SÉRIE Desafios 2026. Solimeo: “Nosso dilema é crescer sem inflação. E investir em educação”

Uma image de notas de 20 reais
Marcel Solimeo: "Vivemos hoje em um mundo em reconfiguração. Não há um desenho definitivo"
(Andre Lessa/Agencia DC News)
  • Há 62 anos na entidade, o economista-chefe da Associação Comercial testemunhou oito planos antes do Real. E acompanhou 15 presidentes
  • Solimeo ressalta o Plano Real (embora incompleto), lembra do ex-professor Delfim Netto e alfineta o ministro do STF Alexandre de Moraes
Por Vitor Nuzzi

[AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DC NEWS]
Era quarta-feira, 11 de setembro de 1963. Marcel Domingos Solimeo, então um jovem economista recém-formado pela USP (e com um curso feito via rádio de auxiliar de comércio), chegava à Associação Comercial de São Paulo para trabalhar no recém-criado Instituto de Economia, que depois ganharia o nome de Gastão Vidigal. Despretensioso, ele não imaginava que aquela relação se tornaria uma das mais longas da história da casa. E, como em todo relacionamento duradouro, se transformaria conforme o Brasil mudava. E mudou bastante. Foram sete moedas, oito planos econômicos, 15 presidentes da República e 15 presidentes da ACSP – e poucas coisas, no traçado da história, resistiram por tanto tempo. Solimeo foi uma delas. “Se estou há mais de seis décadas aqui, é porque a Associação sempre acreditou que compreender a economia é uma forma de servir ao país”, diz. Desde então, nunca deixou de explicar o Brasil aos empresários – nem de aprender com ele. A entrevista com o economista-chefe da entidade integra o projeto Desafios 2026, da Agência DC News, dedicado a discutir os entraves e oportunidades do próximo ciclo econômico brasileiro.

E talvez poucos economistas estejam mais gabaritados que Marcel Solimeo para analisar o futuro. Ele conviveu com dezenas de nomes que moldaram a política econômica brasileira – de diretores do Banco Central, criado em 1967, três anos após sua chegada à Associação Comercial, a ministros da Fazenda que tentaram domar a inflação e promover o crescimento. Observou de dentro, e sob o ponto de vista dos comerciantes brasileiros, cada ciclo: planos de estabilização que não vingaram, reformas inacabadas e o esforço permanente para equilibrar expansão e controle de preços. Para ele, passaram-se as décadas, mas não os problemas centrais: “Nosso dilema é crescer sem inflação. E investir em educação”, resume, em síntese que mistura experiência e alerta.

Com mais de 1,2 mil crônicas publicadas no Diário do Comércio, Solimeo transformou o hábito de acompanhar indicadores em um exercício diário de interpretação do país. Sua habilidade com o texto, aliás, foi determinante para sua entrada na Associação: ao fazer o teste para o Instituto de Economia, entregou uma redação que chamou atenção do diretor Luiz Mendonça de Freitas, que elogiou seu estilo e o contratou em seguida. Em setembro, suas memórias foram reunidas no livro O Legado Silencioso de Marcel Solimeo, que revisita seis décadas de observação e análise da economia brasileira. Aos 88 anos, Solimeo mantém a rotina de estudar, escrever e participar dos debates da Associação Comercial. Em todas as oportunidades, segue batendo nas mesmas teclas: estabilidade, produtividade, educação – não por insistência, mas porque muitos dos problemas que descreveu lá atrás ainda estão sobre a mesa. Confira a entrevista.

Escolhas do Editor

AGÊNCIA DC NEWS – O sr. testemunhou oito planos econômicos?
MARCEL SOLIMEO – Oito.

AGÊNCIA DC NEWS –Quais foram?
MARCEL SOLIMEO – O Plano Trienal, quando eu entrei, feito pelo Celso Furtado, na época do Jango [João Goulart, presidente deposto em 1964)… Depois o Paeg [Programa de Ação Econômica do Governo, implementado no mesmo ano].

AGÊNCIA DC NEWS – Aí vieram os planos posteriores ao movimento de 1964.
MARCEL SOLIMEO – Cruzado 1, Cruzado 2, o feijão com arroz do Mailson [o ex-ministro Maílson da Nóbrega], Collor 1, Collor 2, o do Bresser [o também ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira] E depois o Plano Real. Teve aquela fase da URV e entrou a nova moeda. Estamos aí, esperando o próximo.

AGÊNCIA DC NEWS – Acho que por enquanto não vai precisar…
MARCEL SOLIMEO – O Real, do ponto de vista de criar uma moeda forte, funcionou. Agora, não foi implementado completo como era o projeto.

AGÊNCIA DC NEWS – O que faltou?
MARCEL SOLIMEO – Tinha uma parte de privatização de empresas, que serviria para abater a dívida pública, e com isso reduzir o endividamento e controlar mais as finanças. O [economista] Edmar Bacha, um dos assessores, esteve aqui na Associação fazendo uma palestra e mostrando essa fase do plano.

AGÊNCIA DC NEWS – Isso não aconteceu por questões políticas?
MARCEL SOLIMEO – É, a situação política. Depois o presidente Fernando Henrique [Cardoso] veio com essa coisa de reeleição, aí mudou. Sempre que tem reeleição, a coisa muda. Mas de qualquer forma foi importante, porque restabeleceu o valor da moeda,, com uma fórmula engenhosa. Não houve congelamento. O Rubens Ricupero conta que foi difícil segurar o Itamar [Franco, presidente no período de implementação do Plano Real], que até a última hora queria o congelamento.

AGÊNCIA DC NEWS – A insistência com o congelamento de preços explica o fracasso de outros planos?
MARCEL SOLIMEO – Se congelamento fosse solução… Tem um problema de sincronia dos preços. Eu reajustei meu preço hoje. Você faz seis meses que reajustou. Aí, congela, como fica? É uma coisa quase aritmética. O que a URV fez foi ir sincronizando os aumentos de preços, isso deu tempo para as empresas se posicionarem. No Plano Cruzado, o Dilson [Funaro, ministro da Fazenda] estava crente que ia funcionar. Começou a provocar desabastecimento… A economia não aceita.

AGÊNCIA DC NEWS – E o plano de Jango?
MARCEL SOLIMEO – O Plano Trienal praticamente não deu nem para avaliar, porque não chegou a ser implementado. Era aquele tumulto, quando foi elaborado pelo Celso Furtado, com as ideias da Cepal [Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe], o ministro da Fazenda era o San Tiago Dantas…

AGÊNCIA DC NEWS – O sr. chegou na Associação Comercial em setembro de 1963…
MARCEL SOLIMEO – 11 de setembro de 1963.

AGÊNCIA DC NEWS – E pegou um período conturbado no Brasil. Dali a seis meses o governo cairia. Houve aquela “solução” parlamentarista, depois voltou o presidencialismo. O que o sr. lembra daquele momento?
MARCEL SOLIMEO – Era uma instabilidade política muito grande. O recurso ao parlamentarismo era um artifício da época, mas a estrutura era presidencialista. O próprio Jango forçou a volta ao presidencialismo, e conseguiu. O [Leonel] Brizola tinha muito boa oratória, agressiva… Como estava não dava para ficar. O Jango tinha perdido totalmente a autoridade. Os empresários tomaram posição, as donas de casa tomaram posição, houve a Marcha da Família com Deus pela Liberdade. E o general Olímpio Mourão atropelou todo mundo [saindo com tropas de Minas Gerais ates do previsto]… Não estavam ainda coordenados. Aqui em São Paulo era o [general] Amaury Kruel, que era do Sul, muito ligado ao Jango, ficaram até preocupados se ele ia aderir. Por precaução, a Força Pública cercou o quartel.

AGÊNCIA DC NEWS – Situação irreversível.
MARCEL SOLIMEO – Do ponto de vista econômico, não tinha como funcionar plano nenhum. O presidente da Associação, Paulo de Almeida Barbosa, em um congresso, criticou o Jango por participar da assembleia dos marinheiros. [João Goulart anistiou marinheiros que haviam se rebelado; episódio foi um dos estopins do movimento de 1964.]

AGÊNCIA DC NEWS – Antes de retomar esse assunto, como foi o seu começo aqui? O senhor diz no livro que foi praticamente acidental.
MARCEL SOLIMEO – Eu me formei em Contabilidade, depois de fazer Economia. Trabalhei na Pirani [varejista conhecida como a Gigante do Brás], depois fui trabalhar na Philco [eletroeletrônicos], depois em uma pequena fábrica de máquinas [Fiação e Tecelagem São Paulo], fazia custos e estoque. Poucos dias depois que eu estava lá, o comprador saiu. Comecei quebrando o galho enquanto o dono estava procurando um comprador. Mas aí eu decidi que se não começasse a trabalhar com economia, não teria como sair para procurar depois de casado. Estava com casamento marcado.

AGÊNCIA DC NEWS – E como chegou à Associação?
MARCEL SOLIMEO – Um amigo conheceu o diretor do Instituto [de Economia] aqui. Vim fazer o teste – sempre tive uma certa facilidade para redação –, me deram lá um texto. Lembro do comentário que ele [o diretor Luiz Mendonça de Freitas] fez da minha redação: ele era francófilo, falava bem francês, disse que tinha muito galicismo… Comecei a trabalhar. Paulo Egydio Martins, que era diretor-secretário [equivalente a um secretário-geral], assinou minha contratação. [Paulo Egydio foi governador de 1975 a 1979. Morreu em 2021, aos 92 anos.]

AGÊNCIA DC NEWS – Onde ficava o Instituto de Economia?
MARCEL SOLIMEO – Ficava no sétimo andar, a biblioteca também. Comecei a trabalhar literalmente dentro da biblioteca. Não tinha onde almoçar aqui, comia lanche no Guanabara, que era aqui em frente. Lembro que encontrei um livretinho chamado Mensagem a Garcia. [Refere-se ao um livro escrito em 1899 por Eric Hubbard, que originou dois filmes. Nele, se lamenta que as pessoas não se empenhavam, faziam apenas o que era mandado.]

AGÊNCIA DC NEWS – A sua função era, basicamente, traduzir o que estava acontecendo na economia?
MARCEL SOLIMEO – Naquele tempo, tinha correção de balanços, tinha os índices do Conselho Nacional de Economia. Você tinha que explicar, mostrar como funcionava. Foi um período de muita mudança. Mudou todo o sistema tributário. foi criado o Banco Central, o Conselho Monetário Nacional (Lei 4.595, de 1964), a Lei de Incentivos Fiscais e Contenção de Preços (Lei 4.663, de 1965). A gente tinha que acompanhar, entender e depois traduzir para os empresários.

AGÊNCIA DC NEWS – O BC entrou em atividade em 1967. Como o sistema funcionava antes?
MARCEL SOLIMEO – O Banco do Brasil era também o banco emissor. Inclusive, o grande problema da inflação, que eles achavam na época, era a Conta Movimento do Banco do Brasil.

AGÊNCIA DC NEWS – O que era isso?
MARCEL SOLIMEO – Sacar a descoberto, fazer emissão de moeda. Quando se criou o Banco Central, o BB voltou a ter funções apenas de banco. Embora o suporte técnico todo do Banco Central tenha saído do Banco do Brasil. A Cacex [Câmara de Comércio Exterior] era dentro do Banco do Brasil, era praticamente o banco que irrigava a economia. Ninguém tinha controle. O ministro da Fazenda não tinha autoridade. Na verdade, às vezes o próprio ministro usava o banco. Não havia autoridade monetária propriamente dita. A Emenda Constitucional 18, de 1965, reformulou o sistema tributário. Foram estruturando o setor. Você tinha um órgão que fazia índices para correção de balanços, que era o Conselho Nacional de Economia, mas não tinha poder normativo. Então, começaram a institucionalizar o setor público.

AGÊNCIA DC NEWS – Quando o sr. entrou aqui, o Delfim Netto já estava?
MARCEL SOLIMEO – Estava, mas não full time mais. Ele era diretor da Bacia Paraná Uruguai [comissão interestadual]. Vinha bastante. Eu fui aluno, mas ele não me conhecia como aluno, porque eu tranquei a matéria, precisava tomar umas aulas particulares de matemática… Tinha a mesa dele no instituto. Nós tivemos uma calculadora, suíça, avançadíssima para a época. Ele fazia misérias com aquela máquina, que eu não conseguia fazer.

AGÊNCIA DC NEWS E como ele era?
MARCEL SOLIMEO – Muito atencioso, como sempre. Dava muita indicação de leitura. Às vezes ele ia fazer alguns trabalhos, precisava de gráficos, eu ajudava a coletar os números.

AGÊNCIA DC NEWS – Delfim é um caso à parte na economia. Sempre tivemos as escolas, os desenvolvimentistas, monetaristas…
MARCEL SOLIMEO – Ele era pragmático. Conhecia todas as teorias. Ele lia, marcava com régua os trechos do livro. Depois doou a biblioteca para a USP. Só lia economia. Me contaram que o diretor anterior ao Freitas, o José Luiz de Almeida Prado, professor da Faculdade de Direito, falou pra ele: “Ô, italianinho, você pensa que só com matemática você vai longe? Você precisa começar a ler outras coisas”. E ele começou a ler. Era um estudioso, tinha um grupo de estudos, que se reunia uma vez por semana para discutir economia, marxismo, todas essas coisas.

AGÊNCIA DC NEWS – O sr. conviveu com uma infinidade de economistas, à direita e à esquerda. Pode-se dizer que a principal divergência era quanto ao papel do Estado?
MARCEL SOLIMEO – No fundo, a diferença principal, com nuances, é essa. A participação do Estado, mais intervenção ou mais liberdade. Delfim era um pragmático, mas intervia quando precisava. Ele era a favor da economia de mercado, mas quando precisava intervir… Ele não fazia congelamento. Tinha a sala da situação, com todos os indicadores. Por exemplo, o arroz que está puxando muito a inflação, porque teve quebra no Rio Grande do Sul. Ele ligava para o presidente do Banco do Brasil e dizia: abre uma linha de crédito para a importação de arroz. Era pontual.

AGÊNCIA DC NEWS – E a época do nosso “milagre” econômico?
MARCEL SOLIMEO – A piada da época é que o milagre japonês se devia à disciplina, a determinação do povo. O milagre alemão, pela capacidade do povo. E o milagre brasileiro… Foi milagre mesmo. Ele ficava bravo. O Brasil era economia fechada e importava de tudo. Em pouco tempo, passamos a exportadores. O cenário mundial estava favorável, com excesso de capitais, então a gente conseguia financiamento.

AGÊNCIA DC NEWS – Até que veio a crise do petróleo.
MARCEL SOLIMEO – O preço do petróleo estava a 4, Depois 12, 36, e aí acabou o milagre, e nos levou à moratória. O Brasil estava endividado. Quando veio o segundo choque do petróleo, estávamos totalmente vulneráveis.

AGÊNCIA DC NEWS – Também no livro, o Guilherme Afif diz que aprende um pouco da teoria e que no Brasil, os liberais estão mais para republicanos do que para democratas.
MARCEL SOLIMEO – O sentido de liberal americano é diferente. Seria mais tucano. E alas que vão mais à esquerda. E o republicano é mais conservador, e liberal na economia. A Associação defendia mais liberdade, menos burocracia.

“Não podemos ficar eternamente culpando isso [herança colonial]. O Brasil perde ondas assim”
(Andre Lessa/Agencia DC News)

AGÊNCIA DC NEWS – O sr. passou por 15 presidentes aqui.
MARCEL SOLIMEO – Se contar os interinos, dá mais.

AGÊNCIA DC NEWS – E 15 presidentes da República também.
MARCEL SOLIMEO – Também.

AGÊNCIA DC NEWS – Mas, diferente do país, aqui é mais linear.
MARCEL SOLIMEO – Aqui, normalmente, o presidente saía dos quadros da diretoria. Então, tinha uma linha de continuidade. Como a minha visão coincidia com isso, não tive muita dificuldade. Eu pensava o que escrevia, não escrevia para agradar.

AGÊNCIA DC NEWS – Mas não houve divergência?
MARCEL SOLIMEO – Eu dizia, por exemplo: eu acho isso. Agora, você decide, o que você decidir eu cumpro.. Muitas vezes eu criticava, dizia que estava errado. Aí diziam: você parece que está a favor do fulano. E eu respondia: você quer alguém para bajular, vá procurar outro. Eu tenho obrigação de dizer o que eu penso. Sempre falei francamente com os presidentes.

AGÊNCIA DC NEWS – Há um capítulo no livro chamado Os Barões do Varejo. O que faz uma empresa dar certo e deixar de dar certo?
MARCEL SOLIMEO – Veja, primeira coisa: o crediário, que permitiu surgir grandes empresas e expandir. Antes, trazia uma ficha, fazia a ficha do fiador, essa ficha era entregue pro informante, que ia conferir se você morava naquele lugar, trabalhava… Depois, voltava para fechar o crédito. Com isso, você não massificava o crédito. Foi quando instituíram o SCPC [Serviço Central de Proteção ao Crédito]. Foi uma iniciativa dos lojistas de trocar seus cadastros. Precisava de alguém que eles confiavam para gerir. Aí pediram para a Associação administrar, centralizado. Isso permitiu a massificação do crédito. E também o surgimento da indústria de bens duráveis no Brasil.

AGÊNCIA DC NEWS – Isso ampliou o mercado?
MARCEL SOLIMEO – Isso fez com que as empresas pudessem expandir, o mercado crescendo, o Brasil se urbanizando cada vez mais. Agora, o que diferenciou, que muitas quebraram? Depende da posição em que você está no momento que tem reversão. Você está com expansão de crédito, de repente vem uma política, de contenção, aumenta os juros. E muitos foram mais ousados. Você chegou a ter crediário de 60 meses. O cara está alavancado no crédito, de repente trava o crédito. Está estocado, tem que reduzir os prazos. Então, muitas vezes, depende da sua posição.

AGÊNCIA DC NEWS – E das variações da economia?
MARCEL SOLIMEO – Vem uma crise, pega no contrapé. E outra coisa, o processo sucessório.

AGÊNCIA DC NEWS – O que acontece nesse caso?
MARCEL SOLIMEO – Muitos deles não tinham sucessores. Alguns, quando entrou a geração mais nova, quebraram. O próprio G.Aronson era um exemplo disso. Casas Centro, dois irmãos ficaram, contrataram um gerente vindo de banco, o cara sabia o caminho para arrumar crédito, e eles foram se endividando. Cada um tem uma história. Arapuã, o Jorge Jacob foi deixando para a geração mais nova, foi se afastando também. Os herdeiros não queriam saber de varejo. Fora isso, eu era também assessor do Clube de Diretores Lojistas. Tinha reunião mensal, podia fazer um termômetro de vendas. Durante a reunião, eles vinham, depositavam na urna os dados e eu tabulava enquanto eles almoçavam.

AGENCIA DC NEWS – Era um período dessas grandes redes e de comércio físico. Hoje a gente tem comércio eletrônico, Pix…
MARCEL SOLIMEO – Cada coisa tem seu tempo. Nem todos se modernizaram, alguns ficaram mais para trás e foram perdendo espaço, por razões variadas. Mas o comércio de bairro, mais pessoal, shopping, tem espaço. Tem espaço para todos. O importante é que você não fique defasado. Muitas financeiras foram criadas pelos próprios lojistas. Isso também ajudou muito.

AGÊNCIA DC NEWS – A inflação sempre foi um pesadelo, para o consumidor e para o comerciante. Estamos livres desse perigo?
MARCEL SOLIMEO – Hoje é mais difícil você chegar àqueles níveis. Tem mecanismos para amortecer. Mas não estamos livres. Não arraigamos totalmente a inflação. Uma herança que ela deixou foi a correção monetária, hoje o uso está mais reduzido. Não estamos livres. Mas não estamos também conseguindo crescer. E nosso dilema é crescer sem inflação. Uma inflação de 3%, 4%, você vai administrando.

AGÊNCIA DC NEWS – Como o sr. vê esse mundo hoje, com Estados Unidos e China?
MARCEL SOLIMEO – É um mundo em reconfiguração. Não há um desenho definitivo. Tem os blocos informais, os países árabes com o petróleo, a China já espraiou para o Vietnã. Os outros estavam terceirizando com a China, a China terceirizou com o Vietnã. As Coreias tiveram um desenvolvimento muito rápido. Principalmente a Coreia do Sul. Cinquenta anos atrás, o Brasil estava à frente da Coreia. O milagre coreano foi da educação. O Japão também. Estive lá em 1968, estava começando a dar aquela arrancada. A China em 2004 lembrava muito aquele estágio do Japão, com tecnologia de ponta, avançado, e muita gente ainda na roça. Fui duas vezes à Coreia do Sul, Taiwan, Hong Kong, quando a Inglaterra, inclusive, estava passando o bastão para a China.

AGÊNCIA DC NEWS – O Brasil era sempre chamado de país do futuro. Por que parece ser, sempre, um país que não atinge seu potencial, mesmo tendo tanta riqueza?
MARCEL SOLIMEO – Educação. No sentido amplo. Acho que nunca demos a devida importância. No Japão, em uma viagem, vi crianças pequenas indo para a escola de trem. Interessante que não tinha adultos com eles. Os maiores olhando os menores. Indo para aula no sábado. E o respeito, o comportamento deles no trem. Nós nunca demos importância. Não podemos ficar eternamente culpando isso [herança colonial]. A escravidão também atrasou. Educação, tecnologia. O problema é que estamos perdendo as ondas.

AGÊNCIA DC NEWS – E o Estado continua gastando.
MARCEL SOLIMEO – Sim. É a herança de capitanias que ainda predomina em certas regiões do Brasil. Temos os capitães hereditários, no sentido político. Isso faz com que muitos se preocupem mais em manter o poder do que com o desenvolvimento.

AGÊNCIA DC NEWS – Tirando teoria econômica, o que o senhor lê?
MARCEL SOLIMEO – Tudo. Desde receita… Eu lia, por exemplo, a Reader´s Digest [revista de variedades, de origem norte-americana]. Tinha a X-9 [revista com contos de suspense e terror]. Essa deixavam em cima do guarda-roupa, mas eu ia lá e lia. Machado de Assis sempre foi uma referência . Volta e meia vou ler de novo O Alienista, porque o Alexandre de Moraes [ministro do Supremo Tribunal Federal] me lembra o alienista.

AGÊNCIA DC NEWS – Ele é o alienista do conto?
MARCEL SOLIMEO – Sim. Todo mundo tem que ir preso.

AGÊNCIA DC NEWS – O senhor, que é corintiano, continua acompanhando o futebol. Os clubes brasileiros não deveriam ser melhor administrados?
MARCEL SOLIMEO – E poderiam ter um papel social na educação muito maior. Eles atraem os garotos. Tem sempre que forçar o garoto a estudar. Agora, como é que pode chegar a ter uma dívida de 2 bilhões? Falta administração. Falta responsabilidade e responsabilização. Você tira um grupo, mas não acontece nada.

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