[AGÊNCIA DC NEWS]. Pasta mais antiga do governo paulista – criada em 1892 –, a Secretaria de Justiça e Cidadania foi a primeira a ser transferida para Campos Elíseos, dentro de um projeto que prevê deslocar o núcleo de decisões do Poder Executivo estadual para a região central da cidade. Desde setembro, a secretaria está na avenida Rio Branco, junto à alameda Glete, no palácio que dá nome ao bairro e foi sede do governo de 1912 a 1965, quando foi transferida para o Palácio dos Bandeirantes, no Morumbi. O Centro Administrativo Campos Elíseos, nome do projeto, terá em 2025 seus passos decisivos. No primeiro trimestre, começam as audiências públicas. No terceiro trimestre deve sair o edital da Parceria Público-Privada (PPP). E entre outubro e dezembro estão previstos o leilão e a assinatura de contrato. As obras devem estar concluídas até 2029.
A ideia do Centro Administrativo Campos Elíseos começou a nascer no ano passado. Quando estiver pronto, deverão ser deslocados para a região 22 mil servidores. A aposta é múltipla: repovoar, recuperar e revitalizar uma região que já recebeu a elite paulista na primeira metade do século passado e hoje está associada a um contínuo processo de degradação, incluindo a chamada cracolândia. Depois dos estudos feitos em 2023, com a criação de um cronograma, o primeiro passo foi a realização de um concurso público para o projeto arquitetônico. Foram 44 participantes. No fim de agosto, ao anunciar o vencedor – o escritório Ópera Quatro – o governador Tarcísio de Freitas ressaltou a transformação que haverá no espaço urbano. “A gente acredita na revitalização e em restabelecer a dignidade das pessoas que vivem e trabalham no Centro”, afirmou Tarcísio.
A construção do novo complexo faz parte do Programa de Parcerias de Investimentos de São Paulo (PPI-SP), coordenado pela Secretaria de Parcerias em Investimentos (SPI) com a Secretaria de Projetos Estratégicos. Além da revitalização em si, oficialmente o projeto “também visa a redução das despesas com aluguéis e manutenção predial e dos custos administrativos a partir da aproximação territorial dos órgãos”. Hoje, a estrutura do governo estadual engloba 24 secretarias (e uma extraordinária, ligada ao gabinete do governador), 29 autarquias, 16 fundações e 13 empresas. A Unidade Central de Recursos Humanos (UCRH), da Secretaria de Gestão e Governo Digital, não informou o número atual de servidores estaduais. Por enquanto, a estimativa é de que 22 mil deles sejam alocados no Centro Administrativo.
Hoje, os servidores estão distribuídos em 56 edifícios administrativos espalhados pela cidade, do Jaguaré a Vila Prudente, de Santana a Vila Mariana. Cada um ocupa em média 34 metros quadrados. Com a mudança, cairá para 13 metros quadrados por funcionário. Serão esvaziados 519 mil metros quadrados de imóveis. Segundo a PPI, “as repartições públicas estaduais desocupadas vão ser destinadas a projetos habitacionais de interesse social”. A redução dos espaços para a aproximação do dia a dia do funcionalismo estadual foi fator crucial para os arquitetos Fernanda Ferreira e Pablo Chakur, do Ópera Quatro. Eles tiveram de estudar o porte de cada secretaria, cujos espaços serão menores do que os atuais.
PROJETO – O custo total do Centro Administrativo está estimado em R$ 4 bilhões. Pablo Chakur explica que ao contrário de construir algo do zero, como foi Brasília, haverá uma espécie de redesenho integrado ao cenário atual na região de Campos Elíseos junto à Praça Princesa Isabel, entre a avenida Duque de Caxias e a alameda Glete. “Será preciso tirar partido do que existe”, disse Chakur. Segundo o arquiteto, ele e Fernanda quiseram “reproduzir a cidade no projeto”. No caso, uma ‘cidade’ maior que 69,3% dos municípios brasileiros que, segundo o IBGE, têm até 20 mil habitantes.
Na proposta vencedora, a previsão é erguer cinco conjuntos de prédios (de dois blocos cada), em área total de 288 mil metros quadrados, quase quatro vezes o tamanho do complexo esportivo do Pacaembu (estádio, ginásio e piscina), hoje Mercado Livre Arena. “Unificamos os prédios com passarelas”, afirmou Chakur. Um espaço que se torna ao mesmo tempo “único e flexível”, permitindo a circulação interna. A área foi dividida em quadras. Em três delas haverá um edifício com dois blocos cada. Na quarta, dois edifícios, também com dois blocos. Nessas quadras nem todos os imóveis atuais irão abaixo. Um edifício de apartamentos, vários prédios menores e duas casas tombadas serão mantidos. Deverão ser desapropriados 250 imóveis, com 800 moradores. Calcula-se que todas as desapropriações irão somar R$ 472 milhões.
Ao mesmo tempo, estão previstos projetos paralelos de habitação popular e a criação de uma ampla área arborizada junto à praça Princesa Isabel – onde hoje funciona um terminal de ônibus. As desapropriações e a desativação do terminal preocupam entidades acadêmicas e movimentos de moradia, que divulgaram nota técnica com ressalvas. O fato é que a praça hoje é oficialmente um parque, cercado, e com horário de funcionamento (das 6h às 18h). “A gente quis trazer a praça para dentro dos lotes”, disse Chakur. A preocupação do projeto inclui o adensamento da região. “Você ocupa morando, não só trabalhando. À noite, a cidade precisa continuar viva.”
CAMPOS ELÍSEOS – No conceito de ‘reproduzir a cidade’ dos arquitetos do Ópera Quatro, entenda-se levar em consideração as “características heterogêneas” da região, com seus palacetes e prédios altos e baixos, permitindo visualizar o céu. Construções de diferentes estilos, que se tornaram tema de um livro publicado em 2017 pelo fotógrafo Juan Esteves (que morreu em setembro deste ano), com organização do historiador Antonio Carlos Suster Abdalla. Na introdução, Esteves observava que Campos Elíseos é um dos poucos bairros na capital paulista “onde ainda se nota um conjunto significativo de projetos arquitetônicos importantes preservados”.
E entre eles o destaque é justamente o Palácio Campos Elíseos. Inaugurado em 1899 como residência de Elias Antônio Pacheco Chaves, um produtor de café, o edifício foi encomendado com base em um castelo na França. Treze anos depois, virou a segunda sede do que seria o atual estado de São Paulo. A primeira ficava no Pátio do Colégio, desde que se criou a capitania de São Paulo (1720), que virou província (1821) e estado (na primeira metade do século passado). O Palácio foi tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) em 1977 e pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp) em 1991 – ultimamente, abrigava o Museu das Favelas, que agora está junto ao Pátio do Colégio. Por cinco décadas, nos Campos Elíseos se concentravam figuras da política e da cultura paulistas.
Em outubro de 1967, dois anos após a saída do governo para o Palácio dos Bandeirantes, o Palácio dos Campos Elíseos foi destruído por um incêndio – a filha mais nova do governador Abreu Sodré, Maria do Carmo, conseguiu salvar um LP autografado por Caetano Veloso. O bairro, porém, já não era endereço de boa parte da elite paulista – desde os anos 1930, com a crise do café e a ascensão de um bairro vizinho, Higienópolis, para onde famílias da aristocracia começaram a se instalar. Mas foi no período após a mudança como sede de governo do Campos Elíseos e nas décadas seguintes que a decadência do entorno se ampliou. No livro de Juan Esteves, o historiador Abdalla relaciona alguns fatores para essa decadência, que vão de administrações municipais omissas até ataques dos modernistas a certos estilos arquitetônicos dos Campos Elíseos.
Agora, o projeto do Centro Administrativo pode dar uma nova cara ao bairro, o primeiro a ser planejado na cidade de São Paulo – projetado pelo engenheiro Hermann Von Puttkamer, em terras de uma chácara dos alemães Frederico Glette e Victor Nothmann, que dão nome a alamedas e entre as quais ficava o casarão de Henrique Santos Dumont, irmão do aviador Alberto Santos Dumont, hoje sede do Museu da Energia de São Paulo. O diretor-presidente da CPP, Edgard Benozatti, aposta nessa transformação. “Acreditamos que o projeto vai mudar a ocupação da área central da capital”, disse. “Junto a outros projetos e ações que poderão fazer a diferença para a requalificação do Centro.” Assim, o poder público volta de onde talvez não deveria ter saído. Pablo Chakur lembra do arquiteto e urbanista Valter Caldana, seu ex-professor no Mackenzie e coordenador do Núcleo de Estudos Urbanos – do Conselho de Política Urbana – da Associação Comercial de São Paulo (ACSP).“O erro do governo não é voltar ao Centro, mas ter saído do Centro.”