[EXCLUSIVO] Paulo Maia, Abradimex: "Medicamentos roubados chegam a hospitais e colocam pacientes em risco"

  • Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) reconhece problema. "Infelizmente, essa realidade preocupa todo o setor da saúde"
  • Maia chama atenção para plataformas especializadas em venda de remédios às unidades de saúde. "Preços baixos chamam atenção"
Por Bruna Lencioni

[AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DC NEWS]
A denúncia é grave e aponta para um ciclo criminoso que ameaça diretamente a saúde pública. Medicamentos especializados de alto custo – como os utilizados em tratamentos oncológicos e para outras doenças graves – subtraídos em furtos em CDs e em roubos de carga estão sendo reintroduzidos na cadeia de consumo nos próprios hospitais brasileiros. A afirmação foi feita ao videocast DC NEWS TALKS por Paulo Maia, presidente da Associação Brasileira dos Distribuidores de Medicamentos Especializados, Excepcionais e Hospitalares (Abradimex), entidade que representa 16 dos principais players do setor, com 74,2% de market share e 13 mil SKUs. “Medicamentos roubados têm hospitais como destino”, disse. E complementa com o efeito nada colateral disso: “Colocam pacientes em risco”.

Maia se baseia num ciclo óbvio. Essas medicações são produzidas para o uso, em quase sua totalidade, somente em hospitais. Não faria sentido um desvio de carga com intuito de revenda no mercado paralelo – para o varejo, por exemplo. “São medicações hospitalares”, afirmou. Algumas até são administradas em casa, mas por especialistas. Em resumo, não se trata de algo que ganharia mercado de forma pulverizada. “O único destino possível dessas cargas é a rede hospitalar.”

A questão ultrapassa e muito o âmbito apenas financeiro. Coloca em xeque a segurança e a eficácia de produtos essenciais que chegam aos pacientes. O cerne do problema reside na perda imediata e irrecuperável do controle sanitário dessas mercadorias, uma vez que as condições de armazenamento pelas quadrilhas criminosas são desconhecidas, inutilizando o produto. Representa um risco iminente de ineficácia terapêutica. “Não se sabe a extensão do dano ao paciente.”

CONTROLE – Produtos como os destinados ao tratamento de câncer exigem rigoroso controle de temperatura (cadeia do frio) e manejo logístico especializado, requisitos que estão sob risco a partir das ações criminosas e o transporte clandestino. Essa perda do controle sanitário é tão séria que, mesmo quando uma carga é recuperada rapidamente, a orientação da indústria farmacêutica e da Anvisa é que ela seja imediatamente incinerada, pois a exposição a condições inadequadas de armazenamento, mesmo que por poucas horas, compromete irremediavelmente sua eficácia e segurança. “Não se sabe o risco real dessas drogas fora do controle sanitário”, afirmou Maia.

A Abradimex adotou uma cruzada contra esse esquema. O prejuízo financeiro anual com os roubos no país chegou à marca de R$ 283 milhões (dados levantados em 2024 pela Overhaul – consultoria global de gestão de risco logístico). De acordo com o estudo, 2% da carga roubada no Brasil é de produtos farmacêuticos. Mas o presidente da Abradimex insiste que o dano à saúde e a credibilidade do sistema são as piores consequências dessa modalidade de crime.

A associação tem alertado as autoridades de segurança e sanitárias sobre o alto risco envolvido, enfatizando que o custo para a saúde da população é imensurável, superando o prejuízo financeiro das distribuidoras. “Estamos pedindo apoio ao Ministério da Saúde para a divulgação de um vídeo que adverte sobre o problema”, disse. Maia afirmou que o quadro indica claramente a atuação de um crime organizado sofisticado, que atua de forma cirúrgica e com base em informações privilegiadas. Isso porque, segundo ele, 86% dos roubos ocorrem na fase de distribuição dos medicamentos, enquanto as cargas estão em trânsito. Outros 12% ocorrem em instalações (CDs) e ainda há 2% que são resultados de furtos.

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ORGANIZAÇÃO – Paulo Maia ressalta que essa estatística sugere que as quadrilhas têm conhecimento detalhado das rotas, dos tipos de carga e dos operadores logísticos, conseguindo interceptar com precisão os produtos de maior valor agregado e fazê-los chegar a compradores, de má-fé ou não, vinculados aos hospitais. A conta é simples: para ter acesso a todas essas variáveis é preciso organização logística por parte dos criminosos e a participação de pessoas em várias fases do processo de distribuição. Não são assaltos aleatórios. Para tentar frear os casos, ele disse que o segmento elevou entre 20% e 60% os custos com segurança. “Isso envolve até carro forte”, afirmou. “Mesmo assim, este ano o número de casos deve superar os do ano passado.”

Uma vez desviada, a procedência da carga pode estar sendo maquiada para que ela possa ser reintroduzida no mercado – um processo complexo que envolve a logística reversa do crime. Outro ponto quase inescapável é que medicamentos de uso estritamente hospitalar e de alto custo pouco provavelmente acabariam no varejo ilegal, mas sim em unidades de saúde, atraídas por preços vantajosos no mercado secundário. “Em alguns casos, as diferenças de preço chamam a atenção”, disse Maia. Segundo ele, a principal porta de entrada para esses produtos roubados no sistema legal de saúde tem sido marketplaces – plataformas focadas no setor hospitalar, onde o preço é colocado como o fator decisivo.

Segundo o presidente da Abradimex, a diferença de preço entre as ofertas nesses ambientes e as praticadas por distribuidores credenciados – cuja margem de lucro está em torno de 8% – deveria soar um alarme imediato sobre a origem duvidosa da mercadoria. Isso envolve uma cadeia complexa, em que o lado criminoso só encontra vazão se houver uma fragilidade pelo lado do hospital comprador. Por isso Maia aponta uma irresponsabilidade por parte das instituições hospitalares que optam pela compra mais barata, desconsiderando a rastreabilidade e a segurança do produto que será aplicado diretamente em seus pacientes. Especialmente porque, segundo ele, a checagem da credibilidade do distribuidor com o fabricante é um procedimento simples. “Eu diria que seria uma irresponsabilidade olhar só para esse cenário do preço.”

OUTRO LADO – A Agência DC NEWS entrou em contato com a Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp). A entidade disse por meio de nota que está ciente do problema e que acompanha atentamente as questões relacionadas a roubos de carga e falsificações de medicamentos no Brasil. Afirmou ainda que “infelizmente, essa é uma realidade que preocupa todo o setor de saúde e exige vigilância constante”. E reforçou que a associação e seus hospitais associados prezam por condutas éticas e responsáveis, em conformidade com o Código de Ética da associação, não compactuando com práticas que possam colocar em risco a segurança do paciente e a integridade do sistema de saúde.

Também por meio de nota, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) disse que roubo de cargas é crime e como tal deve ser investigado pelas autoridades policiais – o que é óbvio, mas não resolve o problema em termos de saúde pública. E que colabora com as investigações conduzidas pela polícia e o Ministério Público sempre que solicitada. Além disso, afirmou que é fundamental que qualquer denúncia dessa natureza seja encaminhada às autoridades competentes. Também afirmou que disponibiliza dados sobre roubos, furtos e extravios de carga de produtos sujeitos à vigilância sanitária.

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"As diferenças de preço chamam a atenção. É uma irresponsabilidade [de quem compra] olhar só para esse cenário do preço"

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Paulo Maia, presidente da Abradimex

O Ministério da Saúde também foi procurado, mas não houve retorno. A Superintendência da Polícia Federal (PF) em Brasília também não retornou. Já a PF em São Paulo disse que não confirma nem fornece informações sobre possíveis nomes envolvidos, bem como possíveis ações, operações, prisões, investigações e inquéritos em andamento. Em resumo: o problema existe e a solução anda aparentemente distante.

Sobra para a Abradimex. Para combater o ciclo criminoso e proteger a saúde dos pacientes, a associação tem defendido uma série de medidas que envolvem a responsabilidade compartilhada e o aprimoramento da fiscalização. A entidade diz que é fundamental que as unidades de saúde, antes de efetuar qualquer compra, assumam o dever de verificar junto ao fabricante se o distribuidor ofertante é realmente credenciado e autorizado a vender o produto em questão. E utilizar a rastreabilidade como ferramenta de segurança. Em resumo, cabe ao comprador ser responsável pela compra.

Além disso, a Abradimex aponta para uma necessidade urgente de que a Anvisa se mobilize para normatizar e fiscalizar os marketplaces especializados no setor hospitalar, bem como melhorar a comunicação e a divulgação dos dados de cargas roubadas. Paulo Maia conclui que a ilegalidade não pode manchar a reputação de todo o setor que opera dentro da legalidade, e que a união de esforços entre polícia, agências reguladoras, hospitais e distribuidores é o único caminho para desmantelar a rede de crime organizado que lucra com o risco à saúde pública. Confira a entrevista.

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