[AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DC NEWS]
Muito antes de o ChatGPT virar fenômeno global, o varejo brasileiro já experimentava a inteligência artificial (IA) aplicada a dados. Em 2014, o St. Marché processava internamente 1 milhão de perguntas anualmente em uma ferramenta que permitia aos funcionários consultar informações da empresa em linguagem natural. A solução, inspirada no Wolfram Alpha e batizada de Looqbox, nasceu da necessidade prática de estruturar dados para automatizar compras. Rodrigo Murta, físico de formação e quem idealizou a solução, começou organizando a base de dados da rede para criar algoritmos de compra. Da ideia, nasceu uma plataforma que hoje atende gigantes como Magazine Luiza, o St. Marché, Casas Bahia e Polishop. O case ilustra uma realidade pouco discutida: “A implementação de IA no varejo depende de liderança disposta a dar espaço para inovação”, afirmou Murta, CEO da Looqbox.
Para ele, “o primeiro erro é cultural. É ignorância”, afirmou. Muitas empresas falham por não compreenderem a dimensão das transformações que a IA traz e, principalmente, por não terem a alta liderança engajada no processo. “A mudança de cultura tem que vir de cima para baixo”, disse. Sem o engajamento da diretoria e do board, a empresa não consegue identificar os melhores projetos e oportunidades de IA, segundo ele. Quando transformou a ferramenta interna em produto comercial em 2015, descobriu que a parte das varejistas sequer tinha bancos de dados estruturados. Hoje, com a aceleração trazida pela IA generativa, esse cenário mudou, mas novos desafios surgiram.
Na hora de implementar as IAs corretamente, o executivo defende a metodologia dos “três Es”, do livro AI for Retail. Os três Es significam: educar, explorar e executar. “Isso é responsabilidade da liderança.” Segundo ele, sem alfabetização na tecnologia, os times não sabem o que procurar nem como aplicar as ferramentas disponíveis. Os resultados práticos aparecem nos números. Um teste A/B com mil usuários da Magalu mostrou aumento de 3,9% na conversão de vendas quando os vendedores receberam visões personalizadas via Looqbox. Atualmente, 11 mil vendedores e 1,4 mil gerentes de loja da varejista utilizam a plataforma para análises de dados. Confira a entrevista.
AGÊNCIA DC NEWS – Você tem 12 anos de experiência no varejo. Como você viu os desafios de dados evoluírem nas varejistas nesse período?
RODRIGO MURTA – Quando comecei, eu era muito enviesado. O St. Marché estava na vanguarda, só que eu não sabia. Para mim, a gente estava organizando os dados ali e fazia parte do que eu precisava para montar uma solução. Montamos na época uma IA de modelo simbólica. O ChatGPT nem existia, mas já se utilizava linguagem natural com essas modelagens. E eu achava que os outros varejistas estavam organizados e foi o primeiro tapa na cara que levei quando transformei o Looqbox em produto. Eu achava que era só ligar a nossa solução nos bancos de dados das empresas. Mas a maioria das empresas não tinha um banco de dados estruturado e eu mesmo tinha que organizar os dados no começo.
AGÊNCIA DC NEWS – Como uma varejista tão grande quanto o St. Marché cria um ambiente de inovação de vanguarda como esse?
RODRIGO MURTA – Com liderança. O Bernardo, que hoje é o CEO, me deu muito espaço. Quando ele me contratou, não havia um cargo ou função específica para o que eu iria fazer. Ele acreditou primeiro na minha pessoa e me deu muito espaço para tentar caçar quais problemas as minhas habilidades analíticas poderiam ajudar a resolver.
AGÊNCIA DC NEWS – E o que você encontrou quando chegou?
RODRIGO MURTA – Vi que os modelos de compras eram feitos ainda muito na intuição, não havia um algoritmo de compra. O primeiro passo foi automatizar esse processo e o pessoal abraçou muito rápido o projeto. Durante a criação desse algoritmo, entendi que era necessário estruturar a base de dados da empresa.
AGÊNCIA DC NEWS – Como você estruturou essa base de dados?
RODRIGO MURTA – Comecei a estudar. Sou físico de formação e falei para mim mesmo: “fazer conta é o que eu gosto de fazer, mas como se faz a conta de estoque.” Fui na época no Google para entender quais eram bons materiais e livros e comecei a estudar. O St. Marché já tinha dados transacionais, mas não um Data Warehouse, sendo uma base consolidada. Montamos a base do Marché e, uma vez feita a base, automatizamos o processo de compras. Foi o meu primeiro entregável, o pessoal chamava de calculadora, porque, basicamente, era um Excel mega turbinado que fazia todas as contas automaticamente.
AGÊNCIA DC NEWS – E depois da calculadora, qual foi o próximo passo?
RODRIGO MURTA – Já que o comprador não calculava mais o pedido na mão, ele ganhou mais tempo para negociar. Mas para negociar, ele precisa de outras informações. Informações como: Qual é o desempenho desse fornecedor? Qual o tempo de entrega médio? Qual é a quebra? Qual é a ruptura?. E eu comecei a pensar como eu poderia criar para o comprador essa visão mais clara. Aí começa a história do Looqbox.
AGÊNCIA DC NEWS – Começou como?
RODRIGO MURTA – Na época, contratamos uma ferramenta de BI, mas quanto um gerente mais sênior queria informações, normalmente ele consultava alguém do meu time. Então tive a ideia de criar o produto em cima disso. Ele foi inspirado numa solução americana que existe desde 2009 chamada Wolfram Alpha, onde você faz perguntas em linguagem natural e ele dá a resposta. Foi daí que surgiu a ideia do Lookbox. Ele foi inspirado numa solução americana que existe desde 2009 chamada Wolfram Alpha, onde você faz perguntas em linguagem natural e ele dá a resposta.
AGÊNCIA DC NEWS – Como funcionava na prática?
RODRIGO MURTA – Começamos com uma telinha, parecida com um Google, na qual as pessoas buscavam visões em cima das informações da empresa.
AGÊNCIA DC NEWS – Qual foi a aceitação interna?
RODRIGO MURTA – Em 2014, a gente teve 1 milhão de perguntas feitas internamente. Todo interno. Aí vi que tinha potencial para ser uma oportunidade de negócio.
AGÊNCIA DC NEWS – Como foi a conversa para transformar isso em empresa?
RODRIGO MURTA – Cheguei no Bernardo e disse sentir que não havia um produto como o Looqbox e que eu queria empreender. Ele me disse que eu devia ter feito isso já há seis meses, mas que a escolha final seria minha. Coincidiu que, naquele ano, o Itaú estava abrindo o Cubo. A gente aplicou e entramos na primeira leva de startups do projeto. Aí começou nossa jornada.
AGÊNCIA DC NEWS – E você acredita que o problema da estruturação de dados foi resolvido no mercado hoje?
RODRIGO MURTA – É legal ver que isso hoje não está mais na pauta do varejista. Quem não tinha o dado organizado, a AI ajudou a acelerar isso.
AGÊNCIA DC NEWS – Quando surgiu o ChatGPT, vocês ficaram preocupados com o Lookbox?
RODRIGO MURTA – Todo mundo achava que o GPT ia engolir o Lookbox. Mas quando vi o GPT, eu fiquei empolgadíssimo. Para mim, ele era uma tecnologia que ia acelerar a nossa visão. Foi daí que fui estudar, como sempre. A partir desses estudos nasceu o “Arte de GPTear”, que foi o primeiro livro físico sobre GPT do Brasil.
AGÊNCIA DC NEWS – Como o GPT mudou o Lookbox, na prática?
RODRIGO MURTA – A gente viu que o GPT tem duas aplicações muito claras para a gente. A primeira era que o meu produto era difícil de instalar e com os agentes, consigo fazer isso em dois dias. E, além de instalar mais rápido, eu conseguia também conversar com os dados mais abertos. No modelo antigo, eu conseguia perguntar fatos descritivos e agora era possível realizar análises completas e complexas.
AGÊNCIA DC NEWS – Pode dar um exemplo prático de aplicação?
RODRIGO MURTA – A gente acabou de instalar para 1,4 mil gerentes de lojas da Magalu. E esse gerente regional, a partir de agora, quando vai analisar sua região, pode realizar todo esse trabalho de análise de dados via LooqBox.
AGÊNCIA DC NEW – Como funciona o retorno em investimentos como esse?
RODRIGO MURTA – Fizemos um teste na Magalu. Gostaríamos de entender se enviar visões personalizadas para a ponta poderia mudar os resultados de venda. Fizemos um teste A/B com 1 mil usuários e o resultado foi de aumento de 3,9% nas vendas para os vendedores. Atualmente temos 11 mil vendedores da Magalu utilizando nossa solução com indicações de desempenho de vendas.
AGÊNCIA DC NEWS – E onde as varejistas erram ao implementar IA?
RODRIGO MURTA – Em não entender o que está acontecendo no mundo de AI. Não entender a importância do que está acontecendo. E a mudança de cultura tem que vir de cima para baixo. Se a diretoria não compra, o board não compra, a empresa não vai saber elencar os melhores projetos e as melhores oportunidades de AI. O primeiro erro é cultural. É ignorância. Esse acho que é algo que está rapidamente se transformando.
AGÊNCIA DC NEWS – Existe alguma metodologia que você recomenda para implementar IA corretamente?
RODRIGO MURTA – Gosto do livro AI for Retail que tem uma metodologia chamada três Es. Educar, explorar e executar. Onde é que você começa? A gente fala aqui no Looqbox de alfabetização. O primeiro: eduque. Quais são as ferramentas? Quais são as possibilidades? Isso é responsabilidade da liderança. Educar, porque senão o seu time não sabe o que procurar, não sabe o que fazer com AI. Então, o time pode executar as ordens: use AI. Tem várias formas de fazer, mas é importante dar espaço para errar também, porque é uma ferramenta nova.