Cidade Copan, com seus 5 mil moradores, aguarda reabertura do cinema: roteiro de retomada do Centro
Anúncio da inauguração do Cine Copan, em 1970. Região central de São Paulo tinha dezenas de salas
(Reprodução)
Edifício abrigou cinema durante 15 anos. Local virou sala de concertos e igreja, e está abandonado desde 2008
Síndico diz que local abrigará uma sala multiuso e que projeto é "grandioso". Segundo ele, prazo para conclusão é de dois a três anos
Por Vitor NuzziCompartilhe:
[AGÊNCIA DC NEWS]. Seis cafés ou restaurantes, cinco salões de beleza ou estética, três lojas de roupas, duas lavanderias, duas academias de pilates, duas barbearias, um ateliê, uma livraria, uma consultoria imobiliária, uma passadoria (de roupa), uma locadora de filmes, uma padaria, uma perfumaria, um salão de podologia, uma “fábrica de panetones”, uma queijaria, uma loja de calçados, uma galeria fotográfica, uma cachaçaria, uma loja de móveis, uma floricultura. Tudo na área interna. Com seus 5 mil moradores – população superior a 22% das cidades brasileiras, segundo o IBGE – 115 metros de altura, 1,2 mil apartamentos em 32 andares e seis blocos, o Copan, além de cartão-postal paulistano, é um minishopping. Tem de tudo. Só falta, talvez, um cinema. Uma lacuna que poderá ser preenchida em breve: nos últimos dias, lojistas e condôminos trocam ideias e impressões sobre a possível reabertura do Cine Copan, que fechou em meados dos anos 1980 após 15 anos de funcionamento. Foi sala de concertos e sede de igreja até fechar de vez, em 2008, e está inativo desde então.
Inativo e sem nada dentro. Mas com sinais de movimento. No saguão, ao qual a Agência DC NEWS teve acesso, o piso, sem revestimento, está limpo. As paredes, descascadas. Lojistas contam que o entra e sai tem sido frequente. Pessoas tirando medidas. A uma delas, um lojista perguntou, tentando despistar: e esse teatro, vai sair ou não? Foi corrigido na hora: não vai ser teatro, vai ser cinema. Um cinema multiuso, segundo o síndico do Copan, Affonso Celso Prazeres de Oliveira, um carioca de 86 anos que está desde os 20 em São Paulo – e é o “prefeito” do condomínio desde 1993. “Um projeto grandioso”, afirmou. “É um novo cinema, coisa que não existe em São Paulo.” Para Affonso, a novidade se insere em um processo de recuperação do Centro. Ele só não conta quem está por trás do projeto, que de acordo com o síndico ainda levará dois a três anos. Nos últimos dias, circulou na prefeitura a informação de que a empresa responsável seria a 02, produtora que tem o cineasta Fernando Meirelles entre seus diretores. Procurada por meio da assessoria de imprensa, a 02 negou participação.
Entrada do antigo Cine Copan: fechado desde 2008 (Andre Lessa/Agência DC News)
O gestor de saúde Marco Aurelio Prates Minho, atualmente morando em Porto Alegre (RS) por causa dos estudos, tem um apartamento no Copan herdado do pai. Costuma alugar para estudantes ou turistas. Foi poucas vezes ao Cine Copan (“Até porque eu costumava ir nos cinemas da Ipiranga”), na fase final, mas se lembra bem. “Era um espetáculo, carpetado, tela gigante, se não me engano para 1,2 mil lugares, cinema estilo anos 60, 70 e 80”, afirmou. Segundo ele, foi no cinema que ele assitiu Rambo III , Instinto Selvagem (embora fosse menor de idade) e outros filmes. “A experiência foi maravilhosa. Era um cinema aconchegante, e para quem é morador é muito da hora.” Ele diz que o Cine Copan deveria ser tombado pelo Patrimônio Histórico. “É um patrimônio da cidade. Com certeza será um grande atrativo cultural.”
Saguão do antigo Cine Copan, hoje: sobrou apenas a estrutura (Andre Lessa/Agência DC News)
“O mais atualizado cinema de São Paulo”, conforme diziam os anúncios, o Cine Copan foi inaugurado comercialmente em 26 de agosto de 1970 (o edifício é de 1966), uma quarta-feira nublada na capital, com o filme 007 – A Serviço de Sua Majestade (1969), com George Lazenby no papel principal (foi sua única vez como Bond; o consagrado Sean Connery voltaria em 1971) e Telly Savalas como seu inimigo. A exibidora era a Empresa Cinematográfica Haway. Uma época em que a região central tinha diversas opções de entretenimento e dezenas de salas de cinema, com as mais variadas películas. Uma busca rápida nos jornais localizou pelo menos 47 locais de exibição, como Art Palácio, Comodoro, Olido e Regina, todos na avenida São João. Ou o Marrocos (rua Conselheiro Crispiniano), o Metrópole (avenida São Luís) e o Ipiranga e Windsor (avenida Ipiranga). Estavam em cartaz filmes como De Volta ao Planeta dos Macacos, Disque Butterfield 8, Perdidos na Noite e Se o Meu Fusca Falasse. “A gente não assistia filme sem estar de paletó”, disse Affonso, o síndico do Copan, que cita …E o Vento Levou (1939) como um de seus preferidos.
Paulo Sérgio e sua locadora, desde 1985 no Copan: “Peguei todas as fases” (Andre Lessa/Agência DC News)
Paulo Sérgio Baptista Pereira elegeu um longa contemporâneo: o japonês A Partida, vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2009. Ele vai contando o enredo: um músico (violoncelista) que perde o emprego, volta para sua cidadezinha e acaba arrumando emprego em uma agência funerária. De filmes pode-se dizer que ele entende. Está desde 1985 no Copan. Ocupa a Loja 30, com sua Vídeo Connection, uma locadora com 30 mil unidades no estoque, entre VHS, DVD e Blu-ray. Na mesma semana em que o assunto do cinema circulou pelos corredores do edifício, ele reabriu a loja após um mês – fechou devido a um tratamento de saúde. “Peguei todas as fases”, afirmou. VHS, DVD, streaming. Ele se lembra do fechamento do Cine Copan, que em 1985 passou a ser utilizado para eventos culturais, como a 9ª Mostra Internacional de Cinema. Em 20 de outubro de 1986, o local passou a ser chamado de Sala Copan Cultura, “a mais nova sala de concertos da cidade”.
Regida pelo maestro Eleazar de Carvalho, a Orquestra Sinfônica do Estado (Osesp) se apresentava ali. “Os músicos eram nossos clientes”, disse Paulo Sérgio, recordando também os ensaios. “Eles tocavam aqui os temas dos filmes. Ficava aquele som no corredor…” A Osesp foi para a Sala São Paulo, e de 1993 a 2008 o espaço foi ocupado pela igreja Renascer em Cristo, até ser interditado. Desde então, não foi mais usado. “Na interdição, os antigos proprietários destruíram tudo. Não ficou nada, só a estrutura”, disse o síndico.
Affonso, síndico: “É um novo cinema, coisa que não existe em São Paulo” (Guilherme Silva/IBGE)
Se hoje quase não se veem videolocadoras, naquela época elas estavam por toda parte. Paulo Sérgio trabalhava com vendas em uma multinacional e foi convidado por um amigo para mudar de ramo. “Pedi as contas e fui.” O movimento obviamente é menor, mas ainda assim há semanas em que ele aluga até 200 fitas. Mas a maior procura é pela conversão de fitas mais antigas. “O pessoal traz muita gravação de família, aniversário, casamentos.” E tem a memória afetiva também, conta: muita gente vai à procura do filme que assistia com os pais, por exemplo.
Para Adão Oliveira de Santana, que mora no Copan desde 2004, ter tal espaço parado “é um desperdício”. Proprietário de um salão de barbearia bem em frente ao antigo cinema, ele tem observado movimento constante lá dentro. “Vários clientes já foram lá (ver filmes). Vai ser bom pra todo mundo (a reabertura).” Paulo Sérgio concorda: “A ideia de voltar o cinema é uma luz”.
Além da melhora na saúde, a semana que passou trouxe mais uma boa notícia para o dono da videolocadora. O curta-metragem Video Connection foi selecionado para a 36ª edição do Festival Internacional de Curtas de São Paulo (Kinoforum), de 21 a 31 de agosto. Coprodução da Tukura Filmes e Parece Cinema, o curta foi dirigido pelo jornalista, professor e roteirista Sérgio Rizzo. Uma sala de projeções estava nos projetos do Copan desde o início. E o edifício tinha entre seus moradores o cineasta, escritor e crítico Jean-Claude Bernardet, que morava no 30º andar do Copan. Ele morreu no último dia 12, aos 88 anos. E certamente estaria na primeira fila.