Nascida num cortiço no centro de São Paulo, Janaína Torres é a melhor chef de cozinha do mundo, eleita pelo ranking internacional 50 best. Aos 49 anos, a cozinheira é dona de quatro estabelecimentos na região central da capital paulista, sendo um deles o 12º melhor restaurante do mundo e o 4º na América Latina: A Casa do Porco; o seu primeiro autoral. Além dele, a chef também toca o Bar da Dona Onça – localizado no Edifício Copan – o Hot Pork e a Sorveteria do Centro. Na sorveteria, a regra é usar nas receitas sempre produtos naturais e sem conservantes.
A mais nova empreitada de Torres é o restaurante À Brasileira, que também fica no centro de São Paulo. Segundo ela, o foco será a culinária brasileira multicultural. “Quero contar histórias da cozinha nacional, desde antes do dito descobrimento, até o que foi depois das migrações e o que é hoje em dia”, disse a chef, em entrevista exclusiva à DC News. Em fase de preparativos, o restaurante tem abertura prevista para os primeiros meses de 2025. Nesta entrevista, a chef e empreendedora fala das suas influências, da sua relação com o Centro de São Paulo, de segurança pública, de cultura e da família nos negócios. E, claro, de gastronomia.
DC News: Você nasceu no Centro de São Paulo. Sempre teve vontade de abrir restaurantes na região central da cidade?
Janaína Torres: Para ter um negócio no Centro de São Paulo, você precisa ter uma conexão com o lugar e entender o que é o Centro. Eu nasci e vivi minha vida inteira lá. E é por isso que todos os meus restaurantes estão lá. Se eu fosse do bairro do Limão, por exemplo, acho que todos os meus restaurantes estariam lá.
DCN: Como enxerga o Centro hoje, nos aspectos de segurança, zeladoria e iluminação?
Torres: O Centro de São Paulo sempre teve um problema muito forte na questão da segurança pública. O que acontece é que ele é cíclico. Tem épocas que é super seguro, que não está acontecendo nada. Mas há momentos em que tudo acontece. Hoje em dia, por causa das eleições (municipais deste ano), tem muito policiamento e está mais calmo. Mas eu sei que não vai ser assim o tempo todo, porque, como eu falei, é cíclico.
DCN: Você acredita que as atuais políticas públicas para resolver esses problemas do centro são efetivas? Elas afetam o público que vai a restaurantes?
Torres: Eu acho que é importante que exista um diálogo com as autoridades. Há uns 6 meses, estava muito difícil circular pelo Centro. Eu me assustei. E olha que eu nunca tive medo da região. Isso fez com que o movimento nos restaurantes caísse, sim. Então, eu e outros chefs tivemos uma conversa com o prefeito Ricardo Nunes. Daí, as coisas melhoraram, porque as políticas de segurança melhoraram.
DCN: Você sempre foi defensora do comércio e do cenário gastronômico no Centro de São Paulo. O que falta para que as pessoas voltem a enxergar o local como referência para compras e gastronomia?
Torres: Eu amo o centro de São Paulo. Sempre vai ser um lugar de acolhimento de ações sociais e, sobretudo, de ocupações sociais. Cuidar do Centro é preservar toda a nossa história. É reconhecer que ele é e sempre será o coração de São Paulo, com diversas culturas, economia criativa e comércio. Segurança é a palavra de preservação.
DCN: Como analisa o cenário gastronômico no centro de São Paulo atualmente? Faltam grandes restaurantes e incentivos para tais?
Torres: O Centro sempre teve um cenário gastronômico lindo. Ali existem restaurantes importantes, que estão abertos há décadas, que me inspiraram e fazem parte da minha história. Acho que é importante pensar que o Centro, sendo um lugar seguro, atrai a todos: investidores, restaurantes e clientes.
DCN: Que conselho você, como melhor chef do mundo, daria para a jovem Janaína, que começou vendendo coxinha?
Torres: Eu diria para ela acreditar que a cozinha popular é a mais técnica do mundo e que quem sabe fazer cozinha popular – como coxinha, acarajé, risoles e empadas – tem as mãos mais técnicas que ela pode imaginar. E falaria para ela não ligar para quem subestima a cozinha brasileira, achando que cozinha popular é inferior às outras.
DCN: O que o prêmio de melhor chef do mundo representa para você em relação à valorização da presença feminina na gastronomia?
Torres: Esse prêmio é importante para que as mulheres vejam que há oportunidade de ser cozinheiras e chefs, para não se sentirem envergonhadas e para entenderem a cozinha profissional como um lugar também para mulheres. Quero que as mulheres sejam capazes de se reconhecerem umas nas outras e entendam que elas podem estar onde quiserem.
DCN: Como o prêmio reflete no seu trabalho atual e no seu futuro restaurante? E como ele ajuda na valorização da gastronomia brasileira no cenário internacional?
Torres: Com o prêmio, eu pude falar mais ainda daquilo que eu amo, que é a gastronomia brasileira. Isso é muito gratificante. O Brasil precisa mostrar nossa cozinha cotidiana para o mundo, porque as pessoas não conhecem. Eu viajei muito nos últimos anos para mostrar a cozinha brasileira do dia a dia, a feijoada, a moqueca, a farofa. Com o prêmio, eu vou poder mostrar ainda mais tudo isso.
DCN: Com mais um grande projeto em andamento, como se organizar para dar conta de todos os seus estabelecimentos?
Torres: Amar, delegar, dividir, compartilhar e cuidar. Esse é o segredo.
DCN: O novo restaurante deve seguir a gastronomia popular que você defende?
Torres: O À Brasileira vai ser mais do que um restaurante. Lá, eu quero viver o Brasil em todas as suas nuances, num projeto multicultural, por meio da gastronomia. Será um espaço no qual, por diferentes meios, quero mostrar que o alimento é mais do que a comida, que pode ser remédio para o nosso bem-estar. Eu quero contar as histórias da cozinha brasileira num local só, desde antes do dito descobrimento, até o que foi depois das migrações e o que é hoje em dia.
DCN: Você gosta de filmes e séries sobre culinária?
Torres: Eu adoro filmes! Principalmente os que têm gastronomia, como Gabriela Cravo e Canela, Como Água para Chocolate, A Marvada Carne. Adoro o Sítio do Pica Pau Amarelo, pelos ensinamentos que passa de gastronomia com a Tia Benta
DC News: O que você acha de o seu filho ter entrado no mundo da gastronomia? Pensa em levá-lo para trabalhar com você?
Torres: Eu nunca tive a pretensão de que João Pedro, meu filho mais velho (de 18 anos), fosse cozinheiro. Mas ele foi se interessando e passou os últimos dois anos trabalhando comigo. Daí, achei que era hora de ele trabalhar com outras mulheres, e ele foi fazer um estágio no Maní, da chef Helena Rizzo. Eu gosto muito que ele esteja na cozinha e ele me ajuda muito. Ainda não sei se ele vai querer trabalhar comigo no À Brasileira. Se ele quiser, será bem-vindo.