ESPECIAL: 25 DE MARÇO-160 ANOS. Empório Syrio mantém viva a história da 25 e planeja expansão após 101 anos
Entre os planos, Empório Syrio quer atingir um público mais jovem
(Andre Lessa/Agencia DC News)
Fundada por imigrante libanês em 1924, a tradicional loja é um dos símbolos da rua mais famosa do comércio de São Paulo
Sob comando da neta do fundador, empreendimento aposta em modernização e novas formas de atendimento, sem perder a característica histórica
Por Vitor Nuzzi | Anna ScudellerCompartilhe:
[AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DC NEWS] A história do Empório Syrio se confunde com a da própria 25 de Março – coração do comércio paulistano e ponto de encontro de culturas e tradições. Desde os tempos das feiras e barracas improvisadas, quando os primeiros imigrantes libaneses se estabeleceram na região, até hoje, a loja, que quer abrir uma nova unidade, mantém viva a alma da rua mais famosa de São Paulo. “A gente quer atingir o público mais jovem. Os netos de quem vinha para cá comprar”, disse Ana Paula Dalman Cury, neta do fundador, Wadih Cury, e proprietária do estabelecimento desde 2023, que vê as encomendas via WhatsApp em ascensão. A relação entre a comunidade árabe e o desenvolvimento da 25 de Março é única, e algumas delas serão contadas no Especial 25 de Março-160 anos, que reúne relatos, dados históricos e análises sobre a formação, a identidade e a força econômica da rua mais emblemática do comércio paulistano.
O começo da relação entre o empório e a região central de São Paulo se dá com a chegada da família Cury entre o fim do século 19 e início do século 20. Vindo da cidade libanesa de Zahle, Wadih Cury tinha 24 anos quando chegou ao Brasil, em 1920, depois de uma experiência malsucedida nos Estados Unidos. Rumou à cidade de São Paulo, então com 600 mil habitantes, sendo 35% estrangeiros – e mais de 40% em bairros povoados por migrantes, como Brás e Mooca, além da Sé. Logo percebeu que uma conta não fechava: havia muitos migrantes e faltavam produtos de suas regiões de origem. Começou a importar – basicamente, gêneros alimentícios – e a vender na barraca de feira que montou na região central. Provavelmente, não muito distante da rua 25 de Março e imediações, onde se concentrava a colônia. Foram assim os primeiros anos do casal Wadih e Rosalie Cury no Brasil.
O Empório Syrio já esteve em outros três endereços até chegar ao número 136 da rua Comendador Abdo Schahin, uma travessa da 25 de Março. Cada mudança de endereço acompanhava as transformações do comércio central de São Paulo – sempre nos arredores da 25. Segundo Ana Paula, que hoje comanda o negócio, a procura por produtos de origem árabe fez com que Wadih expandisse o negócio. E da barraca partiu para uma loja, inicialmente com o nome Wadih Cury e Irmãos (eram quatro no total), em 1924. “Diz minha mãe que foi na rua José Bonifácio”, afirmou. Com o tempo, o empreendimento ganhou o nome de Empório Syrio. Depois da José Bonifácio, a loja funcionou na rua da Cantareira e na própria Comendador Abdo Schahin (empresário libanês do ramo têxtil), no número 40. Desde 1999, está no endereço atual. Rua paralela à 25 de Março, ainda é um microuniverso árabe, entre armarinhos e restaurantes.
Apesar da família ser de origem libanesa, até os anos 1940 o Líbano estava incluído no chamado Mandato Francês, que administrava a Síria. O nome do estabelecimento, que já estava consolidado na região, foi mantido mesmo depois da independência. “A gente atende todos os públicos do Oriente”, disse Ana Paula. Seu avô paterno, Wadih, o fundador da loja, morreu em 1964, 40 anos depois de abrir o empório. Durante quase seis décadas, Nicolau, João e Ricardo, respectivamente pai, tio e irmão de Ana Paula, ficaram à frente do negócio. O estoque no Empório Syrio tem mais de 500 itens, na maioria importados – o que traz preocupações extras a cada oscilação cambial. Além de marcas nacionais fundadas por árabes, lembra a proprietária. Segundo ela, quem passa por lá encontra produtos do Líbano, da Turquia, Sri Lanka (antigo Ceilão), Israel, Síria, Irã e África do Sul. Especiarias, bebidas, doces, grãos, que na loja antiga ficavam em recipientes de madeira e eram vendidos a granel. A atual tem incontáveis potes ao longo de suas prateleiras, que ocupam toda a extensão lateral, dos dois lados, com mais uma bancada de produtos no centro. Doces estão entre os carros-chefe: “Têm muita rotatividade”. Mas ela cita também o zaatar (uma mistura de temperos) e a pimenta síria. “São receitas nossas”, disse Ana Paula. “E bem guardadas.”
Ana Paula dirige a loja desde 2023: atendimento, raridades e receitas próprias (Andre Lessa / Agência DC News)
Com suas prateleiras e antigas balanças expostas no alto – um pouco acima, Ana Paula trabalha de um mezanino –, a loja tem certo ar nostálgico. Uma impressão que se reforça com algumas relíquias que sua dona guarda com cuidado. Como uma duplicata de um cliente de Mato Grosso, com data de vencimento de 30 de julho de 1936, no valor de 518,4 mil réis. Outra raridade é um exemplar, datado de 18 de julho de 1933, do jornal Esphynge, criado em 1906 e de circulação diária, escrito em árabe e português, com sede na rua Augusto Severo, no Centro Histórico. Ali aparece um anúncio do Empório Syrio, incluindo endereço na rua Felipe Camarão, onde ficava uma fábrica de rahat (goma árabe). A empresa tinha ainda um moinho de trigo na rua Ivaí. Ambas no Tatuapé, na Zona Leste. Hoje, são oito funcionários. O atual gerente, Fábio, trabalha ali há 22 anos. O anterior, seu Osvaldo, ficou mais de 60. “Ele era praticamente da família.”, afirmou Ana Paula. Ela resume a trajetória do empreendimento em duas palavras: coragem e resiliência. Ainda espera conhecer o Líbano de suas raízes. Por enquanto, esteve na Turquia.
Se o ambiente ainda remete a outros tempos, a ideia da dona do Empório Syrio é atualizar as operações. Os planos incluem abrir outra loja. Segundo ela, a atual entrega em toda a cidade. E vende em todo o país, inclusive no atacado. “Vendemos muito para restaurantes também.” O logotipo foi modernizado, parte da decoração mudou. O empório, que está atualizando o site, passou a atender pedidos por meio do WhatsApp. Esse tipo de encomenda vem crescendo, mas a maioria das vendas ainda é presencial. O tradicional encontro entre vendedor e clientes, como há 101 anos. “Adoro atender as pessoas, ouvir as histórias.” Entre o burburinho da 25 de Março e o cheiro das especiarias que escapam da loja, o Empório Syrio é uma alternativa centenária para quem busca novos sabores.
Empório Syrio R. Comendador Adbo Schahin, 136, Centro Segunda a sexta das 08:00 às 17:30 e sábado das 08:00 às 16:00 (11) 3322-3640 emporiosyrio.com.br Instagram: @emporiosyrio
(Reprodução/Arquivo da família)
Outros tempos
João Cury (à direita), antigo dono e tio da atual proprietária, com Osvaldo, que foi gerente durante 60 anos
(Reprodução/Arquivo da família)
Infância
Fundador do Empório Syrio (ainda com o nome Wadih Cury & Irmãos) com um dos filhos