Maior exportador chileno de salmão quer dobrar vendas ao Brasil até 2030 e faturar meio bilhão de dólares

Uma image de notas de 20 reais
Importações brasileiras de salmão do Chile aumentaram 125% entre 2020 e 2024
(Divulgação)
  • AquaChile, maior produtora de salmão do Chile, quer dobrar exportações para o Brasil nos próximos cinco anos. Hoje somam US$ 250 milhões
  • Cermaq, terceira maior produtora do mundo e subsidiária da Mitsubishi, também espera crescimento da demanda nos próximos anos e foco em SP
Por Victor Marques*

[AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DC NEWS]
O brasileiro gosta de salmão. Gosta tanto que, entre 2020 e 2024, as importações brasileiras do peixe aumentaram 125%, conforme dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic). E quase todo (99,7%) é proveniente de um de nossos vizinhos, o Chile, já que não produzimos aqui. Enquanto as exportações do alimento chileno para o mundo caíram 3,3% entre 2022 e 2024, a alta anual (CAGR) brasileira de importações foi de 22% no período, sendo o terceiro maior comprador do insumo chileno. Diante desse cenário, Max Domingues, diretor regional para a América Latina da AquaChile, a maior produtora de salmão do Chile afirmou, em entrevista exclusiva para a AGÊNCIA DC NEWS, que almeja dobrar as exportações para o mercado brasileiro nos próximos cinco anos, alcançando US$ 500 milhões até 2030. “Acredito que os brasileiros estão cada vez mais exigentes.” De olho nesse mesmo mercado consumidor em ascensão, a Cermaq, terceira maior produtora do mundo e subsidiária da Mitsubishi, também tem olhado para o Brasil. Segundo disse Joachim Wessel, CEO da Cermaq no Chile, a expectativa é alta. “Esperamos que a demanda no Brasil cresça nos próximos anos porque é um produto muito buscado.”

Para o executivo da AquaChile, parte do plano para dobrar as exportações para o Brasil está no turismo. Isso envolve a abertura de visitas aos locais de produção, visando mostrar a infraestrutura utilizada para os criadouros. “Esperamos que haja mais visitas turísticas”, afirmou. “A seriedade e o bom trabalho só criam boas impressões. É um orgulho mostrar.” Domingues disse ainda que o Brasil é o maior mercado da empresa em volume, com 45 a 50 carretas enviando o insumo semanalmente. O próximo passo é trazer outras opções de produtos, como o nugget de salmão, que deve vir a preço competitivo com o de frango e o bolinho de salmão, para competir com o de bacalhau. Ambos serão mostrados pela primeira vez ao mercado brasileiro durante o Seafood Show, entre 21 a 23 de outubro deste ano. Inicialmente, somente Pão de Açúcar e Carrefour venderão tais itens. Atualmente, a empresa tem 320 concessões para produção de salmão no Chile, 15 fazendas ou criadouros, seis plantas de processamento e uma planta alimentar. Em 2024, a empresa registrou receita de US$ 1,6 bilhão (+12,7%) e lucro líquido de US$ 158 milhões. 

Outra parte da estratégia é demonstrar a qualidade do produto para os principais compradores: os chefs de cozinha. Segundo Domingues, havia algum preconceito sobre os salmões de criadouro. Para mudar essa visão, eles organizam periodicamente comitivas com profissionais para conhecer o peixe e a infraestrutura de criação – assim como a alimentação do animal, fator que segundo o executivo ainda causa muita desconfiança. Na natureza, o peixe se alimenta de crustáceos e pequenos organismos ricos em astaxantina, um carotenoide natural (da mesma família do betacaroteno da cenoura). É isso que dá a cor rosada ou alaranjada. Por isso, o salmão selvagem não é branco e, sim, naturalmente rosado, devido sua dieta. Nos criadouros a ração é enriquecida com astaxantina, que pode ser de origem sintética ou natural (derivada de algas, por exemplo). Isso reproduz o mesmo efeito da dieta selvagem.

Escolhas do Editor

GIGANTE – Jogando o mesmo jogo, a gigante global Mitsubishi também atua no segmento, por meio de sua subsidiária Cermaq, que gerou US$ 1,6 bilhão em receita em 2024, 193 mil toneladas, 114 milhões de peixes e 3 mil funcionários atuando no segmento. Trata-se da parte da divisão de indústria de comida do grupo, que apresentou, em todo os países em que atua, prejuízo líquido de US$ 171 milhões no ano fiscal encerrado em 31 de março de 2024. Para este ano, a expectativa é de atingir US$ 446 milhões em lucro líquido, conforme relatório financeiro da companhia. Parte do prejuízo de 2024 foi em função dos US$ 225 milhões em perdas relacionadas aos comércio de salmão. “O ambiente de negócios foi desafiador devido às circunstâncias difíceis”, informa o relatório, sendo elas o aumento “vertiginoso” dos custos de ração, matéria-prima, combustível e aumento dos custos associados ao enfraquecimento do iene, que “continuou a pressionar os lucros dos acordos nacionais de processamento e fabricação de alimento.” Surtos de Piscirickettsia salmonis (SRS), uma doença bacteriana endêmica que afeta o salmão, e os piolhos-do-mar (crustáceos parasitas), no Chile, um dos locais onde a Cermaq realiza o cultivo, também impactaram o resultado negativamente.

Por outro lado, o grupo trabalhou para fortalecer a base de negócios, incluindo o aprimoramento da coleta de grãos, parte da mesma divisão do salmão. Isso contribuiu para a aquisição estável de alimentos no Brasil, como a soja, sendo comumente parte da alimentação dos peixes. Para o futuro, a empresa quer expandir a escala de produção no hemisfério norte e melhorar os custos de produtivos no Chile, enquanto expande as vendas. O Brasil consta nos planos, sendo que, segundo o CEO da Cermaq no Chile, é esperado que a demanda cresça nos próximos anos. “São Paulo é o núcleo, devido à imigração japonesa”, disse. Para atingir esse público, no fim do ano passado a empresa realizou o lançamento de sua marca premium de salmão, o Aimon, na Japan House, reduto cultural japonês da capital paulista. A venda é destinada exclusivamente a chefs e restaurantes. Atualmente, 25% do volume exportado pela Cermaq é destinado ao Brasil.

Cermaq quer expandir a escala no hemisfério norte e melhorar os custos de produção no Chile
(Divulgação Cermaq)

PANORAMA – A demanda mundial deve auxiliar os planos das produtoras. Segundo um relatório da Kontali, a expectativa é de aumento de 11% na produção global de peixes entre 2023 e 2033. Ao fim desse período, o consumo da carne per capita deve ser de 21,4 kg, contra 9,9 kg em 1960 e 20,9 kg em 2023. É o equivalente a 21 milhões de toneladas. O salmão contribui com 4,3% da busca global por alimentos provenientes do mar e a produção do insumo aumentou mais de 1.000% desde 1990. No Brasil, é o principal importado das espécies da piscicultura, conforme a Associação Brasileira da Piscicultura (Peixe BR). Segundo o relatório, um dos principais motivos de aumento recente da produção é o entendimento sobre a produtividade da produção. O insumo tem eficiência de retenção de proteína de 28%, que remete à preservação da qualidade nutricional durante o armazenamento e processamento. Além disso, tem um racional de conversão alimentar de 1,3, que indica a efetividade de um animal em transformar a ração fornecida em produção desejada. Quanto menor for o valor, melhor a eficácia. Em comparação, o frango pontua 1,9, o porco, 3,9 e a vaca, 8. A pegada de carbono também figura entre as as menores em comparação as outras proteínas (5,1 kg de CO² por kg de carne consumível), assim como o consumo de água (2 mil litros por kg de carne consumível). Veja o gráfico de comparação.

(Kontali)

Sobre o aumento da demanda, um dos principais impulsionadores é a saudabilidade. O salmão atlântico, que representa 2% do consumo global de proteína, ou 2,5 milhões de toneladas, é rico em ômega-3, EPA (ácido eicosapentaenoico) e DHA (ácido docosahexaenoico), que ajudam a reduzir o risco de doenças cardiovasculares. Além disso, outros nutrientes e minerais como vitamina A, D, fósforo, magnésio, selênio e iodo adicionam qualidade nutricional na proteína. O Departamento de Saúde dos EUA, por exemplo, recomenda o consumo de, pelo menos, 237 gramas de peixes e frutos-do-mar por semana. O Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido e o Diretório de Saúde da Noruega recomendam o consumo dessa carne duas vezes na semana.

Ainda segundo o reltório da Kontali, o país apontado como líder em produção do peixe é a Noruega, ficando acima de todas as outras regiões e países juntos. Sozinho, o país produz 1,3 milhão de toneladas em 2024, contra 650 mil na América Latina, 300 mil no Reino Unido/Ilhas Faroe/Islândia, 130 mil na América do Norte, 77 mil na Oceania, 20 mil na Rússia, 18 mil na União Europeia e 1,1 mil na Ásia. O valor do salmão aumentou 98% entre 2014 e 2024, com um crescimento anual de 7%, enquanto o volume cresceu 27%, anualmente em 2%. A expectativa é de aumento anual de 3% na produção global, enquanto a demanda aumenta 7%, também anualmente. As cinco principais companhias, em volume de produção, são Mowi (Noruega), Salmar (Noruega), Cermaq (Japão), Leroy Seafood (Noruega) e AquaChile (Chile).

Especificamente no Chile, as exportações caíram 3,3% entre 2022 e 2024. Ao fim do ano passado, o valor total exportado foi de US$ 6,3 bilhões, representando 6% do valor total de saídas do país. O principal produto exportado pelo Chile é o cobre (52%), seguido do salmão, restos de minérios (6%), cerejas (4%), celulose (3%), lítio (3%) e outros. Entre os produtos não minerais exportados, o salmão lidera (17%), seguido das cerejas (9%), celulose (9%), madeira (6%), uvas (4%) e vinhos (4%). A maior parte da produção é direcionada aos Estados Unidos, depois ao Japão e, em terceiro, para o Brasil. A espécie Atlântico foi a principal exportada, sendo 67% do volume total – o restante é da variação Coho.

De todo o salmão consumido no Brasil, 99,7% é proveniente do Chile
(Divulgação Cermaq)

CULTIVO – Nos criadouros, a criação busca reproduzir artificialmente o ciclo natural da espécie. Na natureza, o peixe nasce em água doce, onde passa os primeiros meses de vida, depois migra para o mar, onde cresce e se desenvolve até atingir a fase adulta. Quando chega o período de reprodução, retorna aos rios para desovar. Na aquicultura, esse processo é adaptado: são mantidos em tanques de água doce em fazendas terrestres até alcançarem a fase chamada smolt, quando estão aptos a viver em água salgada. Nessa etapa, são transportados em caminhões ou barcos com tanques de oxigênio para as gaiolas de engorda instaladas no mar. Após atingirem o peso adequado para consumo, são retirados para o abate. A etapa de retorno à água doce é simulada em ambiente controlado: alguns exemplares são levados de volta a instalações específicas, onde ocorre a coleta de ovos e esperma para reiniciar o ciclo produtivo. A indústria faz isso para garantir a continuidade da produção em larga escala, de forma previsível e controlada. Ao replicar artificialmente o ciclo natural, consegue padronizar o crescimento, reduzir riscos de mortalidade e manter a oferta de salmão constantemente ao longo do ano, independentemente das condições ambientais que limitariam a reprodução na natureza.

O jornalista viajou ao Chile a convite da SKY Airline e da Câmara de Comércio & Turismo de Puerto Varas.

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