Sem avanço em transparência no nível municipal, Brasil permanecerá aquém do seu potencial

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A vida acontece no nível local, mas o acesso à informação sobre governos municipais -a transparência sobre a segurança pública, educação, saúde e saneamento, entre outros serviços e políticas públicas- ainda não é garantido por cerca de metade dos municípios brasileiros.

Em 28 de setembro, é o Dia Internacional do Direito à Informação, diante deste marco e das próximas eleições municipais, é fundamental exigir mais comprometimento político com a transparência pública na esfera municipal.

A transparência das gestões locais no Brasil não está prosperando. A maioria dos municípios ainda não regulamentou a Lei de Acesso à Informação (LAI, Lei nº 12.527/2011), as emendas Pix introduziram bolsões de opacidade nos governos locais e, quase 13 anos após sua promulgação, a implementação e o cumprimento da LAI permanecem insatisfatórios. Uma avaliação recente das ONGs Observatório Social do Brasil e da Transparência Internacional Brasil classificou a transparência de 3 em cada 4 capitais brasileiras como “ruim” ou “regular”.

O clichê mais repetido sobre a falta de transparência é que el a facilita a corrupção. Porém, talvez tão importante é o fato de que o acesso à informação profissionaliza.

Em um estudo recente, os professores Mariana Batista (Universidade Federal de Pernambuco) e Gregory Michener (Fundação Getulio Vargas) descobriram que os municípios que implementaram adequadamente a LAI reduziram as contratações produto de apadrinhamento político em 2% a mais do que os municípios sem LAI. Esse número não é modesto: equivale a 122.625 contratações em todo o Brasil. O achado reforça uma antiga hipótese: o compromisso com a transparência fortalece o profissionalismo governamental.

Contudo, os compromissos envolvem mais do que apenas a adoção de regulamentações. Joana Monteiro, professora da FGV e especialista em segurança pública, compila dados sobre crimes das instituições de segurança (por exemplo, polícias).

De acordo com Monteiro, a maioria dessas instituições não só possui sistemas deficientes de acesso à informação e registros de ocorrência pouco confiáveis, mas também utilizam nomenclaturas e categorizações diferentes para crimes semelhantes (roubo, assalto) e cenas de crime (ruas, residências, estabelecimentos comerciais), tornando a comparação praticamente impossível.

A ausência de padronização -que deveria ser estabelecida no âmbito federal- não apenas dificulta a pesquisa, mas também frustra a formulação de políticas públicas eficazes. Monteiro ilustra a gravidade do déficit informacional na segurança pública ao constatar que as estatísticas de homicídios provêm de hospitais, e não da polícia.

A transparência municipal em países como Chile e Peru, entre outros, é regulada de tal forma que todos os municípios devem apresentar as mesmas categorias de dados em estruturas e formatos semelhantes. No Brasil, os portais de transparência são uma grande desordem. Cada portal municipal tem sua própria estrutura. Com frequência, informações sensíveis, como salários ou custos de obras públicas, são difíceis de localizar e reutilizar pois se encontram em recôncavos dos portais municipais ou em formatos não processáveis.

A disponibilização de informações sobre a LAI dos governos é igualmente inconsistente. Uma análise da FGV revelou que 9 das 26 capitais brasileiras ainda não apresentam estatísticas sobre o uso das leis de acesso à informação.

Claramente, o governo federal deveria exercer seu papel de coordenador, encontrando uma forma de contornar a autonomia constitucional dos municípios para impor a padronização de registros.

Muitos nutrem a ideia de que “o Brasil é uma bagunça”. A qualidade e a disponibilidade de informações têm muito a ver com isso. Se informação é poder, até que a informação seja acessível, padronizada e organizada, o Brasil permanecerá aquém do seu potencial.