São raros os indivíduos bem sucedidos no mundo acadêmico e no mundo corporativo em níveis equiparados. Paulo Feldmann é exceção. Formado em engenharia de produção pela USP, mestre e doutor em administração pela FGV. Ele dividiu sua vida entre o acadêmico e corporativo. Na academia, dando aulas na USP e na FIA. Como executivo, atuou em instituições gigantes como a Big Four de consultoria EY, Eletropaulo, Compucenter, Microsoft e Iron Mountain. Em 2011, começou a levantar a bandeira das pequenas empresas na Fecomércio, na qual é o presidente do Conselho de Pequenas Empresas desde então. Em 2013, também se tornou membro do Conselho de Administração da ADE SAMPA, empresa criada pela prefeitura de São Paulo para estimular o desenvolvimento de startups na capital. Atualmente também é membro do conselho da FIA e coordenador dos projetos de consultoria da instituição.
Há pouco mais de 14 anos, Paulo Feldmann levanta essa mesma bandeira de garantir um ambiente econômico mais favorável para as pequenas empresas. Uma tarefa difícil, segundo ele, principalmente no varejo brasileiro. Isso porque o mercado varejista está se transformando em um oligopólio. “É um oligopólio. Você tem poucas empresas varejistas que dominam o mercado”, afirmou em entrevista exclusiva à AGÊNCIA DC NEWS. Para ele, esse ambiente se torna ainda mais difícil para as pequenas empresas quando não existe amparo para elas a nível governamental ou legislativo. Um dos objetivos da Fecomércio é exatamente esse, gerar um ambiente favorável e saudável de competição. Um dos instrumentos para isso, é o consórcio, como consta a posição oficial da instituição em seu site. “É preciso regulamentar a criação de consórcio de pequenas empresas, prevista na Lei Geral da Micro e Pequena Empresa (LC 123/2006).” Para Feldmann, o consórcio e o crédito subsidiado são as maneira mais importantes de proteger essa categoria. “No Brasil não existe nada em termos de política pública que favoreça a pequena.” Confira a entrevista completa.
AGÊNCIA DC NEWS – Por que o varejo está se tornando um oligopólio?
PAULO FELDMANN – O varejo tá se transformando num negócio de grandes empresas. É quase um monopólio. É um oligopólio porque você tem poucas empresas que dominam.
AGÊNCIA DC NEWS – Pode me dar um exemplo de como isso está acontecendo?
PAULO FELDMANN – O setor de livrarias. A gente tinha muitas livrarias no Brasil até 10, 15 anos atrás. A gente tinha a livraria Cultura, que tinha várias lojas, a Saraiva, a Siciliano, eram várias. Acabou. Hoje a Amazon, que nem é uma empresa brasileira, domina esse mercado.
AGÊNCIA DC NEWS – E isso está acontecendo em mais setores?
PAULO FELDMANN – Em todos os setores. Se você é de São Paulo, lembra que a Rua Teodoro Sampaio era uma rua muito importante de varejo. É a rua dos móveis. Hoje, você vê que uma em cada duas lojas fechou. Só há metade das lojas que você tinha 10 anos atrás.
AGÊNCIA DC NEWS – Por que isso aconteceu?
PAULO FELDMANN – Porque apareceu uma coisa chamada comércio eletrônico. Hoje, ele domina a atividade varejista. As pessoas preferem comprar pela internet, em vez de sair de casa e ficar procurando uma loja. Então, para a pequena loja, para o pequeno comerciante, foi muito ruim.
AGÊNCIA DC NEWS – E foi positivo para as grandes empresas? Como?
PAULO FELDMANN – Para o grande, que investiu em tecnologia, sim. Comércio eletrônico significa um investimento pesado em tecnologia. Para quem investiu em tecnologia, como a Magazine Luiza e Lojas Americanas, sim. Esse pessoal no Brasil se deu muito bem e domina o mercado. Já o pequeno, infelizmente, ele está em extinção.
AGÊNCIA DC NEWS – Não há nada que proteja essas pequenas empresas no Brasil?
PAULO FELDMANN – No restante do mundo, como na Europa, existem leis que permitem o consórcio e também que as pequenas empresas realizem empréstimos com juros mais baixos. No Brasil não existe isso. Não existe nada em termos de política pública que favoreça a pequena. O governo não tem legislação que permita consórcio e não tem juro subsidiado.
AGÊNCIA DC NEWS – E como é composto hoje o quadro de empresas, por porte, no Brasil?
PAULO FELDMANN – O quadro empresarial brasileiro é composto de 99% de empresas pequenas. São 6,4 milhões e só 1% desse total, 64 mil, são médias e grandes. O restante são pequenas ou micro. No entanto, a participação da pequena no PIB brasileiro é de 27%.
AGÊNCIA DC NEWS – 27% é pouco?
PAULO FELDMANN – É muito pouco. Na Itália, na Alemanha, a pequena empresa é responsável por volta de 70% do PIB. Aqui ela não consegue ter expressividade para atuar. Os números brasileiros de participação das pequenas empresas no PIB, você só vai encontrar na África. A pequena empresa não tem protagonismo nenhum. Quem manda é a grande. E é uma tristeza que o Brasil seja assim, mas infelizmente é.
AGÊNCIA DC NEWS – Como o crédito subsidiado pode ser uma das soluções?
PAULO FELDMANN – O pequeno varejista deveria ter facilidades especiais de crédito. Os bancos brasileiros têm essa postura muito negativa de achar que a pequena empresa tem um risco mais alto. E mesmo os bancos oficiais, os bancos públicos, não tem uma postura diferente. Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, poderiam apoiar a pequena empresa. Mas não é o que acontece. Eles praticam as mesmas taxas que os outros bancos privados.
AGÊNCIA DC NEWS – E os consórcios?
PAULO FELDMANN – É um uma coisa muito comum na Itália e na Alemanha, por exemplo. A pequena empresa pode se consorciar em 1.000 outras pequenas, que se juntam e formam um consórcio para competir com as grandes. No Brasil nós não temos uma lei de consórcio. É proibido até. Quando eu estava na Federação do Comércio, uma das leis que a gente brigou muito para existir era a lei que permitia formação de consórcios.
AGÊNCIA DC NEWS – E para piorar a situação para as pequenas, a Selic deve continuar a subir, até chegar a 15% no fim do ano. Muitas pequenas vão fechar?
PAULO FELDMANN– A conta é essa. Quanto mais aumenta a taxa de juros, pior é para a pequena empresa.