[AGÊNCIA DC NEWS]. Romeu Eugênio, 81 anos (completará 82 em setembro), tinha 11 quando veio para São Paulo com a família. O pai, que havia chegado um mês antes, começou a trabalhar aqui e deu o sinal verde. Vinham todos de Mococa, a 300 quilômetros da capital. Era 1954. Para ajudar em casa, Romeu começou cedo. Foi engraxate, consertou sapatos, trabalhou de office-boy. Até que em um dia de junho de 1957 (“Quando Pelé começou a jogar na seleção”), e estava com quase 14 (e Pelé com quase 17), arrumou emprego em um pequeno estabelecimento na segunda sobreloja de um prédio comercial na rua São Bento, Centro Histórico da cidade. Ali se consertavam canetas-tinteiro. Ali Romeu encontrou sua profissão. Trabalhou mesmo lugar desde então. Mas em maio último, depois de quase 68 anos, se despediu do prédio. Junto do sócio, José Carlos Jabbur, mudou-se para uma galeria próxima à estação Ana Rosa do Metrô, na Vila Mariana, Zona Sul.
Também fica um pouco mais perto de sua casa, na Vila Liviero, na divisa entre São Paulo e São Bernardo do Campo, já na região do ABC (ele continuará pegando ônibus e metrô para trabalhar). E o Centro Histórico perdeu um de seus personagens. Com quase dois séculos, a história das canetas-tinteiro se associou a certo requinte na escrita, a uma caligrafia elegante, e manteve seu reinado até meados do século passado, quando a caneta esferográfica se popularizou – a Bic, por exemplo, do francês Marcel Bich, é de 1950. Mais de 100 anos antes, em 1846, nos Estados Unidos, Richard Cross criou o primeiro produto. Três décadas depois, em 1880, no mesmo país, o professor George Safford Parker, que se especializou em consertá-las, inventou outro modelo.
Assim, Cross e Parker viraram sinônimo – e marca – de canetas-tinteiro. Essa lista ganhou mais um nome no início do século passado, com Walter Sheaffer, que criou um mecanismo para evitar que as pessoas se sujassem de tinta. Quase na mesma época, na Alemanha, um engenheiro (August Eberstein), um banqueiro (Alfred Nehemias) e um comerciante (Claus-Johannes Voss) se associaram em torno da marca Montblanc, nome inspirado no ponto mais alto da Europa Ocidental. A caneta considerada mais famosa, a Meisterstück (obra-prima, em alemão), completou 100 anos em 2024. Hoje, no site da Montblanc, há 46 modelos da Meisterstück, incluindo esferográficas. Os valores vão de R$ 3,1 mil a R$ 19,7 mil.

Romeu não fez curso de caligrafia – recorda-se do método De Franco, sempre citado – e não escreve com canetas-tinteiro. Mas suas mãos estão sempre manchadas de tinta. É o serviço que mais aparece em sua pequena oficina, basicamente uma mesa de trabalho e outra com um torno de 50 anos, para trabalhos de polimento e acabamento: “Normalmente, é a bomba que estoura e tem que trocar a borracha”. Para conseguir peças, ele e Jabbur costumam comprar canetas antigas. Parte delas vai para uma espécie de loja mantida no local. “A gente reforma, faz manutenção e põe para vender.”
O ritmo de trabalho, claro, não é mais o mesmo. “Em fim de ano, a gente ficava aqui até 9 da noite para dar conta. Naquela época, pegava serviço para 30 dias”, disse Romeu. “O pessoal usava muita caneta. Tinha mais caneta-tinteiro do que esferográfica. Hoje, a juventude nem sabe o que é isso.” Agora, calcula, ele conserta 20 por mês. Esse volume já foi de 30. Por dia. Tanto que, durante algum tempo, eram quatro pessoas trabalhando: Romeu e o dono da loja, Mariano Prieto, mais o filho e a esposa dele. Só com Mariano, criador do Posto Central de Canetas e Consertos (1951), Romeu trabalhou durante 43 anos. No mesmo prédio da São Bento, como ele lembra, já funcionaram lojas de marcas tradicionais, como Antuerpia (joias), Pellegrini (calçados) e Rossi (armas). Em 2005, o filho do dono, Mariano Junior, chegou a fundar o Pen Collectors de São Paulo. E Romeu, sem escrever com as canetas clássicas que conserta, já deixou sua assinatura.
O pessoal usava muita caneta. Tinha mais caneta-tinteiro do que esferográfica. Hoje, a juventude nem sabe o que é isso


(Andre Lessa / Agência DC News)