ESPECIAL: 25 DE MARÇO – 160 ANOS. Estoques pela metade e 800 lojas sem energia mostram o lado obscuro da 25

Uma image de notas de 20 reais
“A nossa economia ainda está fraca e o povo não tem dinheiro”
(Andre Lessa/Agência DC News)
  • Dificuldade com importadores e industriais derrubam volume de mercadoria nas lojas e desafios se somam aos problemas de infraestrutura local
  • Com menor movimento, digitalização desigual e alto custo para manter segurança lojistas se dizem "resilientes" por atravessarem esse período
Por Bruno Cirillo

[AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DC NEWS]
Depois de apresentar histórias, memórias afetivas e a trajetória de desenvolvimento da rua 25 de Março, o Especial 25 de Março – 160 anos também se propõe a dissecar o outro lado do maior centro de comércio popular do país. Os problemas de infraestrutura, ruptura de estoque e falhas de zeladoria não são incomuns para os lojistas que atuam na região. Os desafios são muitos. Hidrantes sem água, apagões com 800 lojas no escuro, pressão do comércio irregular e insegurança que obriga comerciantes a financiar vigilância própria. A isso se soma um gargalo crescente: o abastecimento falho das indústrias e importadoras, que reduz estoques e limita a capacidade de venda no quadrilátero onde funcionam 590 lojas de rua e 3,2 mil sobrelojas. Diante desse cenário, mesmo com o reconhecimento da força econômica da 25 (que chega a movimentar R$ 300 milhões em um único dia) o alerta é claro: ainda que as vendas de fim de ano cresçam 10% este ano, os lojistas tentam reverter a queda de 30% registrada em 2024.

Quem descreve esse cenário nada promissor é Elias Ambar, proprietário do Armarinho Ambar, localizado na rua 25 de Março, 786, e diretor da União dos Lojistas da Rua 25 de Março e Adjacências (Univinco), entidade que reúne comerciantes da região e atua em temas de infraestrutura, segurança e zeladoria. Em meio a prateleiras meio vazias de rolos de barbante, Ambar disse que a maioria dos lojistas tem operado com apenas dois a três meses de provisão, e muitas vezes com estoques pela metade, bem abaixo do padrão histórico. “As indústrias não estão conseguindo nos atender prontamente”, afirma. A loja que ele opera foi fundada por seu pai em 1953, e já passou por seis endereços na região, mas nunca enfrentou tamanha dificuldade para manter um volume minimamente confortável de mercadorias. Segundo Ambar, a queda no giro e o atraso no abastecimento se tornaram rotina em 2024 e, aliado ao quadro econômico mais amplo, derrubou as vendas. “A nossa economia ainda está fraca e o povo não tem dinheiro.”

O quadrilátero da 25 de Março movimenta uma engrenagem econômica de grande porte: são 36 mil trabalhadores diretos e um faturamento estimado em R$ 13,5 bilhões em 2024, segundo o Censo da Univinco. Nesse cenário, a entidade acompanha com atenção a mudança dos hábitos de consumo. Embora o e-commerce avance no país, expectativa de alta de 15% no faturamento de 2025, para R$ 234 bilhões, de acordo com a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (Abcomm), a digitalização ocorre de forma desigual na região – e, para a maior parte dos lojistas, a venda online ainda não compensa as perdas acumuladas no ano, limitadas sobretudo pela falta de estoque e pela economia fraca. Segundo a diretora-executiva da Univinco, Cláudia Urias, hoje, mesmo com plataformas consolidadas, o comércio presencial ainda é o diferencial da 25 de Março. “Isso pela experiência, variedade e preços competitivos que só o contato direto pode proporcionar.”

Escolhas do Editor

No Armarinho Ambar, o diretor da Univinco afirmou que as vendas por meio digital representam, hoje, 15% do total. “A venda ainda é muito presencial. Porque as pessoas gostam de sair às compras e temos nossas clientelas tradicionais”, disse o empresário. Entre lojistas que fazem parte da história da região e novos comerciantes, o representante considera orgulhosamente o legado da 25: “Atualmente, eu acho que quem permaneceu são heróis da resistência”. Essa máxima, inclusive, foi o elo motivador para a construção da Univinco, fundada por lojistas nos anos 1970 (mas com registros formais de 1988). Por mais de uma década, a atuação da entidade foi restrita, e só ganhou protagonismo a partir dos anos 2000, quando o aumento dos vendedores ambulantes exigiu uma atuação mais organizada dos lojistas. Hoje a entidade reúne cerca de 150 associados e busca suprir lacunas históricas de infraestrutura e zeladoria. Entre as iniciativas recentes estão a reforma da Praça Ragueb Chohfi, na Ladeira Porto Geral, firmada via termo de cooperação com a Prefeitura, e as solicitações à Enel após o apagão que deixou 800 lojas no escuro em abril de 2024.

De acordo com Ambar, a Univinco foca em se fazer presente onde há falhas do poder público. Ele cita como exemplo o incêndio na rua Barão Duprat, em julho de 2022, quando mais de cem lojas foram destruídas. Ele afirma que, ao chegarem os bombeiros, não havia água nos hidrantes para apagar o fogo. A manutenção de hidrantes na cidade é uma responsabilidade da Sabesp, segundo a prefeitura. “Recebemos muitas exigências, mas quando depende de órgãos públicos, eles não correspondem”, disse o diretor da entidade. Hoje, com auxílio da Univinco, o prédio que pegou fogo está sendo restaurado com toda a regularização necessária. O representante não sabe dizer ao certo quantos prédios estão irregulares no bloco comercial, porém reconhece que muitos edifícios são antigos o bastante para demandarem, num futuro próximo, não somente uma adaptação às novas regras do Plano Diretor, mas até mesmo uma demolição.

Em nota à reportagem, a Prefeitura de São Paulo declarou que realiza diariamente serviços de varrição, lavagem de vias públicas, remoção de lixo, entulho, descartes irregulares e operações de desfazimento de materiais volumosos. “Também são realizadas rotineiramente ações de fiscalização voltadas ao combate ao comércio irregular”, disse o órgão municipal, “com o objetivo de garantir a organização do espaço público e melhores condições de circulação para a população”.

RESILIENTES – “O nosso trabalho nunca foi fácil e a gente procura se adaptar às situações”, afirma Ambar. Segundo ele, o lema mais apropriado para a rua 25 de Março atual é “resiliência”. Ambar cita dois períodos marcantes em relação às gestões municipais e como tiveram impacto na região. A primeira, com Luísa Erundina (prefeita de 1989 a 1992), que resultou num aumento exponencial da presença de camelôs e “siris” (ambulantes sem autorização, geralmente de fora, que não têm barraca e utilizam caixas de lona ou papelão). “Ficou intransitável.” Por esse motivo, a região se tornaria anos mais tarde um dos pontos da Operação Delegada, ação conjunta do poder municipal com a Polícia Militar, lançada em 2009, para debelar o comércio irregular. Em 2010, segundo dados da Prefeitura, 400 sacos de mercadorias contrabandeadas eram apreendidas diariamente nos arredores da 25 de março. Outro contexto foi durante a gestão Marta Suplicy (2001 a 2004): “Ela resolveu investir na 25, dar uma repaginada na rua, sabe?” As calçadas e o meio-fio foram reformados e o asfalto, recapeado, pontua.

“Atualmente, eu acho que quem permaneceu [na 25] são heróis da resistência”
(Andre Lessa/Agência DC News)

A questão da segurança pública é uma prioridade para os membros da Univinco. A última medida adotada por eles, para garantir um ambiente seguro aos próprios lojistas, pedestres e consumidores, foi a vigilância do perímetro urbano com a contratação de uma empresa de segurança colaborativa – conceito em que cidadãos, empresas e governo fazem a gestão conjunta de um sistema de monitoramento –, a CoSecurity. A rede é conectada à GCM, PM e uma central dedicada ao monitoramento que custa R$ 40 mil por mês aos lojistas. “Nós melhoramos muito a segurança. Revertemos uma imagem que estava negativa”, afirma Ambar. O índice de roubos e furtos, que já havia sido controlado com as operações de segurança regulares, caiu significativamente com a instalação desse sistema, segundo ele. A ação se soma à iniciativa SmartSampa, que tem mais de 9 mil câmeras instaladas no Centro de São Paulo. Segundo o levantamento da reportagem, há 230 câmeras da SmartSampa visíveis na 25 de Março.

NOVIDADES – Como parte de uma ação para atrair novos visitantes para a região, a entidade prevê começar, ainda em 2025, o primeiro tour guiado pelas 17 ruas da 25 de Março. O passeio é destinado a consumidores em primeira viagem e turistas brasileiros ou estrangeiros que queiram conhecer a região. Segundo Jorge Dib, dono do Depósito de Meias São Jorge, e diretor da Univinco, o objetivo é tornar mais palatável a visita do turista. “De vez em quando o pessoal vem sem instrução e acaba não aproveitando tanto”, disse. E ele está certo. A região chega a receber 800 mil pessoas em um único dia, em épocas sazonais. De acordo com o Censo Univinco 2024, 59% desses consumidores são de outras cidades, estados ou países, a maioria (69%) mulheres e cerca de metade (57%) usa transporte público, enquanto o restante (43%), carro próprio. O primeiro tour guiado será realizado ainda este ano com 20 pessoas.

Bate-papo com CLÁUDIA URIAS,
Diretora-executiva da Univinco

AGÊNCIA DC NEWS – Quais são as pautas prioritárias da Univinco no momento?

CLÁUDIA URIAS – Atualmente, nossas principais pautas são a ordenação do espaço público e o fortalecimento da segurança na região, garantindo um ambiente mais organizado e seguro para quem vem às compras na 25 de Março.

AGÊNCIA DC NEWS Quais foram as últimas ações mais importantes?
CLÁUDIA URIAS Destacamos a implantação do projeto 25Segura, uma iniciativa de segurança colaborativa que tem contribuído significativamente para a redução de ocorrências e para a melhoria da sensação de segurança entre lojistas e consumidores.

AGÊNCIA DC NEWS Como estão se comportando as vendas na 25 em um ano de inflação e juros altos?
CLÁUDIA URIAS – A maioria dos lojistas da 25 de Março é formada por importadores que se planejam com antecedência. Como adquirem suas mercadorias antecipadamente, conseguem preços mais competitivos e repassam essas condições favoráveis aos consumidores, mantendo o comércio aquecido mesmo em um cenário econômico desafiador.

AGÊNCIA DC NEWS Qual é a expectativa para o fim do ano?

CLÁUDIA URIAS – Com o aumento gradual do movimento nas ruas e o clima de retomada, esperamos um crescimento aproximado de 8% nas vendas em relação ao mesmo período de 2024.
E para 2026?
Acreditamos que, com a região cada vez mais ordenada, segura e estruturada, a 25 de Março continuará atraindo consumidores durante todo o ano, fortalecendo todos os segmentos que compõem o polo comercial.

AGÊNCIA DC NEWS – Como a associação trabalha para promover o comércio na região?

CLÁUDIA URIAS – A Univinco atua em parceria com o programa Todos pelo Centro da Prefeitura de São Paulo, que promove ações de valorização da região central. Além disso, mantemos uma página ativa nas redes sociais, divulgando lojas, promoções e novidades. Também desenvolvemos um calendário de eventos que movimenta o comércio e atrai grande público para a região.

AGÊNCIA DC NEWS – O e-commerce está sendo adotado pelos lojistas? Em que medida?
CLÁUDIA URIAS –
Durante a pandemia, muitos lojistas adotaram o e-commerce para manter suas vendas. Hoje, mesmo com as plataformas online consolidadas, o comércio presencial continua sendo o principal diferencial da 25 de Março, pela experiência, variedade e preços competitivos que só o contato direto pode proporcionar.

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