BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu nesta sexta-feira (16), de forma unânime, pela manutenção da decisão do ministro Flávio Dino que suspendeu a execução de emendas parlamentares impositivas até que deputados e senadores deem mais transparência aos repasses.
O tema é fonte de crise entre os Poderes, e a reação do Congresso já ocorreu no mesmo dia. O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), deu encaminhamento a duas PECs (propostas de emenda à Constituição) que miram a atuação da corte.
Uma delas limita as decisões individuais de ministros do STF texto já aprovado no Senado e que estava parado na Câmara. A outra PEC permite que as decisões do Supremo possam ser derrubadas pelo Congresso Nacional.
A iniciativa foi interpretada por aliados do alagoano como uma retaliação à decisão do STF que votou o tema por meio de sessão virtual.
No início da madrugada, o ministro André Mendonça votou acompanhando o relator. Depois, Edson Fachin, Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso votaram no mesmo sentido.
Kassio Nunes Marques também votou com Dino, mas fez uma ressalva e se manifestou contra a redução da margem de discricionariedade na definição das políticas públicas pelos parlamentares.
As emendas são uma forma pela qual deputados e senadores conseguem enviar dinheiro para obras e projetos em suas bases eleitorais e, com isso, ampliar seu capital político. A prioridade do Congresso, porém, é atender seus redutos eleitorais, e não as localidades de maior demanda no país.
As emendas impositivas são as de bancadas, individuais com finalidade definida e as de transferência especial, conhecidas como “emendas Pix”.
Dino votou para que a suspensão das emendas durem até que o Congresso Nacional edite novas regras de liberação dos recursos de forma transparente e rastreável. A decisão ressalva apenas recursos destinados a obras já iniciadas e em andamento, ou ações para atendimento de calamidade pública.
Em seu voto, o ministro ressaltou que o tema é alvo de negociações. “Realço que estão ocorrendo reuniões técnicas entre os órgãos interessados”, disse o membro da corte em sua manifestação.
Segundo ele, após um eventual acordo, a decisão pode ser reavaliada.
Quando deu a decisão individual, agora confirmada pelo plenário do Supremo, Dino chamou de “grave anomalia” ter um sistema presidencialista, oriundo do voto popular, “convivendo com a figura de congressistas que ordenam despesas discricionárias como se autoridades administrativas fossem”.
Dino argumentou que “o equivocado desenho prático das emendas impositivas gerou a ‘parlamentarização’ das despesas públicas”, sem um sistema de responsabilidade política e administrativa.
“Não é compatível com a Constituição Federal a execução de emendas ao Orçamento que não obedeçam a critérios técnicos de eficiência, transparência e rastreabilidade”, afirmou.
A decisão foi tomada em uma ação proposta pelo PSOL. O advogado Rafael Valim, que representa o partido, disse que “a decisão do ministro Flávio Dino restaura a governabilidade prevista originalmente na Constituição Federal e põe fim a um profundo e inaceitável desarranjo institucional em nosso país”.
No início de agosto, Dino havia determinado que o governo só execute gastos de emendas de comissão que tenham prévia e total rastreabilidade. A regra também vale para os restos a pagar das emendas de relator, ou seja, gastos que ainda não foram executados desde o fim de 2022.
Essa decisão também foi levada nesta sexta para ser referendada pelos demais integrantes do Supremo.
Na quinta, Lira e Pacheco apresentaram, em conjunto com partidos, um recurso solicitando a suspensão da liminar no STF e pedindo a suspensão de outras decisões de Dino que tratavam do tema.
Na manhã desta sexta, em paralelo, Barroso rejeitou o recurso. Na negativa, afirmou que as intervenções da presidência do STF devem ser “excepcionalíssimas” e que o voto de Dino sinaliza a construção de uma solução consensual.
“Não há conflito [com o Congresso]”, disse Barroso nesta sexta, durante evento no Rio Grande do Sul. “Há divergência como é próprio da democracia e nós vamos administrá-la da maneira mais civilizada possível.”
Foi Barroso quem decidiu pela realização do julgamento virtual desse tema diante do que entendeu como excepcionalidade do caso. Ele atendeu a uma solicitação de Dino. Os julgamentos no plenário virtual são assíncronos, ou seja, não são uma reunião online com a presença de todos os ministros ao mesmo tempo.
No início deste mês, o governo Lula (PT) suspendeu o pagamento de todas as emendas de comissão e dos restos a pagar das emendas de relator para cumprir decisões do ministro.
Na semana seguinte, Dino exigiu ao governo e ao Congresso informações sobre as indicações de emendas de comissão. A medida ocorreu após o Legislativo afirmar ao Supremo, no último dia 6, que não conseguiria identificar os deputados e senadores autores dos pedidos originais dessas emendas.
Na ocasião, o ministro determinou ao Executivo, por meio de consulta da AGU (Advocacia-Geral da União) aos ministros de Estado, que encaminhem todos os ofícios relativos a indicações ou “priorização pelos autores” de RP8 (emendas de comissão).
Ele também requisitou à Câmara e ao Senado informações referentes às destinações ou mudanças na destinação de recursos das emendas neste ano.
Em 8 de agosto, Dino autorizou a continuidade da execução das chamadas “emendas Pix” para obras em andamento e para casos de calamidade pública, desde que seja adotado um sistema de transparência.
Essa decisão também foi levada ao plenário virtual. Assim como nas outras foi aprovada pelos demais integrantes da corte.
Na Câmara, a previsão é de que a retaliação ao STF prospere. A presidente da CCJ, Caroline de Toni (PL-SC), afirmou nesta sexta que a PEC sobre as decisões monocráticas já aprovada no Senado é um dos principais pleitos da oposição e que dará a “celeridade devida” à matéria no colegiado.
Como a Folha de S.Paulo mostrou, a cúpula do Congresso avalia que há interferência direta de representantes do governo Lula nas decisões de Dino que levaram à paralisação das emendas parlamentares e prepara um pacote de medidas mirando o Supremo e o Executivo.
Os congressistas discutem, como resposta, um pacote de medidas mirando o Supremo e o Executivo. .
Ex-ministro do STF e agora responsável pela pasta da Justiça e Segurança Pública do governo Lula, Ricardo Lewandowski, disse também na sexta que as instituições brasileiras vão chegar a “um bom termo” sobre as emedas parlamentares. Ele relativizou o conflito entre as instituições
“São conflitos artificiais. O Executivo, o Judiciário e o Legislativos dialogam”, disse a uma plateia de empresários no Rio de Janeiro, durante o 23º Fórum Empresarial Lide.