Elas tiveram em comum o trabalho doméstico. Hoje, são proprietárias da Niari Afrocosméticos, em Divinópolis (MG), e uniram a atividade profissional – em algo que se identificam – com a cultura negra. Uma história de “viradas de chave”, como diz Elissandra Flávia Santos, que é mais conhecida como Sandrinha Flávia, uma das sócias. “Somos três sócias negras ex-empregadas domésticas. Temos de provar o tempo todo que nós que somos as donas da indústria”, afirmou. “Começar o negócio sem ter nenhum apadrinhamento empresarial de alguém próximo, como vemos acontecer com vários donos de indústria, foi um ato de coragem.” Agora, elas têm 85 salões cadastrados, com quase todas as cabeleireiras especializadas em cabelos crespos e cachos. “A maioria gerenciada por mulheres negras, que veem na Niari outra fonte de renda.”
Uma das viradas aconteceu quando a casa em que duas delas moravam foi transformada em fábrica, inaugurada em 2023. “Foi o jeito que encontramos para realizar esse grande sonho”, disse Elissandra. Começou uma nova etapa. Fizeram um rebranding com o objetivo de se aproximar mais da comunidade crespa e cacheada. Agora, todas as linhas de produtos têm nomes africanos. “A ideia é resgatar alguns nomes perdidos na história, pois no período escravocrata os africanos e africanas que chegavam ao Brasil eram batizados com nomes de colonizadores ou nomes católicos.” O próprio nome da empresa faz menção a uma região da República do Congo. Elissandra conta que chegou a perder um emprego por não aceitar alisar os cabelos – “Após passar em todas as etapas da entrevista”, disse.
Outra virada ocorreu antes, em meados de 2015, quando ela participou do projeto Brasil Afroempreendedor, organizado pelo Sebrae em Brasília, pelo Instituto Adolpho Bauer (IAB), de Curitiba, e pelo Coletivo de Empresários e Empreendedores Afro-brasileiros de São Paulo (Ceabra-SP). “Foi nesse projeto que tive a certeza de que a Niari seria grande.” Aprendeu sobre plano de negócio, gestão, estratégias de marketing, branding… E colocou tudo em prática na empresa. Ela é uma das finalistas do Prêmio Sebrae Mulheres de Negócios 2024, evento que será realizado nesta quinta-feira (21), durante o Delas Summit, em Florianópolis (SC). Além de Elissandra, 47 anos, a Niari tem no comando as irmãs Patrícia Kelly, 46, e Karla Caroline dos Santos, 43. Elissandra cuida da comunicação e das vendas. Patrícia é responsável pela área técnica. E Karla (com formação em técnica de enfermagem) cuida da produção. Elas têm dois colaboradores que trabalham na produção e uma diarista, além de prestadores de serviços terceirizados.
No começo, conta Elissandra, como não havia investimento, as três vendiam máscaras capilares, único produto do catálogo, e aplicavam tudo no negócio. “Várias vezes retirávamos dos nossos próprios recursos”, afirmou. Outro desafio foi empreender uma marca preta que desenvolve produtos afro com apelo publicitário para esse público em um país que, conforme afirma, sempre valorizou a estética e cultura eurocêntrica. Além disso, eles tiveram de se adaptar à passagem de MEI para indústria. “A compra de embalagens e matérias-primas em menor quantidade, pelo tamanho da nossa produção, também foi desafiador, pois a maioria dos fornecedores só trabalha com quantidades muito grandes.”
Nascida em Barão de Cocais, também em Minas, “em uma rua sem calçamento e sem saída”, Elissandra muito cedo aprendeu sobre construção coletiva. Quase não conhecia cosméticos, o que começou a acontecer quando foi para o trabalho doméstico, aos 15 anos. Conta que quando tinha dinheiro para comprar um xampu, que nunca era específico para o seu tipo de cabelo crespo, usava com muita economia para não acabar tão rápido. “Às vezes acrescentava água. Hoje, fabricamos produtos para cabelos como o meu e não preciso mais acrescentar água no xampu para render”, disse. “Os propósitos da minha empresa se alinham com as minhas missões de vida.” A aposta empreendedora delas, que concilia discurso e ação, tem hoje capacidade para 4 toneladas mensais. Mas ainda produzem a metade. Para 2025, a meta é chegar ao limite.