituto Internacional de Sociologia de Kiev e outros centros apontou que quase 80% dos ucranianos culpavam o presidente pela corrupção no governo.
A pressão não é só interna. As tentativas de governos pró-Ocidente de aderir à UE (União Europeia) sempre esbarraram na questão da baixa transparência na Ucrânia. A guerra trouxe boa vontade óbvia em Bruxelas, e novos contatos foram abertos.
A nova lei foi mal recebida, contudo. “O desmantelamento de salvaguardas vitais para a independência do Nabu é um sério passo para trás”, postou no X a eslovena Marta Kos, comissária europeia de Ampliação, responsável pelos processos de adesão de novos membros no clube hoje com 27 integrantes.
A UE é, como entidade, a segunda maior doadora de ajuda à Ucrânia na guerra, tendo enviado R$ 380 bilhões até abril em apoio financeiro os EUA são os maiores parceiros. Kos ligou para debater o tema com a premiê Iulia Sviridenko, que assumiu na semana passada.
Outras entidades, como o escritório anticorrupção do G7 e a Transparência Internacional, disseram estar preocupados com a natureza da nova legislação. Já a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) divulgou nota dizendo que os investimentos externos na Ucrânia serão prejudicados pela medida.