[AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DC NEWS]
Quando a família Sarruf deixou a Síria, no início do século 20, em meio à instabilidade política e econômica que antecedeu a Primeira Guerra Mundial, ainda não existia a região da 25 de Março como polo comercial nem a ideia de que aquele deslocamento daria origem a um dos comércios mais longevos do centro de São Paulo. Fundado oficialmente em 1926, o Rei do Armarinho atravessou a mascateação, a consolidação do comércio popular paulistano, crises econômicas sucessivas e, mais recentemente, a pandemia — e agora se prepara para completar 100 anos, em 2026, ampliando sua atuação além da loja física e com a terceira geração da família à frente do negócio. “A chave do sucesso da empresa é a nossa capacidade de nos adaptar às mudanças”, afirma Pierre Sarruf, CEO do Rei do Armarinho e neto do patriarca da família Afif Sarruf. Sustentando de forma sólida e constante o traço da história, a empresa é uma das vencedoras do Prêmio Comércio Histórico, iniciativa da AGÊNCIA DC NEWS e da Associação Comercial de São Paulo, que celebra histórias incríveis e longevas de empreendedores de São Paulo.
A família se estruturou na diversidade. Antes de vir ao Brasil, o avô de Pierre, Afif, vivia sob o domínio do Império Otomano, que havia durado séculos, e estava enfrentando profunda incerteza política e econômica, na cidade de Homs, na Síria, onde o cerco de uma grande guerra se apertava, e a região estava sendo afetada pela fome, pela pobreza e pela violência. A Síria como um todo, contava o avô de Pierre, também passava por um período de nacionalismo crescente, com muitos sírios lutando pela independência do Império Otomano. No entanto, a repressão otomana era brutal, e muitos sírios foram forçados a fugir do país em busca de segurança e oportunidades.
No bonde dos que buscavam novos horizontes, a família Sarruf trouxe consigo suas tradições, habilidades e cultura, que contribuíram para a rica diversidade do país. Pierre Sarruf é descendente de uma família grande, e seu avô era o mais novo de onze irmãos. Os irmãos mais velhos, que foram os dois primeiros a chegar ao Brasil, criaram seu avô. E eles não estavam sozinhos. Muitos desses imigrantes árabes, já no Brasil, começaram como mascates, vendendo produtos de porta em porta, em mercados e feiras. Eles eram conhecidos por sua habilidade em negociar e sua capacidade de se adaptar às novas situações. Com o tempo, muitos desses mascates se estabeleceram como comerciantes fixos, abrindo lojas e armazéns que se tornaram centros de comércio e comunidade.
É nesse período também que se populariza o nome “armarinho”, uma palavra de origem árabe, derivada da palavra “al-mahazán”, que significa “sótão, entreposto, botica ou celeiro”. Essa palavra se refere a um local de armazenamento de mercadorias, produtos ou materiais. No Brasil, se transformou em um espaço para venda de tecidos, agulhas, linhas e outros acessórios de uso corriqueiro. E o Rei do Armarinho se mantém assim até hoje – com ênfase especial ao aumento no número de acessórios de uso diário.
DIAS ATUAIS – A empresa soma aproximadamente 100 colaboradores diretos, se enquadra como Média Empresa, de acordo com a Lei nº 8.212/1991, que estabelece categorias de empresas pelo número de funcionários. A empresa é composta por profissionais jovens e preparados para as atualidades, bem como por uma equipe tradicional com mais de 30 anos de casa, o que fortalece e ajuda a manter os valores da empresa desde a sua fundação. “Eu passei por todos os processos, aprendendo antes de chegar ao cargo de diretor”, afirmou Pierre. A cultura de imersão no negócio vem desde sua adolescência, “É uma loja muito complexa e tem muitos itens. É como achar uma agulha no palheiro, né?”
Nos últimos anos a palavra de ordem foi se adaptar, segundo Pierre. A pandemia trouxe desafios logísticos e de fluxo na loja, o que levou a empresa a reforçar sua operação online, ampliando a capilaridade. No período, para não demitir funcionários, o plano foi levar os vendedores para a operação logística, ampliando significativamente o galpão de armazenagem para virar um centro de distribuição. “A chave do sucesso é a nossa capacidade de nos adaptar às mudanças e às necessidades dos clientes”, disse. “Tudo isso mantendo a essência da nossa tradição e cultura, claro.” Nessa tradição, inclusive, está a pecha de serem os árabes excelentes vendedores. “A questão para nós é servir bem para servir sempre. É isso que nos motiva a continuar crescendo e melhorando.”
O pai de Pierre é Gilberto Afif Sarruf, atual patriarca da família e que completou 77 anos no dia 13 de dezembro. Segundo o atual CEO, o pai ainda inspira seus passos e “é um enorme prazer saber que, mesmo após tantos anos de dedicação, ele ainda participa semanalmente das reuniões da empresa”, disse. Nesses encontros, o pai compartilha sua experiência e sabedoria com a equipe, e com 61 anos de empresa, é um testemunho da sua dedicação e compromisso com a família e a empresa. Os clientes do Rei do Armarinho são diversificados, mas ainda trazem a cultura que forjou o Rei do Armarinho, e isso inclui pequenos artesãos, crocheteiras, revendedores, decoradores e consumidores em geral.
Se os itens permanecem parecidos desde o início, a forma de vender tem mudado. Agora o espaço fornece milhares de produtos online para todo o Brasil, tornando-se uma referência para os amantes da costura, artesanato e DIY (faça você mesmo). E essa não foi a primeira grande inovação da marca. Em uma entrevista ao Museu da Pessoa, em 1994, Gilberto afirma ter sido no Rei do Armarinho a instalação do primeiro computador dentro de uma empresa familiar a ser implementado na região central da cidade de São Paulo. “Nesse momento desenvolvemos muitos sistemas e partimos de forma muito séria para organização, o que ajudou na eficiência”, disse ele.
Hoje, com uma operação digital moderna e eficiente, o Rei do Armarinho pode alcançar um público mais amplo e oferecer seus produtos para pessoas de todo o país. Com 99 anos de história, o Rei do Armarinho é um exemplo vivo da perseverança e do empreendedorismo da família Sarruf e da comunidade síria no Brasil. É um símbolo da importância da preservação da cultura e das tradições, e da contribuição que os imigrantes podem trazer para a sociedade brasileira. E, como disse Pierre, em termos de valores, tradição e cultura a empresa é “de grande porte!”