No início de 2020, a taxa básica de juros (Selic) era de 4,25%, chegando a 2% entre agosto daquele ano e janeiro de 2021. Era um período ideal para a alavancagem financeira, o que levou o varejo a buscar crédito nos bancos. As dívidas de longo prazo, as mais comuns em estratégias de alavancagem, têm seu valor total atrelado à Selic. O que essas empresas não esperavam ao se endividarem era que o Brasil enfrentaria o ambiente econômico atual. Com a Selic a 14,25% e a expectativa de atingir 15% até o fim deste ano, o passivo total das dívidas se multiplicou.
Uma dívida hipotética de uma empresa no valor de R$ 100 milhões, contraída em 2020 com juros a 2%, teria seu montante atualizado, considerando as variações da Selic até os atuais 14,25%, chegando a R$ 168,83 milhões—um aumento de 68,8% em cinco anos. Para Claudio Felisoni, presidente do Ibevar e professor da FIA e da USP, o cenário atual aumenta significativamente a probabilidade de as empresas não conseguirem honrar seus débitos, especialmente diante do arrefecimento econômico. “Estamos vendo um endividamento crescente das empresas”, afirmou em entrevista exclusiva à AGÊNCIA DC NEWS.
Para algumas varejistas, especialmente as pequenas e médias, o sufocamento financeiro pode significar falência ou, no melhor dos cenários, a aquisição por um grupo maior. “Todos os momentos de crise, como o que vivemos, são seguidos por movimentos de concentração.” Já para as grandes redes, Felisoni explica que elas provavelmente repassarão parte desse endividamento para o preço final dos produtos e serviços, o que pressiona a inflação e aumenta a demanda por medidas de contenção monetária. Confira a entrevista completa:
AGÊNCIA DC NEWS – Por quanto tempo as empresas com alta alavancagem conseguirão suportar a Selic elevada? Há risco de uma quebradeira generalizada no varejo?
Claudio Felisoni – Não podemos falar em uma quebradeira generalizada, mas o que estamos observando é um endividamento crescente das empresas, particularmente no varejo. Isso aumenta consideravelmente o risco de inadimplência e a incapacidade de cumprir compromissos financeiros.
AGÊNCIA DC NEWS – Esse custo será repassado aos consumidores?
Felisoni – Sim, as empresas repassarão esse custo nos preços, mas há limites. As mais endividadas correm um risco maior de não conseguirem recompor suas receitas. A competição no mercado de consumo é intensa, e a aceitação de aumentos de preços tem um teto definido por esse fator.
AGÊNCIA DC NEWS – Grandes varejistas tomaram empréstimos com a Selic a 3% e agora lidam com juros em torno de 14%. Esse endividamento, especialmente entre pequenas e médias empresas, pode acelerar o ritmo de fusões e aquisições (M&A) no setor?
Felisoni – Felisoni – Certamente. Essas empresas estão mais vulneráveis e suscetíveis à incapacidade de se manterem no mercado. Isso amplia as chances de maior concentração no setor varejista. Todos os períodos de crise são seguidos por movimentos de concentração.
AGÊNCIA DC NEWS – AGÊNCIA DC NEWS – Momentos econômicos como o atual também atraem redes estrangeiras. Recentemente, Loewe, Le Labo e Rip´n´Dip entraram no país. Esta semana, a Krispy Kreme anunciou sua chegada para 2025, e ainda são esperadas as entradas de Comme des Garçons, Alo Yoga, H&M e Geely. Como o senhor enxerga esse movimento?
Felisoni – É exatamente isso. Quando você tem um real desvalorizado, os ativos ficam mais baratos. Portanto, isso atrai capital para o Brasil. Agora, nós temos uma questão política. Há um ambiente de incerteza em relação ao futuro imediato. Se de um lado, você tem perspectivas mais interessantes, economicamente mais interessante, porque os ativos se tornaram mais baratos, de outro lado, você tem maior insegurança das empresas estrangeiras e investir no Brasil em função das movimentações políticas.
AGÊNCIA DC NEWS – O aumento da renda real do brasileiro já foi completamente sufocado pelo aumento dos preços?
Felisoni – Ainda não. A massa real de pagamentos continua crescendo, mas isto vai acontecer.
AGÊNCIA DC NEWS – Em que momento?
Felisoni – É difícil de dizer exatamente em que momento. Mas nós estamos com uma pressão inflacionária contínua.
AGÊNCIA DC NEWS – O que isso significa para bolso do consumidor a longo prazo?
Felisoni – Isso tende a se reverter em diminuição da capacidade de compra das pessoas. O crescimento no nível geral de preço é como um imposto que retira a renda das famílias.
AGÊNCIA DC NEWS – AGÊNCIA DC NEWS – Então, inevitavelmente, a inflação acabará superando o aumento da renda real?
Felisoni – Sim. Como sempre. Se nós olharmos a história econômica, isso sempre acontece. Reajustes causam defasagem. Só que os aumentos de preço são sempre maiores do que os aumentos que estão sendo colocados nos custos e nos salários. Até porque a inflação também traz uma perspectiva mais pessimista da evolução futura dos preços.
AGÊNCIA DC NEWS – A aprovação da reforma tributária pode trazer um pouco mais de segurança para as empresas que buscam investir no Brasil?
Felisoni – Sem dúvida, é um ponto positivo. Mas, só ela não daria conta da atratividade desses investimentos, uma vez que seus reflexos na economia não são imediatos. Isso vai acontecer ao longo de um período razoavelmente dilatado.
AGÊNCIA DC NEWS – O comércio eletrônico internacional tem conquistado uma fatia significativa do mercado, e há especialistas que acreditam que gigantes como AliExpress, Amazon, Temu e Shopee podem dominar o setor no Brasil. O senhor acredita que isso pode se tornar realidade?
Felisoni – Estas empresas operam numa escala global e tem enormes vantagens sobre as empresas nacionais. Então, diria, sem dúvida nenhuma, que nos próximos anos, as varejistas brasileiras vão passar a enfrentar um desafio muito grande, representado pela concorrência destas grandes operações.