BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Estados endividados poderão usar seus ganhos futuros com o FNDR (Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional), criado pela reforma tributária, para viabilizar incentivos fiscais regionais, para quitar parte de seus débitos com a União.
A possibilidade foi incluída no parecer do relator do projeto de renegociação da dívida dos estados, senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). O texto foi divulgado na manhã desta quarta-feira (14), após intensas negociações entre senadores, governadores e a equipe do ministro Fernando Haddad (Fazenda). A votação no plenário do Senado está prevista para a tarde desta quarta.
O FNDR será abastecido com repasses anuais da União, fora das regras fiscais. Eles começam em R$ 8 bilhões (em valores de hoje) em 2029, chegam a R$ 40 bilhões em 2033 e alcançam R$ 60 bilhões anuais a partir de 2043.
Os critérios de distribuição estipulados na reforma tributária fizeram com que Bahia, São Paulo e Minas Gerais ficassem com as maiores fatias do fundo. Os dois últimos estão entre os maiores devedores da União.
O texto do projeto de lei prevê que os estados possam entregar parte ou todo o fluxo de recebíveis do FNDR como moeda de pagamento de suas dívidas com a União.
A medida é uma alternativa à entrega de outros ativos, como empresas estatais, imóveis ou créditos da dívida ativa (devidos pelos contribuintes), que o texto também autoriza, mas representantes dos próprios estados consideram de difícil operacionalização.
A federalização de empresas estatais, por exemplo, depende de acerto com a União em torno do interesse na operação e do valor de avaliação do ativo sobre o qual pode haver divergências, com risco de a União rejeitar a transferência.
Alcolumbre também decidiu atender às regiões Norte e Nordeste no critério de repartição do fundo de investimentos a ser abastecido pelos estados mais endividados como contrapartida ao alívio nos juros pagos à União.
Os recursos do chamado Fundo de Equalização Federativa serão distribuídos segundo os coeficientes do FPE (Fundo de Participação dos Estados), que recebe parcela de impostos federais e prioriza transferências a estados com menor renda per capita o que beneficia as duas regiões.
Por outro lado, o relator não incorporou a principal demanda dos governadores de Norte e Nordeste, que era o aumento dos valores destinados ao fundo de investimentos. Assim, eles terão preferência na distribuição, mas sobre um bolo total menor de recursos.
O projeto prevê, em linhas gerais, a redução do indexador das dívidas dos estados com a União por meio da adesão ao Propag (Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados). Hoje, os valores são corrigidos por IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) mais uma taxa real de 4%. A proposta permite a redução do juro real a zero.
A medida beneficia principalmente São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, que detêm juntos cerca de 90% do estoque da dívida dos estados com a União. Os três últimos, inclusive, estão no RRF (Regime de Recuperação Fiscal), programa de socorro para estados em péssimas condições financeiras.
Menos endividados e, portanto, menos contemplados pela proposta, estados de Norte e Nordeste passaram a reivindicar tratamento isonômico, sob o argumento de que a renegociação está premiando estados em dificuldade, enquanto os demais mantiveram as contas em trajetória saudável.
O projeto de lei apresentado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), previu que 1 ponto percentual da redução dos juros reais fosse direcionado ao Fundo de Equalização Federativa.
As bancadas de Norte e Nordeste se movimentaram para tentar elevar esse repasse a 2 pontos percentuais e contavam com o apoio do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para isso, mas não tiveram sucesso.
Ampliar o valor destinado ao fundo afeta diretamente o alívio financeiro efetivo que São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul terão em suas contas. Embora suas bancadas sejam menores no Senado, elas contam com representantes influentes, como o próprio presidente do Senado principal patrocinador do projeto de renegociação e que tem como um de seus objetivos ajudar Minas Gerais.
Além disso, segundo relatos de parlamentares envolvidos nas negociações, a ampliação do valor destinado ao fundo poderia afetar o ingresso de São Paulo no programa. Como o estado detém a maior dívida, a não adesão do governo paulista reduziria ainda mais o bolo total do fundo, surtindo efeito contrário ao esperado pelos demais estados.
Diante do impasse, Alcolumbre decidiu manter o repasse de 1 ponto percentual ao fundo de investimentos.
Existe a possibilidade de uma emenda para ampliar os recursos do fundo ser votada em separado no plenário, por meio de destaque. No entanto, representantes de Norte e Nordeste admitem, sob reserva, que há poucas chances de sucesso, dadas as forças políticas que trabalham para barrar a mudança.
Além de prever os critérios do FPE para a distribuição do fundo, Alcolumbre mencionou no parecer que nenhum estado poderá receber mais do que três vezes o valor de outro. A restrição, contudo, não consta no texto do projeto de lei.
O alívio nos juros previsto na renegociação será concedido mediante regras que obrigam o uso do fundo financeiro para bancar investimentos em educação, saneamento, habitação, adaptação às mudanças climáticas, transportes ou segurança pública.
Os recursos não poderão ser aplicados em despesas correntes ou gastos com pessoal. Os governadores queriam maior flexibilidade no uso do dinheiro, mas o relator manteve o artigo que carimba 60% do alívio financeiro para gastos ligados à educação profissional técnica de nível médio um pedido do Ministério da Fazenda, que topou articular e renegociação das dívidas sob o lema de “Juros por Educação”.
O projeto de lei estabelece o prazo de 120 dias para a adesão do estado ao Propag, mas abre margem para que a entrega de ativos seja feita a qualquer momento mediante “amortizações extraordinárias da dívida”.
O presidente do Senado afirmou a jornalistas na terça-feira (13) que “não há plenitude de satisfação para nenhum dos lados”, mas defendeu a renegociação da dívida com o argumento de que este é o “maior problema federativo do Brasil”.