Narques Roberto, da Oracle: “Desafio do varejista é aumentar receita com os dados que já tem”

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Executivo afirma que sistemas antiquados das varejistas gera gargalo para inovação
(Divulgação)
  • "Varejista Está mais preocupado em sobreviver do que em encontrar alternativas para seu modelo de negócio prosperar"
  • "A tecnologia permite mostrar, por exemplo, quais tipos de serviço ou categoria podem ser incluídos na loja para gerar mais receita"
Por Victor Marques

[AGÊNCIA DC NEWS]. O varejo brasileiro está sentado sobre um tesouro que ainda não aprendeu a explorar: seus próprios dados. Para Narques Roberto, diretor de vendas para varejo na Oracle, a transformação digital do setor não depende apenas da adoção de novas tecnologias, mas do uso inteligente daquilo que já está à disposição. “Os dados já existem, mas quase ninguém olha para isso com profundidade”, afirma. Segundo ele, há um foco excessivo em ferramentas da moda (como a inteligência artificial), enquanto os fundamentos da operação continuam mal aproveitados. “O varejo brasileiro está mais preocupado em sobreviver do que em encontrar alternativas para seu modelo de negócio prosperar”, afirma. A consequência, diz o executivo, é um setor que muitas vezes anda em círculos, sem conseguir gerar novas receitas a partir da própria base de clientes.

Mesmo com o avanço da digitalização em diversos segmentos, o cenário brasileiro ainda é marcado por gargalos estruturais e culturais. Muitas empresas seguem operando com sistemas antigos (ou legados) que não se conversam, o que gera altos custos de integração e dificulta o uso de soluções em nuvem — mais modernas e escaláveis. “Existem empresas que ganham dinheiro só criando pontes entre sistemas que não foram feitos para funcionar juntos”, diz Narques. Para ele, a barreira tecnológica ainda é relevante, mas está longe de ser o principal entrave. O maior problema, afirma, é a resistência à mudança: conselhos engessados, fornecedores antigos e uma mentalidade voltada ao curto prazo travam o crescimento de redes que, em tese, já têm tudo para operar melhor. “Falta adoção real.”

Um levantamento recente da EY mostra que 34% dos varejistas no mundo já reconhecem as tecnologias emergentes como forças disruptivas no setor. No Brasil, a análise de dados aparece como uma das prioridades nos investimentos em inovação, ao lado da inteligência artificial. Mas, segundo Narques, ainda há um descompasso entre discurso e prática. A maior parte dos executivos até fala em transformação digital, mas poucos exploram de fato o potencial que já está embarcado em suas plataformas atuais. “Na Oracle, por exemplo, temos mais de 50 agentes de IA embutidos no ERP. E mesmo assim, só 30% dos clientes acessaram essas funções”, relata. O desafio, portanto, não está só em inovar – mas em usar bem o que já se tem. Confira, a seguir, a entrevista.

Escolhas do Editor

AGÊNCIA DC NEWS – O que falta para o varejo brasileiro conseguir operar com mais eficiência?
NARQUES ROBERTO – O varejo brasileiro ainda não consegue usar bem os seus próprios dados. Está mais preocupado em sobreviver do que em encontrar alternativas para seu modelo de negócio prosperar. A maioria ainda vende o básico: arroz, feijão e iogurte, mas esquece que, se colocar um serviço adicional – como um açougue, padaria ou café. Isso pode aumentar a permanência do cliente na loja e, com isso, a receita. Os dados que indicam se há público para movimentos como esses já existem na operação, mas quase ninguém olha para isso com profundidade.

AGÊNCIA DC NEWS – Esse problema vem da tecnologia ou da cultura das empresas?
ROBERTO – É uma combinação. Boa parte ainda depende de sistemas antigos, feitos por fornecedores locais. A empresa até quer mudar, mas não consegue integrar com o novo. Daí entra outro problema: o custo de integração. Isso virou até um mercado próprio no Brasil. Existem empresas que ganham dinheiro só criando pontes entre sistemas que não se conversam. Resolver esse gargalo pode representar dois, três, até quatro anos de sobrevida para um sistema que já devia ter sido trocado.

AGÊNCIA DC NEWS – Mas há sinais de mudança?
ROBERTO –
Sim. Muitos supermercados estão mudando o formato das lojas. Alguns grandes viraram atacarejos e os pequenos estão adicionando serviços. Isso só acontece porque alguém olhou os dados e percebeu que, se o cliente já está na loja, ele pode comprar mais coisas se elas estiverem disponíveis.

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A maior parte dos varejistas diz que está usando IA, mas poucos têm um caso real de aplicação

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Narques Roberto, Oracle

AGÊNCIA DC NEWS – Pode dar mais detalhes em como a tecnologia ajuda nesses movimentos?
ROBERTO – A tecnologia permite mostrar, por exemplo, que tipo de serviço ou categoria pode ser incluída na loja para gerar mais receita. Plataformas como a que usamos aqui na Oracle, cruzam o caminho que o consumidor faz na loja, com o mix de produtos disponíveis e propõem soluções. Mas implementar ainda é difícil. Muitas vezes, o gestor precisa convencer sócios, conselhos e a família. Leva tempo.

AGÊNCIA DC NEWS – A integração entre sistemas ainda é o maior obstáculo?
ROBERTO – Sem dúvida. Muitas redes de varejo trabalham com sistemas legados desenvolvidos sob demanda por empresas locais. Quando tentam migrar para uma solução mais robusta, o custo de integração é muito alto. É por isso que uma plataforma única, em nuvem, com soluções embarcadas de ponta a ponta, como a da Oracle, ajuda a reduzir esse tipo de dor. Você elimina a necessidade de conectar ferramentas distintas que não foram feitas para conversar.

AGÊNCIA DC NEWS – E como o consumidor final está influenciando essas mudanças?
ROBERTO – Ele quer menos atrito. Quer entrar na loja, comprar e sair. Isso está forçando os varejistas a investirem em soluções de autoatendimento. A gente vê lojas que tinham três caixas com três funcionários e agora estão operando com dois self-checkouts –e um único funcionário auxiliar. Isso reduz custos e melhora a experiência. É uma tendência forte principalmente nas lojas de conveniência.

AGÊNCIA DC NEWS – No varejo físico, há inovação além do autoatendimento?
ROBERTO – Sim. Já existem soluções que cruzam dados do cliente com sua jornada de compra em tempo real. Um exemplo é a Dufry [multinacional suíça, especializada em lojas duty-free], que identifica pelo número do passaporte se o consumidor é um viajante internacional. Se for, aplica isenção tributária no ato. Se não for, cobra o preço cheio. Isso só é possível com sistemas integrados e baseados em nuvem.

AGÊNCIA DC NEWS – O varejo brasileiro está muito atrás em inovação?
ROBERTO – A diferença não é só de tecnologia, mas de velocidade na adoção. Nos EUA, vemos redes de farmácias que compraram planos de saúde para controlar o ciclo inteiro da receita — desde a prescrição até a venda do remédio. Isso ampliou a margem e criou um ecossistema próprio. Aqui, ainda temos um varejo travado por regulamentações e lobbies. Por exemplo, supermercados não podem vender medicamentos sem prescrição por questões regulatórias. Isso mantém o mercado fragmentado.

AGÊNCIA DC NEWS – Mas as tendências internacionais chegam eventualmente?
ROBERTO – Sim, só demoram. Gêmeos digitais, por exemplo, já são realidade nos Estados Unidos. Eles permitem que o varejista emule uma loja nova com base em dados reais de centenas de unidades. Assim, ele consegue saber, antes mesmo de abrir a loja, qual layout vai funcionar melhor, qual o sortimento ideal e como será o fluxo. Isso evita investir errado e aumenta a chance de sucesso. Aqui, essa tecnologia deve chegar com força em dois ou três anos.

AGÊNCIA DC NEWS – E o impacto de tecnologias como a inteligência artificial?
ROBERTO – A IA virou a palavra da moda, especialmente depois da última NRF. Mas o uso ainda é superficial. A maior parte dos varejistas diz que está usando, mas poucos têm um caso real de aplicação. O problema é que a maioria não sabe nem que essas ferramentas já estão disponíveis nas soluções que contratou. Na Oracle, por exemplo, temos 52 agentes de IA embarcados no ERP, mas só 30% dos nossos clientes acessaram essas funcionalidades. O desafio é fazer com que eles passem a usar.

AGÊNCIA DC NEWS – Existe custo adicional para essas ferramentas?
ROBERTO – No nosso caso, não. A IA está incluída no contrato SaaS. A Oracle decidiu não cobrar separadamente por isso, justamente para incentivar o uso. Queremos que o cliente evolua com a tecnologia. É um diferencial nosso, especialmente em um país onde tudo é cinco, seis vezes mais caro devido à moeda.

AGÊNCIA DC NEWS – Com o aumento da competitividade, esse tipo de vantagem pode ser decisivo?
ROBERTO – Com certeza. Ainda mais em um mercado como o brasileiro, onde a concorrência local é fortíssima. Por isso, oferecer uma cadeia completa de soluções integradas [da compra do produto até a venda final] é um grande diferencial. Isso elimina a dor de integrar sistemas e ajuda o varejista a operar com mais agilidade e menor custo.

AGÊNCIA DC NEWS – O futuro do varejo depende, então, de conseguir usar melhor o que já tem?
ROBERTO – Exatamente. Não falta ferramenta. Falta adoção real. O cliente já tem os dados, já tem os sistemas, já tem acesso à IA. Só precisa começar a usar.

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