Daniel Paixão, CEO da Ducati: “O Brasil poderia ser um dos cinco maiores mercados da Ducati. Não é por problemas do próprio país”
Daniel Paixão comanda o maior plano de expansão que a Ducati já implementou no Brasil
Crédito: Divulgação/Ducati
No Brasil desde 2012, a Ducati já vendeu mais de 12 mil motos no país e produz 150 unidades por mês, na fábrica de Manaus
"Vamos continuar expandindo. Até o final deste ano, devemos inaugurar mais duas unidades, sendo uma no Centro-Oeste e outra no Nordeste"
Por Klester Cavalcanti
Tudo começou há quase 100 anos. Em 1926, três irmãos italianos decidiram fundar uma pequena fábrica de rádios, na cidade de Borgo Panigale, em Bolonha. Com o passar do tempo, Adriano, Bruno e Marcello mudaram os rumos da companhia e começaram a produzir motos. Batizaram a empresa com o próprio sobrenome: Ducati. Nascia, assim, uma marca que se tornaria sinônimo de sofisticação, design e robustez no mercado global de duas rodas, com operações em todos os cantos do planeta, fãs famosos – como os atores Keanu Reeves e Tom Cruise – e motos que podem custar até R$ 700 mil. No Brasil, o homem responsável por administrar a companhia é Daniel Paixão, 50 anos. Nascido em Lisboa, ele está no país desde 2015, quando assumiu a Audi local. Antes, foi diretor da BMW na Argentina e na Alemanha.
Engenheiro mecânico de formação, o executivo tem pós-graduação em marketing e negócios internacionais e está no comando da Ducati no Brasil há 2 anos e meio. Sob sua administração, a marca, que já vendeu mais de 12 mil motos no Brasil e produz cerca de 150 unidades por mês na fábrica de Manaus, acaba de anunciar o maior plano de expansão desde a chegada ao país, em 2012. “Será a primeira vez que vamos inaugurar quatro unidades em menos de um mês”, disse Daniel Paixão, em entrevista exclusiva à DC NEWS. Com as novas lojas, a Ducati somará 25 espaços no país. A seguir, ele dá detalhes do atual projeto de expansão, fala das idiossincrasias do Brasil, do mercado local e das vantagens e complicações de se trabalhar num país com tantas particularidades. “No Brasil, temos de lidar com situações que não enfrentamos em nenhum outro lugar do mundo”, afirmou.
Os irmãos Ducati: Adriano, Bruno e Marcello começaram fabricando rádios Crédito: Divulgação/Ducati
DC NEWS – O atual plano de expansão da Ducati no Brasil é o mais forte desde que a empresa chegou ao país, em 2012. Por que esse movimento está acontecendo agora? Daniel Paixão – Realmente, nunca fizemos algo assim. Serão quatro novas lojas inauguradas em menos de um mês. Mas não há uma razão específica. O plano faz parte das estratégias da companhia e da estruturação do negócio no Brasil, para seguirmos crescendo em todas as regiões do país.
DCN – Há algo de especial ou diferente que você destacaria nesse plano? Daniel – Além da quantidade de novas operações, eu ressaltaria o fato de estarmos trabalhando com parceiros muito fortes em cada localidade, como as Empresas Maggi, do interior de São Paulo, e o Grupo Ramasa, de Goiás, ambos especialistas no mercado automotivo. Ter esses parceiros locais é excelente para o negócio. Essas empresas têm equipes especializadas, conhecem muito bem o mercado regional e nos ajudam a montar a estratégia certa de venda e de divulgação em cada lugar.
DCN – O programa de expansão está concluído? Daniel – Não. Vamos continuar expandindo. Até o final deste ano, devemos inaugurar mais duas unidades, sendo uma no Centro-Oeste e outra no Nordeste. O Brasil tem um potencial gigantesco para o nosso segmento.
DCN – O que você apontaria como vantagens que o Brasil oferece ao negócio da Ducati? Daniel – Eu sou português. Então, para mim, já começa pelo tamanho do país. É algo realmente impressionante (o Brasil tem 8,5 milhões de km² de extensão, mais de 90 vezes o tamanho de Portugal, com 92 mil km²). Mesmo eu já tendo morado em outros países, como Alemanha e Argentina, e conhecendo muitos lugares pelo mundo, as dimensões do Brasil ainda me impressionam. Cada região tem suas especificidades, cultura própria, estilo de consumo, interesses. Com mais de 210 milhões de habitantes e o imenso potencial que tem, o Brasil poderia ser um dos cinco maiores mercados da Ducati no mundo. Não é por problemas do próprio país. Mesmo assim, o país está no nosso top 10.
DCN – Que problemas são esses? Daniel – Veja bem. O Brasil tem tudo para o amante das motos: lugares lindos e totalmente diferentes uns dos outros, belas paisagens, cidades históricas, bastante espaço, clima agradável. Temos a combinação perfeita para grandes viagens de moto, coisa que o nosso cliente adora. Mas as deficiências do país atrapalham. Em geral, as estradas são ruins, a violência é imensa, a infraestrutura é fraca. O país não consegue explorar devidamente o enorme potencial que tem.
DCN – Que outros tipos de problema o Brasil oferece para uma grande empresa como a Ducati? Daniel – Penso que o maior de todos é a questão tributária. Sobretudo, em relação à exportação. Vou dar um exemplo: para a Ducati, é mais vantajoso exportar motos da Itália, onde fica a nossa matriz, para a Colômbia do que mandar as motos da nossa fábrica em Manaus, que fica do lado da Colômbia, para aquele país. Isso chega a ser surreal. E isso acontece por causa dos tributos de exportação que as empresas pagam no Brasil, em torno de 30% do valor do bem.
DCN – Há algum outro país em que aconteça algo similar? Daniel – Não. Em nenhum lugar do mundo existe algo parecido. Na Ásia, por exemplo, temos uma fábrica na Tailândia que atende a todo o mercado asiático e região do Pacífico. Assim, dessa única planta na Tailândia, exportamos para países como China, Índia, Singapura, Vietnã. No Brasil, isso seria economicamente inviável, simplesmente pela questão tributária. E acaba sendo ruim para o próprio país, que poderia estar gerando mais empregos, exportando um produto de alto padrão e, obviamente, ganhando com isso. Esse é um problema não apenas do setor de motos, mas de vários segmentos.
DCN – A Ducati trabalha com produtos de alto luxo. Como fidelizar esse tipo de cliente? Daniel – Em primeiro lugar, oferecendo um produto de qualidade altíssima. Nossas motos têm o que há de melhor, mais moderno e sofisticado do segmento no mundo. Além disso, o fato de estarmos em todo o país garante serviço e atendimento especializados aos proprietários de uma Ducati. Eu citaria, ainda, o programa que temos voltado especificamente aos nossos clientes, o Ducati Official Club (DOC), presente em todas as concessionárias. Por meio do DOC, promovemos eventos e passeios aos nossos clientes. É uma das nossas ferramentas mais importantes em relação à fidelização. Hoje, são quase 20 clubes espalhados pelo Brasil, com 2,5 mil associados. Essas pessoas acabam se tornando embaixadores da Ducati, divulgando a marca com orgulho e prazer.
DCN – Em relação às motos de forma mais específica, há novidades da Ducati para o Brasil? Daniel – Claro. Estamos com dois novos modelos no mercado nacional: a Diavel V4S (R$ 145 mil) e a Multistrada V4 Rally (R$ 155 mil). O cliente Ducati sempre busca por produtos diferenciados, tanto que também temos nossos modelos super exclusivos, produzidos em quantidades muito pequenas, em torno de 500 motos. São máquinas montadas a mão, de forma artesanal.
DCN – Que modelo você poderia destacar nesse tipo de produto? Daniel – Podemos citar a Panigale V4 916 e a Multistrada V4 RS. Mas o modelo que retrata com mais perfeição esse tipo de produto é a Ducati Streetfighter Lamborghini, que desenvolvemos em parceria com a lendária marca de carros esportivos. Foram produzidas apenas 500 unidades, na nossa fábrica da Itália, todas numeradas. Essa moto custa em torno de R$ 700 mil. Duas unidades foram vendidas no Brasil. E só não vendemos mais aqui porque todas já haviam sido compradas. Mas tinha até fila de espera de clientes brasileiros querendo comprar a Ducati Lamborghini.
Produzida em parceria com a Lamborghini, a Ducati Streetfighter custa R$ 700 mil Crédito: Divulgação/Ducati
DCN – Em relação ao faturamento da companhia, como estão os números? Daniel – Nós não divulgamos valores de faturamento. O que posso dizer é que os números são bons. Temos crescido de forma sustentável nos últimos anos. Até agora, 2023 foi o nosso melhor ano, com alta de 12% sobre 2022. Para 2024, devemos crescer de 7% a 10% em relação a 2023.
DCN – De que maneira o atual cenário econômico do Brasil influi nos planos da Ducati no país? Daniel – Posso afirmar que se a economia nacional estivesse mais estabilizada, sem tantos percalços, nós estaríamos expandindo ainda mais. Somos uma companhia italiana e, por isso, trabalhamos com o euro. Quanto mais desvalorizado fica o real, mais desafiador é o nosso trabalho. Mas temos conseguido estruturar bem a operação no Brasil. Tanto que seguimos crescendo.